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"Finame deixou o mercado mal acostuma", diz CEO do Motiva

Publicado sexta-feira, 03 de julho de 2015 às 08:34 h | Autor: Paula Janay
João Mottin, grupo Motiva
João Mottin, grupo Motiva -

De uma família com tradição no setor em todo o Nordeste, o empresário baiano João Mottin assumiu,  em 2013, a empresa de distribuição de máquinas Volvo de  seu pai, Gilberto Mottin Filho,  atualmente consultor dos negócios. O novo comando começou no final do boom da venda de máquinas novas no Brasil, movimento impulsionado por subsídios governamentais. Na entrevista, parte da série com empresas baianas, Mottin comenta sobre os desafios de reestruturar os negócios nessa  nova fase.

Quando surgiu a Motiva. Quem foram os fundadores?
No final da década de 1970, o meu bisavô, que também se chamava João Mottin, adquiriu alguns ativos de distribuição de capital aqui no Nordeste.  E aí nasceu a Movesa, que distribuia caminhões Scania.   Em 1983, o meu avô começou a distribuição de empilhadeiras Clark  e carregadeiras Michigan e  chamou o meu pai para vir para cá e tocar essa operação.  Nasceu o embrião da Motiva, que se  chamava Motrase. Em 1987, a Motrase virou Movesa Máquinas, que era o nome antigo da Motiva.  No começo da década de 2000, quando o meu avô faleceu, o meu pai (Gilberto Mottin Filho) se separou dos irmãos   nos negócios. O nome Movesa ficou com os irmãos e meu pai  mudou o nome para Motiva Máquinas, em 2003. O grupo está no Nordeste  desde a década de 1970, a empresa em si desde 1983, e o nome Motiva desde 2003. 

E como foi a sua trajetória profissional? Quando o senhor começou na empresa?
Eu estudei na Escola Pan Americana da Bahia,  fiz faculdade em São Paulo, na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sempre gostei de negócios. Acompanho meu pai em reuniões desde os 13 ou 14 anos. Quando  me formei na faculdade,  em 2009,  fiz pequenos estágios em outros distribuidoras de máquinas, fiz um trabalho de coaching e  ingressei na empresa em 2010, eu tinha 24 anos. Entrei primeiro para dirigir o departamento de pós vendas. Em 2012, peguei a parte comercial também e isso foi a origem do cargo  de diretoria executiva.  A partir do final de 2013, eu fiquei  também com a parte financeira e a parte administrativa, ou seja, toda a operação da empresa.    O meu pai hoje ele não é operacional, ele participa das decisões estratégicas da empresa, mas não está mais no dia a dia. É  como um conselheiro. Como um presidente de conselho. 

Quais foram os últimos investimentos de vocês? E o que os justificou no momento em que foram feitos?
Sem dúvida, as filiais. Abrir uma filial pequena hoje, entre estoque, sistema, pessoas, reforma, custa aí mais ou menos R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões. Nós abrimos Teixeira de Freitas deve ter mais ou menos 3 anos. Abrimos uma em Aracaju, que na verdade foi uma reabertura, nós nunca deixamos de ter o território, mas por um período nós não tínhamos unidade lá.  A implementação do sistema da Totvs, que foi cerca de R$ 1 milhão, com tudo, entre o treinamento e todos os custos.  Sem dúvida, a readequação de pessoal, a contratação de mecânicos e muito treinamento. Hoje para ter um mecatrônico formado pela Volvo custa aí cerca de R$ 40 mil a R$ 50 mil e demora três anos para formar o cara. Hoje dos nossos 60 mecânicos, nós temos 15 mecatrônicos.

Qual a estratégia de vocês em gestão de pessoas já que investem tanto neste tipo de  profissional. Como evitar a fuga de bons profissionais da empresa?
O primeiro ponto é que a gente é muito ligado em remuneração variável. E a gente toma muito tempo para formular isso. Por exemplo, o mecânico técnico ele tem um salário fixo só que esse salário fixo pode mais do que dobrar mensalmente de acordo com metas. E não só metas quantitativas. O técnico tem a meta de faturamento dele, a meta de faturamento do grupo.  Para ganhar dinheiro na parte de serviços você tem que ter produtividade. A gente mede isso e a variável deles depende disso.  A gente acredita que quem entrega ganha muito bem. Esse é o primeiro ponto. Nós temos diversos programas de treinamento,  temos parcerias com faculdades. Muito  da nossa gestão de pessoas é focada  em manter os bons.  Em premiar os bons. Isso é fácil de falar, mas é mais difícil de executar. Porque gera ciúmes. Mas é isso que a gente quer mesmo. A gente quer que o cara bom fique à vontade e que o cara medíocre fique incomodado e queira sair. Eu diria que o grande foco da nossa gestão de pessoas é esse. E um ponto positivo é que nós há muito tempo não perdemos ninguém para o mercado. Eu diria que muito disso é nosso programa mesmo. Hoje a gente é muito confortável com ele. E ele dá esse resultado para a gente. Hoje realmente não perdemos profissionais.

