ECONOMIA
Condôminos concluem obra da Encol
Por JORNAL A TARDE
Mutuários se organizaram, juntaram o que restou das economias e conseguiram tocar o projeto do Edifício Porto Real
BERNA FARIAS
Foi uma luta de mais de dez anos. O edifício Porto Real, com 54 apartamentos de três quartos, duas garagens, piscinas para adulto e criança, sauna, playground e quadra esportiva, deveria ter sido entregue em 1996. Mas o sonho dos compradores foi por água abaixo. O prédio não desabou, como o célebre Palace II, do Rio de Janeiro, mas a Encol, então a maior incorporadora e construtora do Brasil, foi à falência. Deixou o prédio, na Pituba, com apenas 18% das obras em andamento, ou nove lajes batidas. Amanhã, o Porto Real será finalmente entregue, todo concluído.
A falência foi um desastre para os 50 condôminos, dos quais 22 já haviam quitado os apartamentos o empreendimento tinha sido lançado dois anos antes. Na Bahia, a Encol tinha outros 21 empreendimentos, além do Porto do Sol, todos em Salvador. A obra foi retomada em 2002, após muita discussão. Quando surgiram boatos de que a empresa ia entrar em falência, corri à Encol e transferi o direito de construção da obra para os condôminos. Mas demorou seis anos para entrarmos em consenso, foram mais de 100 reuniões, conta Walter França, 52 anos, presidente da associação de moradores do edifício.
França, assim como boa parte dos compradores, investiu todo o dinheiro economizado em 23 anos de trabalho no imóvel. Pagávamos, a Encol ia abatendo no preço final, mas não aplicava na obra, ficava deslocando os recursos de um empreendimento para outro, diz. Com o resgate do imóvel da massa falida da Encol, o problema foi encontrar uma forma de aqueles que já tinham quitado voltarem a pagar para que o prédio pudesse ser erguido. Metade dos compradores, quitados ou não, desistiram, passaram suas cotas adiante.
Finalmente, foi feito o acordo definindo o que cada um iria pagar e, em 2002, foi contratada a MB Engenharia, empresa goiana (assim como a Encol), e a construção foi retomada. Nenhuma construtora baiana aceitou a obra, nem responderam à licitação. Tivemos que tirar várias famílias que estavam morando nas lajes, cerquei o terreno, botei vigia, diz França. Dos R$ 3,6 milhões em que foi orçada a nova obra, R$ 2,4 milhões eram dívidas dos condôminos que pagavam prestações e R$ 1,2 milhão foi rateado entre os que haviam quitado.
TUDO DE NOVO Retomar a construção foi uma vitória, mas custou sacrifícios. Walter França, que trabalha como gerente administrativo-financeiro, tinha pago 60% do imóvel (os apartamentos valiam, em média, R$ 70 mil quando foram vendidos, entre 1993/1994 hoje valem cerca de R$ 230 mil), teve que aportar quase R$ 50 mil. Tive que me desdobrar em trabalho, usei o FGTS de minha esposa, vendi um imóvel que eu tinha e fiquei morando na casa de minha mãe, lembra.
O professor Roberto Carlos Calfa Vieira da Silva, 39 anos, também viveu experiência parecida. Quase metade do valor do apartamento estava paga. Senti medo, angústia, mas estamos vencendo. Diante da perspectiva de perda total, receber o imóvel é a melhor coisa que poderia acontecer: tirar da massa falida, formar condomínio e contratar uma construtora que está respeitando nosso direito, nosso sonho, foi um esforço grande capitaneado por (Walter) França. Assumi minha parte e, felizmente, tudo tem andado muito bem.
Vamos agradecer a Deus
Estou vendo ressuscitar o que já estava morto. Fiquei no zero e tive que recomeçar tudo. É desta forma que o aposentado Osmar Ivo Leão, 61 anos, descreve a sensação de, após dez anos, finalmente ter nas mãos a chave do apartamento de três quartos que comprou da Encol pagando, à vista, R$ 55 mil. Agora, vamos agradecer a Deus, Jesus e Maria, os três que lutaram conosco: neste País de grandes maiorais, ninguém faz nada pelos pequenos, emenda a mulher dele, Maria de Lourdes Leão, 55.
O casal, pai de dois filhos, investiu tudo o que tinha na compra do apartamento. Tinha acabado de me aposentar. Juntei todo o dinheiro do Fundo de Garantia (FGTS) e da poupança, paguei à vista e foi tudo pelo ralo. Tive que pagar tudo de novo, desabafa Osmar, que desembolsou mais R$ 50 mil para ter direito ao imóvel, no edifício Porto Real. A construtora (MB Engenharia, contratada pelos condôminos para tocar as obras deixadas no esqueleto pela Encol) dividiu em três anos; me virei do jeito que pude e que não pude para pagar.
O imóvel deveria ter sido entregue em 1996, mas, naquele ano, a Encol entrou em processo de falência. Quase tive um ataque e fui para o outro mundo. Fiquei num estado desesperador, mas lutei e consegui chegar, disse o aposentado. Foi horrível, uma experiência que não desejaria passar nunca em minha vida, foi tudo muito sofrido. Não adiantou nada procurar pessoas, mandar cartas, ninguém fez nada contra aqueles infelizes que nos roubaram: adiantou ter força, perseverança. Deus sabe o que nós passamos, mas vencemos, complementa Maria de Lourdes.
Empresário cumpre pena
Revoltados, com justa razão, os consumidores lesados pela Encol costumam se referir ao caso como um símbolo da impunidade dominante no País. Mas não é bem assim. Segundo Viviane Amaral, do escritório Viviane Amaral Advogados Associados, com sede em São Paulo, e por onde transitou a maior parte das ações contra a empresa, Pedro Paulo de Souza, presidente e maior acionista da Encol, perdeu todo o patrimônio, inclusive o pessoal, que foi arrecadado pela massa falida.
Filhos, esposas, sócios e superintendentes da construtora tiveram o mesmo destino. Pedro Paulo encontra-se, atualmente, em prisão domiciliar em Goiânia (GO) à disposição da Justiça Falimentar. Ele só não está em uma instituição carcerária porque não tramitaram em julgado as ações criminais contra ele. Segundo Viviane, são muitos os processos na área penal um deles é vender fração ideal de imóvel na planta sem registro de incorporação. Desvio de patrimônio, formação de caixa 2 e falsificação de livros contábeis também pesam contra os donos da construtora.
Ainda segundo a advogada, a Encol, hoje, está em fase de venda do patrimônio (fábricas, fazendas, terrenos) que sobrou, estimado em R$ 200 milhões. Trabalhadores da empresa já começaram a receber o pagamento, por serem os primeiros credores se sobrar recursos, estes vão para pagamento de tributos.
Difícil sobrar, já que a dívida total é estimada em R$ 2 bilhões. O processo contra a empresa, diz Viviane, encontra-se em fase avançada. Olvanir Andrade, nomeado pela Justiça em Goiânia, é o síndico da massa falida.
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