NEGÓCIOS
Marco legal traz novas perspectivas para o mercado baiano de games
PL regula a fabricação, importação, comercialização e o desenvolvimento dos jogos
Por Joana Oliveira
Quando o filho de Edson Piaggio se tornou jogador profissional de e-games e passou a participar de competições internacionais, ele e o sócio, Roberval Araújo, começaram a prestar atenção nos números desse setor, que movimenta R$ 12 bilhões por ano, segundo a Newzoo, plataforma de pesquisa e análise de dados desse mercado. Há três anos, decidiram, então, abrir a Epra Games, com sede em Salvador. “Fizemos muitos jogos de entretenimento e hoje temos um portfólio de 46 games publicados. Nos últimos cinco meses, entramos no negócio de jogos corporativos”, conta Roberval.
O empresário é um dos muitos que comemora uma recente e importante conquista na área: no dia 9 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou o Marco Legal dos Games (PL 2.796/2021), que regula a fabricação, importação, comercialização e o desenvolvimento dos jogos eletrônicos no país. O projeto de lei também permite que empresas captem recursos para o desenvolvimento de jogos por meio da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual.
“O marco legal é um divisor de águas, embora games venham sendo desenvolvidos no Brasil desde os anos 2000 e empresas se profissionalizando, o setor sofre com falta de reconhecimento e fomento. Isso também implica em maior segurança jurídica e os direitos dos trabalhadores da área”, explica Lobba Mattos, desenvolvedora e presidente da Bind ou Bahia Indie Game Developers (Desenvolvedores de Games Independentes da Bahia).
Lobba Mattos lembra que, desde 2012, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) reconhece, por meio de portarias, os jogos eletrônicos como produtos audiovisuais em forma de software. Na Lei Rouanet, no entanto, os projetos do setor ficavam de fora de certas faixas maiores de incentivo “O PL reconhece esse histórico e assegura uma cobertura mais plena desses recursos para a indústria de games. Até porque os editais, hoje, não possuem corpo técnico especializado em jogos, e isso cria um gargalo. Chega a ter um efeito contrário: muitos desenvolvedores evitam se inscrever nos certames porque sabem que terão que fazer muitas adaptações no projeto ou até procurar recursos complementares”, diz a presidente da BIND.
Mattos também acredita que a medida sanará gargalos da regulamentação do ofício, como as taxações indevidas sobre equipamentos, como computadores, que são considerados dispositivos de entretenimento e não ferramentas de trabalho. “Nós sequer temos um Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE) específico”, lamenta ela.
“O marco legal faz com que sejamos vistos, de fato, como uma indústria”, diz, esperançoso, Roberval Araújo. Na Bahia, a BIND estima que essa indústria arrecada R$ 3,5 milhões por ano, um montante pequeno comparado ao cenário nacional. Para o sócio da Epra Games, isso é reflexo da falta de investimento no mercado local. “Faltam recursos para incubação e aceleração de empresas. Faltam estruturas públicas de suporte. A Bahia poderia ter, por exemplo, um laboratório de tech design", lamenta.
Como outros estúdios baianos, eles se associaram à Bind e à Abragames (Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais) para poder crescer e chegar a outros mercados. Foi o que aconteceu com o jogo Bubble Tea, desenvolvido pela Epra, que tem 400 mil downloads em todo o mundo, principalmente na Índia, Paquistão e Oriente Médio.
Políticas públicas
Tauan Reis, gestor do Startup Bahia, do Sebrae, reconhece que o “mercado baiano ainda é incipiente”, mas destaca o grande potencial do setor num estado onde a economia criativa é pujante. “O Brasil está em 20º lugar no ranking mundial de desenvolvimento de jogos, mas é o terceiro maior mercado consumidor, atrás apenas dos Estados Unidos e da China”, ressalta. Para aumentar a profissionalização na área, ele conta que, no segundo semestre, serão criadas jornadas de capacitação, com abertura de 200 vagas para um processo de aceleração de startups. “A meta é que, até o final do ano, tenhamos pelo menos 20 negócios maduros”, diz.
No ano passado, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador lançou, graças à Lei Paulo Gustavo, um edital audiovisual de R$ 19 milhões, dos quais R$ 600 mil foram destinados para seis projetos de desenvolvimento de jogos digitais com temática livre. “A Bahia tem um grande patrimônio histórico e cultural que enseja projetos de roteiro e design muito autênticos nesse mercado”, comenta Vinicius Mariano, diretor da Salvador Tech e Criativa, uma política pública municipal que oferta cursos gratuitos no ecossistema de tecnologia. Em parceria com o Senai Cimatec e o Senac, 1.100 pessoas foram capacitadas em áreas como desenvolvimento e modelagem de games.
Aumentar a densidade profissional é mais um obstáculo a ser superado no setor, uma vez que muitos desenvolvedores migram para o eixo Sul-Sudeste, onde se concentram mais recursos. “A Bahia já tem alguns desenvolvedores e empresas que trabalham com educação, saúde, gamificação para universidades... Mas a criação de jogos autorais ainda é mínima, é um mercado mais competitivo”, explica Lobba Mattos.
Por isso, o programa Bahia + Inovadora, do governo estadual, pretende aumentar o número de cursos em desenvolvimento de jogos eletrônicos. “Estamos trabalhando num centro de capacitação, o Game Camp, um centro vocacional de tecnologia”, conta Sócrates Santana, gestor do Programa Ê da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado. Outros pilares da iniciativa são editais junto à Fapesb para a criação de novos games e atração de incubadoras e aceleradoras para os estúdios. “Uma das prioridades é consolidar os cases empreendedores e fortalecer as empresas que já existem, fazendo com que continuem a existir”, ressalta. A esperança de todos do setor é que o marco legal dos games ajude a tornar realidade esse cenário.
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