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ENTREVISTA

'As parcerias com o setor privado são essenciais', avalia Cavalcanti

Secretário especial do Programa de PPI fala sobre o impacto dos leilões de concessões e PPPs no PIB brasileiro

Por Divo Araújo

11/03/2024 - 6:00 h
Marcus Cavalcanti, secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI)
Marcus Cavalcanti, secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) -

É consenso hoje que, para garantir os investimentos necessários na infraestrutura do país, é necessário atrair o setor privado, através de concessões, parcerias público-privada e outras medidas de desestatização. Por isso, fortalecer essa relação é cada vez mais importante, como explica Marcus Cavalcanti, secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.

“A estimativa das empresas de análise financeira é que os leilões feitos no ano passado tenham impactado no crescimento de 0,4% do PIB”, exemplifica ele. Nesta entrevista, Cavalcanti fala de novas oportunidades de parcerias do Estado com o setor privado, a exemplo do reflorestamento com foco nos créditos de carbono; dos fundos de investimentos para estados e municípios; e da possibilidade de revisão de “concessões estressadas”, a exemplo da ViaBahia. Confira tudo a seguir.

Em linhas gerais, como funciona o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal?

Esse é um programa que foi instituído por lei e hoje é vinculado à Casa Civil da Presidência da República. A estrutura é formada por um conselho, do qual participam os ministros da Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Infraestrutura, Integração Regional e Meio Ambiente. E há os critérios para os projetos serem qualificados nesse programa de parceria e investimentos. Isso envolve não só concessões e PPPs (Parcerias Público-Privadas), mas também investimentos considerados estratégicos, tanto do setor privado como público. Quando foi criado, o PPI já era vinculado à Casa Civil. No governo passado, ele integrou o Ministério da Economia e agora retornou à Casa Civil com outra missão, que é fazer todo relacionamento com o setor privado. Hoje, por exemplo, nós tivemos reunião com o Banco da Ásia. Ontem, foi com o Banco dos Brics. Importante explicar que o PPI não é o executor direto das ações de PPP e das concessões. Ele articula, no âmbito do governo federal, os projetos que são qualificados, acompanhados e passam pela diretriz final da Presidência da República e dos ministérios. Além disso, damos apoio aos subnacionais, que são os estados e municípios. Para isso, temos o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que tem um fundo próprio que faz a modelagem e a estruturação de PPPs e as concessões para os subnacionais. Estamos treinando agora equipes do Banco do Nordeste (BNB), mas esse ainda é um projeto piloto. Nós aportamos, via Banco Interamericano, 400 mil dólares para criar uma fábrica de apoio aos estados e municípios. E nós temos dois fundos. Um é o FEP, que é o Fundo Estruturador de Projetos, vinculado à Caixa Econômica Federal. E temos o Fdirs, que é o Fundo de Investimentos de Desenvolvimento Regional Sustentável. Nesse último caso, já foi feita uma licitação e o fundo vai ser administrado por uma estrutura privada.

Como esses fundos vão operar?

No caso do BNDES e BNB, estados e municípios se habilitam e fazem os estudos. Em caso de sucesso, os bancos são ressarcidos. O mesmo princípio dos fundos. No FEP, nós aportamos agora R$ 100 milhões para estados e municípios fazerem estudos na área de educação e saúde. Já o Fdirs é um fundo que tem R$ 1 bilhão. Ele já está estruturado e o dinheiro começou a ser creditado . Nós vamos utilizar até um saldo do chamamento que foi feito e o FEP não teve capacidade para fazer a modelagem e estruturação de PPPs e concessões. No caso dos subnacionais, nós estamos apoiando 12 consórcios intermunicipais de resíduos sólidos que abrangem 26 milhões de brasileiros. Já estão rodando também as PPPs de iluminação pública. A mais recente foi em Alagoinhas, que acabou de assinar contrato. Em Camaçari, uma PPP de iluminação pública está em licitação. Todos esses projetos na Bahia foram apoiados pelo FEP.

Quais são as áreas prioritárias para os investimentos desses fundos?

