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ENTREVISTA – VALTER PIERACCIANI

'Nós, brasileiros, somos muito criativos e pouco inovadores'

Empresário e pesquisador afirma que a cultura da inovação pode ser construída e aprimorada por meio de práticas consistentes

Por Divo Araújo

23/06/2025 - 5:00 h
Valter Pieracciani, empresário, pesquisador e escritor
Valter Pieracciani, empresário, pesquisador e escritor -

No Brasil, criatividade não falta, mas muitas empresas ainda encontram dificuldades para transformar boas ideias em inovações que realmente impactam o mercado. Valter Pieracciani, empresário, escritor e pesquisador com três décadas de experiência na área de inovação, aponta que o diferencial está em combinar estratégia, processos, valorização das pessoas e conexões eficazes. Para ele, a cultura da inovação pode ser construída e aprimorada por meio de práticas consistentes.

Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, Pieracciani conta ainda que a Bahia desponta como um polo inovador surpreendente, quebrando antigos paradigmas sobre desigualdade tecnológica entre as regiões brasileiras. “Hoje, a Bahia é uma das referências nacionais de inovação”, diz. Durante a conversa, ele traz uma visão ampla e prática para transformar o potencial criativo em resultados concretos. Saiba mais a seguir.

Por que tantas empresas falham ao tentar inovar, enquanto outras conseguem incorporar a inovação de forma natural no seu dia a dia? O que elas fazem, essencialmente, de diferente?

A gente vem estudando a diferença entre as empresas inovadoras e as empresas comuns há 30 anos. Inclusive gerou dois livros. Um deles é ‘Usina de Inovações’, um livro que tem mais de 10 anos e foi marcante, porque identificou as diferenças entre a empresa que inova repetidamente e de forma natural. Essas empresas têm quatro coisas diferentes. Primeiro, elas têm uma estratégia de inovação, sabem para onde estão indo e onde querem chegar no campo da inovação. Elas têm uma visão clara e uma estratégia de inovação. O segundo ingrediente é que elas têm práticas e processos que permitem que as ideias se transformem em soluções. Alguém que tem uma ideia sabe o caminho que essa ideia vai seguir. E as melhores ideias viram, de fato, soluções de vendas , de faturamento. O terceiro ingrediente são pessoas inovadoras. Na verdade, todos nós nascemos inovadores, mas com o tempo, a pressão da sociedade, a educação, a gente perde essa capacidade de inovar. As empresas inovadoras exaltam a capacidade que as pessoas têm de inovar. Elas alavancam essa capacidade. Esse é um terceiro ingrediente muito importante. E o quarto e último ingrediente são as conexões. Ninguém inova sozinho. As empresas inovadoras são fortemente conectadas. Conectadas com startups, com institutos de ciência e tecnologia, como o Cimatec, conectadas com universidades, com os incentivos fiscais para a inovação. Elas têm múltiplas conexões. Esses quatro ingredientes, juntos, fazem com que as empresas sejam verdadeiras usinas de inovação. Elas não param de inovar.O tempo todo estão inovando. Existem alguns bons exemplos brasileiros, existem exemplos internacionais, mas basicamente são esses quatro componentes. Alguns autores falam muito de cultura favorável à inovação, mas a cultura é um resultado desses quatro conjuntos.

Como implantar essa cultura, na prática? Tudo isso que você está me dizendo é algo treinável? As organizações podem, de fato, aprender a se tornar inovadoras?

Sim, é possível mudar a cultura, tornando-a mais adaptável e mais favorável à inovação. E o que muda a cultura são as práticas. Porque cultura, no final das contas, é o que pega bem na empresa. O que é cultura? Se pega bem você experimentar, se pega bem você reconhecer as pessoas que trazem ideias, se pega bem você errar e aprender... Dentro desse conjunto desses quatro grandes capítulos e práticas que a gente descreveu, a cultura vai se tornando favorável. As práticas reforçam a cultura e a cultura reforça as práticas, num ciclo virtuoso de transformação e inovação. Portanto, a melhor forma de mudar a cultura é mudar a prática.

E, na sua avaliação, como dar o primeiro passo para estabelecer essas rotinas e práticas?

