Luiz de Mendonça: “O Brasil não corre risco de desabastecimento” | A TARDE
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Luiz de Mendonça: “O Brasil não corre risco de desabastecimento”

Previsão é que a Acelen invista R$ 1,1 bilhão na usina de Mataripe apenas este ano

Publicado sexta-feira, 15 de julho de 2022 às 23:22 h | Autor: Osvaldo Lyra
Luiz de Mendonça, CEO da Acelen
Foto: Divulgação
Data: 23/10/2021
Luiz de Mendonça, CEO da Acelen Foto: Divulgação Data: 23/10/2021 -

O CEO da Acelen, Luiz de Mendonça, tem o desafio enorme de gerir a Refinaria de Mataripe, antiga Landulfo Alves, localizada na Região Metropolitana de Salvador. Nessa entrevista exclusiva ao A TARDE, o gestor diz que o foco “absoluto é explorar ao máximo o que a refinaria pode dar”, através do investimento de R$ 1,1 bilhão e do aumento da capacidade de operação da planta, que é o principal ativo do Grupo Mubadala na Bahia.

Entre os desafios que ele tem, está o de “manter o abastecimento e manter o parque de refino nacional atualizado”. Luiz de Mendonça é enfático ainda ao afirmar que “não há culpa” da Acelen na alta dos preços dos combustíveis e ressalta que “o Brasil não corre risco de desabastecimento”, desde que se mantenha inserido na realidade mundial. 

Como o senhor avalia o trabalho que tem sido feito desde o começo da operação da Acelen na Bahia?

A gente sabia que tinha um grande desafio na transição. O nosso objetivo sempre foi fazer uma transição rápida, segura, sem nenhum problema de abastecimento ou de operação continuada da refinaria. Eu acho que esse objetivo foi plenamente atingido. O que a gente não imaginava é que o cenário de energia do mundo ia estar tão movimentado. Não tem um dia que não tenha alguma novidade, que não esteja acontecendo alguma coisa. Mas eu acho que desde que a gente chegou até agora a gente tem se surpreendido positivamente. Acho que é um tributo às nossas equipes. A gente tem superado os nossos objetivos iniciais. Ainda é muito cedo, a gente é uma empresa muito jovem, assumimos a refinaria em 1º de dezembro, mas a gente está muito feliz com o que a gente conquistou até aqui.

Nesse período foi possível perceber um aumento da produtividade, a refinaria operava na casa de 65% e esse número está perto de 95%. Como se deu esse processo?

Primeiro, a refinaria da Bahia fazia parte antigamente de uma rede de refinarias da Petrobras. Então, nem sempre ela, a refinaria da Bahia, a refinaria de Mataripe estava sendo privilegiada no cenário de produção ou até para abastecer o próprio mercado da região, do Nordeste. No nosso caso, é o nosso ativo, e a gente quis subir a capacidade. Desde o primeiro momento, a gente veio subindo a capacidade até a gente atingir o máximo potencial que a gente pode na refinaria. Acho que precisou primeiro a gente estar investindo muito em manutenção e em contabilidade, depois acho que eu posso falar um pouco mais, mas só este ano a gente vai investir na refinaria mais de R$ 1,1 bilhão. Isso é 2,5 vezes o que vinha sendo colocado na refinaria por ano pela Petrobras. E quase tudo isso focado em garantir a segurança, maior disponibilidade dos ativos, maior confiabilidade dos ativos, maior tempo de produção. Alguns desgargalamentos pontuais. Então, a gente já bateu o recorde de produção de diesel, que obviamente é um combustível que está muito demandado no Brasil e no mundo, a gente dobrou a produção de parafinas, aumentamos a produção de lubrificantes. Então, teve muita coisa que estava ali na mão, bastava pisar no acelerador. E teve várias modificações que a gente teve que fazer o mais rapidamente possível. Não terminamos ainda, a gente ainda tem até o final do ano, é um programa anual que a gente está fazendo. Algumas requerem parar algumas unidades por alguns dias para fazer a modificação que a gente precisa, mas é isso. Foco absoluto em explorar ao máximo o que essa refinaria pode dar. O que a gente precisou fazer, por exemplo, foi logo no começo, logo ali em janeiro e fevereiro, a gente trouxe equipamentos que não existiam, que nunca foram usados na Bahia, que permitissem a gente receber navios de até um milhão de barris de petróleo. Então, os navios que normalmente a refinaria recebia eram muito menores. Isso abriu para a gente a possibilidade de maior leque de petróleos do mundo que a gente hoje tem condição de acessar na refinaria.

A gente está falando de um investimento de R$ 1,1 bilhão, mas como esse recurso vai ser investido dentro desse prazo de um ano? Qual a expectativa de vocês?