O FEP é controlado pelo Ministério da Fazenda e o agente financeiro é a Caixa. O Fdirs é um fundo ligado ao Ministério da Integração Regional, junto com a Casa Civil. O Fdirs será alocado nas áreas de abrangência do ministério, que são o Nordeste, norte de Minas Gerais, Amazônia e o Centro-Oeste. Nós vamos cobrir a parte de recursos hídricos, saneamento e resíduos sólidos. Estamos preocupados com os arranjos dos pequenos e médios municípios que ficaram fora do chamamento das grandes estruturas de concessões e de PPPs na área de saúde e saneamento. Por isso, creio que os consórcios municipais são ferramentas importantíssimas. Já trabalhamos com os consórcios em resíduos sólidos. A iluminação pública de pequenas cidades também será implantada através de consórcios. No caso de saneamento, a própria lei determina que seja feita através de agrupamentos e o consórcio pode ser uma ferramenta para isso.

Um dos investimentos do Fdirs será num projeto modelo para as creches. Como ele funciona e qual é a importância de se investir neste segmento?

Isso, teremos também investimentos em educação infantil. Nós já temos um piloto que estamos terminando de modelar e fica em Recife. Ele vai beneficiar nove mil crianças. Estamos com mais cinco municípios em processo de início de estudo para que a gente modele outras PPPs na área de educação infantil. No setor de saúde, temos as policlínicas. No chamamento que foi feito no PAC seleções, alguns municípios optaram em ter policlínicas através de PPPs. Agora, estamos discutindo com o Ministério da Saúde como fazer essas PPPs das policlínicas. Talvez, iremos seguir os exemplos da Bahia e do Ceará dos consórcios.

Dentro da carteira de educação, as escolas de tempo integral podem também seguir os modelos das PPPs?

Sim, nós estamos trabalhando com o BNDES. Nesse caso ainda vamos fazer o piloto. Quando é projeto-piloto, a primeira vez que roda, a gente utiliza a estrutura do BNDES, que tem uma robustez maior para modelar. Já estamos trabalhando com alguns pilotos e alguns estados já se candidataram. A gente vai anunciar em breve porque educação em tempo integral é basicamente Ensino Fundamental 2, que é do Estado. É bom lembrar que as escolas de tempo integral do governo da Bahia oferecem uma quantidade imensa de refeições por dia. Mas a PPP não inclui a parte pedagógica, que continua com professores da rede pública, seja estadual ou municipal. A PPP dá o suporte, é um formato semelhante ao que acontece, por exemplo, no hospital de infectologia Couto Maia. Como a gente chama na linguagem médica, a parceria no Hospital Couto Maia é “bata cinza”. A parte da “bata branca”, que é todo serviço médico, é feita pelos funcionários do Estado. No caso da educação é a mesma coisa. Toda parte de segurança, serviços de limpeza, entre outros serviços, será feita pelo privado e a parte pedagógica segue sob responsabilidade do Estado.

O ano eleitoral de 2024 pode fazer com que parte da carteira do PPI sofra adiamento?

Quando é consórcio fica mais fácil, porque é uma estrutura administrativa que não está envolvida diretamente na eleição do município. Claro que todo mundo participa. A eleição municipal é muito acirrada. A gente tem uma dificuldade: o edital precisa ser lançado até junho, porque dificilmente terá condição de ser feito no segundo semestre, durante o período eleitoral. O que a gente vai começar a modelar com recursos do Fdirs e do FEP só vai ficar pronto para o próximo ciclo de prefeitos. Então, o prefeito eleito ou reeleito vai ter uma ferramenta que ele pode disponibilizar diretamente para o chamamento público. A modelagem que a gente vai começar agora com os recursos deste ano só será concluída no final do ano.

Além dos fundos, o que mais o governo federal está planejando para oferecer PPPs e concessões e atrair novos players do mercado?