O primeiro passo é a gente entender o estágio atual que a organização está. Por meio de um diagnóstico, normalmente a gente avalia esses quatro conjuntos. A gente avalia o quanto a empresa tem de maturidade e avanço em cada um desses capítulos e, depois desse diagnóstico, traça-se um plano de ação para maximizar os quatro capítulos. Melhorar a estratégia, liberar o potencial das pessoas para inovar, refinar os processos e estabelecer conexões. As estratégias, como já disse, que são importantes para ter inovações mais rápido. O primeiro passo é saber onde estamos e queremos chegar. E aí, trabalhar em cima desses quatro capítulos.

Você costuma dizer que o conceito de inovação hoje está muito mais ligado à experiência e à emoção do consumidor. O que as empresas precisam fazer, na sua visão, para construir essa conexão de forma consistente?

Antigamente, precisávamos inventar, criar, inovar coisas mais simples. Lâmpada, rádio, comunicação. Hoje a gente precisa inovar coisas mais sofisticadas, que as tribos demandam, que são experiências positivas. Como garantir uma experiência positiva? É colocando estetoscópio no coração e na mente das tribos que compõem o nosso mercado. A gente tem trabalhado muito nesse campo da experiência, de escutar os clientes, de escutar o consumidor, de ver especialmente as mudanças socioculturais. Elas têm trazido espaço para muita inovação. No próprio estilo de vida. Se olhar como a gente vivia 10 anos atrás, hoje é completamente diferente. Nossas vidas estão no telefone. Enfim, os nossos hábitos têm mudado muito e esse é um campo fértil para a inovação, um campo muito importante que deve ser acompanhado. Naquele capítulo ‘conexões’, talvez uma das práticas mais fortes seja estar conectado com as tribos, com os clientes que valorizam a minha marca, o meu produto, o meu serviço, o meu jornal. O que está acontecendo, por exemplo, com a tribo que lê jornal? A gente está vendo uma série de mudanças socioculturais. A gente não precisa mais inventar o carro, não precisa mais inventar o telefone, isso aí já foi tudo inventado. Agora, a gente tem que inventar qualidade de vida para as pessoas.

O Brasil é reconhecido por sua criatividade, especialmente na música e nas artes. Na sua avaliação, esse potencial criativo já se reflete, de forma consistente, no ambiente corporativo?

Eu não sei se você viu, mas o Brasil acabou de ganhar em Cannes como o país mais criativo do mundo na publicidade. Todo mundo morre de inveja. Todos os países, até os Estados Unidos, morrem de inveja da gente porque nós somos muito criativos. Por outro lado, paradoxalmente, o Brasil está no 50ª lugar no ranking dos países mais inovadores do mundo, quando se trata de corporações. É um paradoxo, a gente estar no 50ª no ranking mundial de inovação e primeiro no ranking de criatividade. A diferença essencial é que, se não houver práticas, processos que assegurem que essa criatividade se desenvolva, a gente vai continuar sendo muito pouco inovador. Somos muito criativos e pouco inovadores.

Você está dizendo que inovação precisa de método?

Exatamente. O que é que distingue um projeto inovador, de uma simples boa ideia é a capacidade de realização que a companhia entrega. Vamos supor que você tenha, em uma companhia, muita gente criativa, muita gente capaz de ter ideia. Mas se não tem processo, não sabe para onde está indo, não tem conexão para conseguir os incentivos fiscais, você vai ter um monte de ideias que vão ser roubadas ou levadas pelo concorrente. Ou vão morrer, ou simplesmente servir para desestimular as pessoas, porque não existem processos que façam essa ideia virar solução. Diferentemente da propaganda, onde é suficiente a ideia, uma boa capacidade de desenvolver um comercial. Mas, na inovação, não. Você tem que testar, tem que ir para o laboratório, fazer protótipo, tem que ter apoio dos líderes, tem que ter orçamento. Tem que ter alguma parcela de convivência com o risco, porque não existe inovação sem risco. É tudo isso anda muito em falta nas companhias brasileiras.

Vou voltar aqui há mais de dois mil anos e citar um outro livro seu, ‘O Império da Inovação’, em que você compara a estratégia dos romanos para inovar. O que a Roma Antiga entendeu sobre inovação que ainda pode nos inspirar?