Aproximadamente metade desse valor está sendo investido em manutenção, em melhoria das condições que a gente encontrou da refinaria. Tem uma unidade importante que estava parada há dois ou três anos, a gente deve reparti-la agora em agosto. Então, precisou fazer uma recuperação da unidade e das suas capacidades, para que ela repartisse. Inclusive, a gente teve que contratar novos operadores para operar essa unidade a partir de agosto. Tem muito investimento também nos sistemas de informação da Acelen. A gente começou operando nos sistemas da Petrobras e a gente precisa também desenvolver sistemas segredados, independentes da própria Acelen. Aí a gente foi, por exemplo, buscar as melhores soluções do mundo em termos de sistemas de informação, rede, servidores, tudo mais. Então, eu te diria, metade em manutenção, vamos chamar assim, talvez mais uns 10-15% em aumento de capacidade, e o resto em, vamos dizer, modernização da refinaria e dos sistemas de informação da refinaria.

Ao falar desses investimentos, foi falado também sobre esses avanços, por exemplo, de óleo lubrificante, como o de parafina que aumentou 200%. Isso vai exigir uma manutenção dos investimentos para que essa consolidação aconteça?

Na verdade, acho que essa conquista já está consolidada. Acho que a gente ainda tem oportunidades. Esses são produtos que a gente chama de produtos especiais. Obviamente, tem os produtos de grande volume, gasolina, diesel, nafta, petroquímica, fuel oil, que é o combustível de navio, e aí tem vários produtos em uma refinaria, não quero ser técnico, mas lembrando um pouco da química orgânica, ela vai do C2 ao C22. Então, esse monte de C aí, esse monte de carbono, eles podem ser combinados para fazer uma miríade, uma enormidade de produtos, e é isso que a gente tem buscado. Então, a gente lançou produtos novos, que não existiam, por exemplo, o propano especial, que é um produto para o mercado de aerossóis, que era um produto que não tinha no Brasil, ele era importado da Argentina, e a gente lançou no Brasil. Então, assim, tem inovação, tem desgargalamento, tem mudanças aí em algumas das unidades para ter condição de ou atingir a qualidade necessária ou as condições do novo produto.

Para atingir esses objetivos, pessoal qualificado é fundamental, e falta de qualificação é um dos grandes problemas que a gente tem na Bahia. Tem sido investido aí pela empresa junto com parcerias com o próprio Senai?

Temos várias frentes. Obviamente, a gente precisa de talento, de pessoas com experiência, porque uma empresa desse tamanho, ela é nova, mas ela é muito grande, temos 28 unidades lá na refinaria, temos também projetos de outros investimentos. A gente precisa de muita gente. Então, a gente está seguindo várias estratégias paralelas. Contratamos pessoas experientes vindas de fora. Então, por exemplo, nesse momento, a Acelen que há pouco mais de um ano o primeiro empregado fui eu, era só eu, hoje a gente tem mais de 300 pessoas entre São Paulo e, sobretudo, a maioria na Bahia. E aí a gente trouxe gente de várias indústrias, de várias empresas de ponta, seja da petroquímica, do polo de Camaçari, seja de outras refinarias, seja da Ford. Eu tenho gente que realmente é muito qualificada, que a gente conseguiu atrair para o projeto Acelen.

Inclusive, ia perguntar como estava esse processo de contratação de mão de obra, se já havia sido pacificado, até mesmo o entendimento com os funcionários da Petrobras. Está sendo uma transição tranquila?

Isso que eu ia colocar. A primeira frente, a gente trouxe gente de fora, já com experiência bem consolidada. A segunda frente, que é essa que você me perguntou agora, a gente fez oferta, colocou uma oferta atrativa, conversamos com integrantes da Petrobras, conversamos com o sindicato, no sentido de que todo mundo que hoje trabalha na refinaria de Mataripe, que hoje ainda é Petrobras, se quiser ficar na Bahia, na refinaria, fazer uma carreira na Acelen, é muito bem-vindo. Então, a gente fez oferta para todos, com condições interessantes, e acho que atrativas, e a gente já assinou mais de 300 pré-contratos com integrantes que eu fico muito feliz que virão da Petrobras já com uma enorme experiência em refino, um grande conhecimento, da refinaria de Mataripe. Aí as outras frentes de atração de pessoas. Tem uma terceira frente em que a gente montou: um centro de formação de refino, o primeiro privatizado, obviamente só a Petrobras tinha esse tipo de formação, em parceria com a Mackenzie, para a gente formar muito rapidamente técnicos de refino. São 120 integrantes, a gente espera formar mais de 200, então essa é a terceira, mas também tipicamente profissionais experientes vindo de outras indústrias, em que a gente faz uma formação teórica e prática muito acelerada, para ver se no final deste ano eles já estão ali à frente das operações da refinaria. E aí foi o tema que a gente estava anunciando ontem, assinamos ontem um convênio com o Senai Cimatec. Firmamos um convênio para formação de um curso de técnicos de refino. O edital já foi publicado, são 350 vagas. E aí a gente espera estar formando mão de obra de qualidade não só para a Acelen, mas para a indústria baiana como um todo. Em agosto tem uma outra formação que a gente também está patrocinando, que é a de técnico em manutenção. E aí são mais 30 vagas, também em conjunto com o Senai Cimatec. Tipicamente eu estou falando de gente jovem que quer começar uma carreira na indústria e que a gente vai começar a desenvolver esses talentos, apostando no crescimento da Acelen.