Nós acabamos de aprovar e o presidente deve assinar nos próximos dias o decreto das debêntures incentivadas. Nós criamos uma série de debêntures, com incentivos de imposto de renda e que podem ser emitidas inclusive com moeda externa. Com isso, a gente facilita a captação de recursos das concessões. Hoje mesmo sentamos o ministro Rui Costa (Casa Civil), eu e o deputado Arnaldo Jardim, que é o relator de um projeto para fazer alterações na lei de PPPs e Concessões. O objetivo é facilitar esses processos, dar segurança jurídica e fazer um benchmarking do tempo que ela está em vigor. Estamos aperfeiçoando isso, mas estamos também atrás de recursos. Hoje, por exemplo, conversamos com o Banco da Ásia para que invistam em fundos aqui no Brasil, possam alavancar projetos e, como você disse, atrair players novos para o mercado. A concessão da implementação do trem intercidades entre São Paulo e Campinas foi vencida por um consórcio formado por um grupo chinês e pela empresa que administra a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) de Minas, que foi licitada no governo passado e mantida pela gestão atual. O trem intercidades é um projeto qualificado no PPI e, embora seja um projeto subnacional, de São Paulo, terá um aporte de cerca de R$ 7 bilhões do governo federal. Nós estamos fazendo todo aperfeiçoamento desse projeto, além de gerenciar e acompanhar a carteira de projetos do governo federal. Conseguimos uma vitória que foi a possibilidade de reanálise das empresas que têm “concessões estressadas”. Aqui na Bahia temos uma que é a Via Bahia. Ela já está com proposta de renegociação no Tribunal de Contas da União (TCU), que tem 90 dias para analisar o caso. Tudo faz parte de um trabalho de articulação que a gente faz aqui na Casa Civil dentro dessa área de concessões e PPPs. Para você ter uma ideia, a estimativa das empresas de análise financeira é que os leilões feitos no ano passado tenham impactado no crescimento de 0,4% do PIB. No ano passado, o PIB cresceu 2.9% e aí você vê a importância dessas ações. Falo dos leilões feitos no ano passado e que já assinamos contratos. O presidente já assinou as linhas de transmissão, das estradas do Paraná, de resíduos sólidos. Elas vão repercutir em aproximadamente 0.4% de crescimento do PIB.

No ano passado tivemos leilões também na área de portos e aeroportos. Qual é a importância desses dois setores?

Temos quatro portos no Brasil – Rio Grande do Sul, Paranaguá, Santos e Salvador – que nós vamos fazer a concessão da dragagem dos portos. Vamos ter uma empresa privada permanentemente fazendo a dragagem dos canais desses quatro portos brasileiros. Relicitamos os aeroportos que estavam em devolução, a exemplo de Amarantes, no Rio Grande do Norte. Agora, há outra área com um potencial imenso que poucas pessoas conhecem. Nós fizemos uma licitação na sexta-feira de um perímetro irrigado em Minas Gerais. Serão cerca de 30 mil hectares de terra irrigados com investimentos de R$ 1 bilhão feitos pelo setor privado. Na Bahia, nós estamos estudando na região de Guanambi, o perímetro irrigado de Iuiú, que a gente deve está licitando a concessão no próximo ano. Outro setor interessante também é o de parques e florestas. Pouca gente sabe que alguns parques públicos são geridos pelo setor privado. Por exemplo, o Corcovado no Rio. É uma empresa privada que faz o gerenciamento. A administração do Parque das Cataratas de Iguaçu também é feita pelo setor privado. E temos também florestas. Licitamos três florestas este ano. E estamos modelando a primeira delas que tem aproveitamento de carbono. O vencedor poderá retirar as espécies exóticas – ou seja, as espécies que não fazem parte daquele bioma. Mas vai ter que replantar espécies do bioma. tem uma área que foi desmatada que vai reflorestar e, com isso, terá o crédito de carbono. Esse é um grande foco para recuperar as nossas florestas.

Até que ponto a transição energética abre uma janela de oportunidade para as parcerias entre o setor público e privado?