Quais foram as principais transformações da sua gestão?
Acredito que foi essa mentalidade da meta, da importância das lideranças, e de uma cultura de resultados. Eu sempre digo para todo mundo que a única diferença entre uma empresa de sucesso e uma empresa de fracasso é cultura, gente e liderança. Ativos e patentes caem. Então, o que dá vantagem competitiva a longo prazo é gente, cultura e liderança. A gente fez muita força para conseguir implementar isso, ter boas pessoas, ter uma liderança forte e ter uma cultura forte para criar um modelo replicável de gestão. Grande parte do nosso trabalho foi focado em criar essa cultura, criar alguns líderes e buscar gente boa. E ter mecanismos e processos para avaliar e acompanhar  essas pessoas. No  pós venda, eu diria que a gente nem chama de pós venda, a gente chama de suporte ao cliente, foi o cuidado pró ativo com o cliente e a busca pró ativa ao cliente. Porque historicamente um concessionário de carros e de máquinas  é um comerciante e a pós venda acontece de maneira reativa. Quando as máquinas quebram, o cliente vai até você. Essa não é a melhor forma de gerir um negócio. Você tem que ser proativo, tem que sugerir ao cliente, dar treinamento ao cliente.  O negócio de máquinas ele tem um quê de artesanal, e os clientes gostam de estar próximos da diretoria e de ter a presença do diretor . Essa proximidade com o mercado também foi um ponto interessante. Diria que foram esses três pontos.

Em relação a crise de 2015,  setores que utilizam  máquinas estão em queda de produção, como o setor industrial. Como vocês estão gerenciando as dificuldades deste ano?
Existem alguns segmentos que estão bem, por exemplo o florestal e o agrícola. Uma ou outra pedreira   está com  obras grandes, por exemplo, a obra do metrô  está rodando e existem dois grandes fornecedores de pedra para o metrô.  Na parte de vendas é conseguir detectar os segmentos que estão comprando ainda e não perder negócio nesses segmentos. Mas mais importante do que isso, o grande foco, é que nós temos que virar um  prestador de serviços. O que vai alavancar o crescimento da empresa a longo prazo são peças, pneus, serviços e aluguel de longo prazo. Como é que a gente está lidando com a crise? O que é que está segurando a empresa esse ano? Peças, pneus, serviços e aluguel. O pessoal não está comprando,  estão  rodando máquinas  mais velhas, então elas estão precisando de manutenção.   Num ano de crise, para compra e investimentos, a decisão em uma empresa precisa ir até o presidente  ou até o conselho e pode não ser aprovada. Um aluguel não, fica no gerente da fábrica ou no gerente da operação alugar ou não. Aluguel é uma grande saída. E no aluguel, nas peças, nos serviços e nos pneus, são negócios de margem bruta muito maior do que os de máquinas. Grande parte do nosso modelo de negócio hoje é ser um prestador de serviço em suporte ao cliente e a gente quer cada vez evoluir mais nisso. Estamos estudando  terceirizar a movimentação de material em algumas minerações, não simplesmente alugar. Para lidar com a crise deste ano  estamos investindo no que chamamos de    soft products, esses produtos que não são máquinas.  

Como estão os subsídios do governo federal para o financiamento de máquinas? Como isso afeta os negócios?
O governo racionalizou mais o Finame, que é o grande programa, de subsídio às maquinas. Como qualquer subsídio ele gera distorção no mercado. O Finame era muito benéfico para o empresário e ficou aí por muito tempo, deixou o mercado mal acostumado. As pessoas podem falar que eu sou maluco, sendo distribuidor de máquinas e reclamar do Finame. Acho que ele causou distorções nocivas no mercado. Por exemplo, o valor das tarifas de aluguel caiu muito. O mercado de locação virou um mercado absolutamente prostituído porque  os juros chegaram a ser 3% ao ano para comprar uma máquina, e a inflação era 6%. Você tinha juros negativos, na dúvida, comprava a máquina. Todo muno comprou máquina.  Você tem um estoque de máquina gigante, você tem que botar para rodar, e aí aluga por qualquer preço. O valor de máquinas usadas caiu de uma maneira desesperadora. Houve na minha leitura uma racionalização do Finame, o Finame chegou a ser 100%, sem nada de entrada. Para a pequena empresa e média, atualmente,  o BNDES financia hoje em dia até 80% do equipamento e com a taxa subsidiada de   7% ao ano. Para grandes empresas,  financia até 60% e a taxa é de 9,5%. Houve uma racionalização do Finame, na nossa visão, necessária. Obviamente isso impacta o mercado, e de uma certa forma desaquece. Agora o  subsídio ainda existe, a condição ainda é muito boa, mas a verdade é que, e eu me coloco nisso também, o empresariado ficou mal acostumado com esses anos de subsídio.

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