Até onde a Acelen e a refinaria têm culpa nessas altas dos preços dos combustíveis? Qual a visão de vocês sobre esse fato concreto, que são as altas de preços?

Você usou no começo de sua frase a palavra “culpa”. Eu acho que culpa nenhuma. A responsabilidade é com manter o abastecimento e manter o parque de refino nacional atualizado. Senão, ele vai desaparecer. Essa é a realidade no mundo. Agora, não existe commodity ou produto mais internacional do que o petróleo, do que o derivado. Não adianta a gente tentar escapar dessa realidade. Mas se faltar diesel no Japão, vai apertar o mercado de diesel no Brasil, se faltar gasolina nos Estados Unidos, vai apertar o mercado de gasolina no Brasil. Não tem como escapar. O produto se movimenta e ele tem uma lógica internacional. O que nós colocamos, e a gente tem uma agilidade de uma empresa privada, é que a gente toda semana está olhando essas movimentações de preço. Para cima, para baixo. É só isso? Não. Eu olho meus concorrentes. Eu não perco venda. Então, quando o pessoal fala, ah, o preço na Bahia está muito caro. Primeiro, está caro no mundo. Segundo, acho que o pessoal confunde preço na bomba com o preço da refinaria. O preço da refinaria é uma parcela importante, mas não tão fundamental assim do preço da bomba. Ela é 35-40% talvez do preço da bomba. Na cadeia, você tem o custo de distribuição, a margem de distribuição, o lucro do posto, e os impostos. A gente entrega um produto em uma base de distribuição, e a partir dali ele faz ainda um longo caminho até os postos, e com um impacto fiscal muito importante. Como eu disse, a nossa visão política é de ser competitivo. Até por isso que a gente não perde venda, subimos nossos volumes. Se eu não estivesse sendo competitivo, eu não estaria conseguindo vender os volumes de gasolina, de diesel, de outros produtos que a gente está vendendo. Mas não dá para ser desconectado do que está acontecendo no mundo, a gente tem uma crise de energia, o risco grande de desabastecimento, se a gente não seguir o resto do mundo.

Uma guerra nesse meio…

Então, é isso. A barbárie que foi feita na Ucrânia. O pessoal fala “ah, a gasolina”. Mas vamos lá. A Ucrânia é um produtor de trigo. Subiu o preço da commodity, dos alimentos. O Brasil é um grande produtor de carne, minério de ferro, não é por isso que o Brasil vai vender carne abaixo do mercado mundial. Não deveria. Porque vai prejudicar a produção, o investimento da cadeia. Então, acho que é isso. Nossa filosofia é: ser bastante ágil nos ajustes e acompanhar o mercado como um todo. O mercado brasileiro, meus concorrentes, não perder venda. Mas não tirar o olho do que está acontecendo lá fora também, porque isso pode custar muito caro para o abastecimento brasileiro.

O senhor tocou em um ponto importante que é a questão do risco de desabastecimento. É uma preocupação que deve existir?

Acho que não. Como eu disse, tudo pode mudar, mas acho que neste momento o Brasil mais as importações têm conseguido achar os volumes que precisa. Os estoques da cadeia estão saudáveis, acho que as refinarias brasileiras estão respondendo bem, aumentaram a produção. Talvez ele tenha existido em algum momento, ou se a gente tivesse alterado ou ficado profundamente descolado do mercado internacional, mas sem grandes rupturas, sem grandes aventuras, eu acho que esse risco não existe a médio prazo.

A empresa está investindo em ações que falam direto com a população da Bahia, por exemplo, o Bahia e Vitória, vocês fizeram alguns apoios a projetos do Unicef, tem alguns projetos. É uma preocupação do grupo manter esse diálogo com a comunidade?

 Se envolver com uma paixão do baiano, que são o Bahia e o Vitória, faz todo o sentido. E a gente não quis se envolver só com o futebol profissional masculino, a gente fez questão de apoiar o futebol feminino, que crescido, caído no gosto do brasileiro.

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