No caso de florestas, ela abre grandes possibilidades. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, levantou que temos cerca de 40 milhões de hectares de terras de pastagens que hoje estão subutilizadas. Tem um programa que estamos fazendo junto com o Ministério da Agricultura de remodelar concessões para que essas áreas sejam recuperadas e, com isso, ter crédito de carbono que melhora a nossa compensação. Com o aumento da produtividade da nossa agricultura e pecuária precisamos de menos área para produzir mais. Essas áreas serão recuperadas dentro desse processo. Além de outros projetos que a gente toca. Por exemplo, Recife e Campo Grande vão licitar dois projetos de recuperação de áreas nos centros antigos com habitação social. É uma parte que está prevista no projeto do Minha Casa, Minha Vida, que são habitações da faixa 1 para aluguel. O presidente também assinou na semana passada um decreto de áreas antigas que pertencem à União. Na Bahia, tem a área do antigo aeroporto de Vitória da Conquista. Nós vamos fazer o estudo daquela área do governo federal e será concedida para habitação e empreendimentos. Vamos discutir com a cidade a sua infraestrutura. Estamos estudando também a Estação Leopoldina, no Rio de Janeiro, e o antigo aeroporto Carlos Prates, em Belo Horizonte. São três projetos junto com o Forte Copacabana, que tem outra característica, e nós vamos trabalhar também para construir parcerias com o setor privado e, dessa forma, aumentar o investimento em infraestrutura no Brasil. É isso que a gente precisa: aumentar investimento, reduzir a defasagem social e essa é uma ferramenta muito importante.

A transposição do Rio São Francisco também será objeto de uma parceria com o setor privado?

Ela vai ser uma PPP. Desde que a transposição foi construída havia um compromisso dos estados de participarem do rateio. Porque a água que vai para cada estado muitas vezes vai ser usada de forma comercial. Por exemplo, a empresa de saneamento de Pernambuco pega água e vende. O ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, foi muito eficiente na discussão com os governadores envolvidos. Eles assinaram um novo termo de compromisso e nós estamos modelando uma PPP. A União vai continuar investindo o que já investe hoje, cerca de R$ 300 milhões por ano na manutenção. Nós vamos incluir a ampliação das bombas. Tem lugares onde a gente vai precisar colocar outras bombas para aumentar a capacidade, como estava previsto no projeto original. Estamos concluindo as obras dos outros canais no Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Ainda vai precisar mais volume de água como está previsto também no projeto original. E o setor privado vai administrar esse assunto. A União continua pagando e os estados usuários das águas também assumem os custos rateados entre eles pela proporção da água que é usada em cada estado.

O setor de ferrovias também tem sido objeto dessas parcerias?

No caso das ferrovias estamos numa discussão da malha paulista, que é um trecho que está em devolução. Tem a discussão da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica). O ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou inclusive que vai divulgar o novo marco de renegociação de ferrovias, como ele já fez com rodovias. E nós estamos trabalhando em conjunto com ele para discutir a situação da FCA. Para decidir o que renova, o que devolve e o que a gente licita de novo. Estamos trabalhando agora nas estações da ferrovia que engloba a união da Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste) na Bahia com a Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), em Goiás e Mato Grosso, que é o início do corredor transoceânico. A Transnordestina nós voltamos às obras. Estaremos lá no dia 20 numa inspeção no que a gente chama de L invertido e trabalhando no trecho retirado da concessão, que é o trecho do estado de Pernambuco. A ideia, e está no orçamento deste ano, é que a Infra S/A licite, já com obra pública, 200 quilômetros do trecho que vai até Suape.

Para concluir, em 2022 o Brasil ficou em primeiro lugar no ranking da revista The Economist do melhor ambiente para a elaboração de PPPs na América Latina. Qual é a importância disso para o desenvolvimento do país?

Sim, nós queremos melhorar ainda essa participação. Eu estive no evento do BID que faz o PPP América. E foi reconhecida a expertise que o Brasil tem nesse campo e o potencial. Estamos trabalhando mais para dar segurança jurídica para o investidor, discutindo sempre com os players e nos preocupando também com o usuário.

Raio-X

Formado em engenharia mecânica pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Marcus Benício Foltz Cavalcanti ingressou na vida pública em 1979, quando integrou a carreira de especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do estado da Bahia. Foi secretário de Infraestrutura do Estado da Bahia (Seinfra) e superintendente de Transportes da Bahia. Atuou também como diretor-geral em diversos órgãos de Infraestrutura. Assumiu, em 1° de janeiro de 2023, a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos da Casa Civil da Presidência da República.

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