No livro, tem os sete princípios do Império Romano para inovar. Por incrível que pareça, isso foi há dois mil anos e a gente ainda sofre com isso. Tem muita companhia que não tem, por exemplo, o censo de pertencimento. Era um orgulho para os romanos poderem fazer parte do Exército, ser um centurião. Era um sonho das crianças daquela época servir à pátria. E as empresas não têm esse senso de engajamento, esse pertencimento que deveriam ter. Outro foco importante da Roma Antiga era a obsessão pela vitória. Aqui, quando não dá certo no primeiro teste, já manda matar a inovação, cortar a cabeça dela. E dificilmente a inovação dá certo logo de cara, porque é preciso perseverar. É preciso ter confiança que a coisa vai andar. Esses são dois fatores, para citar só eles, que batem na inovação diretamente.

O senhor costuma dizer também que a criatividade está na criança que sobrevive dentro do adulto. Na sua avaliação, o ambiente corporativo acaba matando essa criança? Como podemos mantê-la viva?

No nosso curso de formação de faixas pretas em inovação, a gente tem trabalhado justamente isso. Tentar resgatar quatro características essenciais que as crianças têm e que o adulto perdeu. Que é a capacidade de perceber, de sentir; a capacidade de sonhar, que é uma segunda importante característica da criança; capacidade de arriscar é uma terceira característica muito forte e os inovadores adoram adrenalina, as crianças também; e a quarta é a capacidade de transformar, de transformar a si mesmo e quem está em volta. Se você parar para pensar, essas características - o cara sonhador, que gosta de arriscar, que gosta de transformar as coisas - normalmente são mal vistas. Quando comecei, na década de 1980, qualquer uma dessas quatro características, dava justa causa. E agora nós estamos procurando gente que tenha essas características. O criativo é uma criança que sobreviveu.

Você falou sobre grandes empresas, mas e as micro, pequenas e médias? Como a inovação pode ser um diferencial para elas, e o que elas devem focar para inovar mesmo com recursos limitados?

Eu acabei de voltar da Bahia, fizemos visitas a empresas de médio porte, que são super criativas, super inovadoras. Mas essas companhias não têm usado direito os incentivos fiscais que o governo entrega. Elas desconhecem, não sabem usar. E um dos nossos trabalhos tem sido levar esses incentivos para essas companhias. Tem abertos hoje, e isso é chocante, mas 94 editais com dinheiro a fundo perdido, dinheiro dado pelo governo federal para projetos de inovação. As médias companhias são muito enxutas, o empresário normalmente está à frente dos negócios, não tem tempo para acompanhar isso, para se informar, para ir atrás desses recursos. Isso é uma falha grave. Empresas, que têm inovações muito bacanas, normalmente subestimam as inovações que têm, desqualificam, chamam de gambiarra. Às vezes é um dispositivo maravilhoso, que o cara desenvolveu com criatividade, com baixo custo. Eu vi um painel sobre testes de componentes para motor elétrico, que é a grande onda agora. Uma bancada que o empresário desenvolveu com R$ 58 mil. Essa mesma bancada é vendida, pronta, por R$ 700 mil. Isso é capacidade de inovar. Esse é o espírito inovador brasileiro que a gente tem para dar e vender. E a gente é invejado no mundo todo por isso. Se você pegar um alemão, um japonês, um americano, e mandar desenvolver uma bancada dessa, o cara não consegue, não vai fazer.

Você falou dos incentivos, e a gente sabe que as leis de fomento à inovação no Brasil têm avançado nos últimos anos. Como você vê a relação do poder público com a inovação?

Estou há 40 anos nisso e posso dizer que estamos vivendo um momento de ouro. Eu nunca vi tantos recursos para projetos de inovação como o governo federal tem viabilizado hoje. Como eu disse, é dinheiro às vezes dado, ou emprestado com juros negativos. A principal e mais transversal iniciativa é a ‘Lei do Bem’, que é um incentivo que está ao alcance de qualquer empresa que tenha regime de lucro real. Para ter uma ideia, são 240 mil empresas no Brasil em regime de lucro real. Você sabe quantas usam a ‘Lei do Bem’? 3.800. Você vai dizer, ah não, Walter, mas espera aí, das 240 mil, a metade delas não tem lucro, portanto não paga imposto. Está bom, são 120 mil. Aí, você poderia dizer, metade delas não é inovadora. Mentira, porque se não fosse inovadora, não estaria aberta. Mas, vamos lá, são 60 mil. Já é 20 vezes mais.

E o que falta, na sua visão, para que esses recursos sejam mais acessados?

Existem vários fatores. A gente está fazendo inclusive uma pesquisa em cima desses fatores, mas normalmente é desconhecimento e medo. Medo de fazer, medo de usar uma coisa ganha do governo federal. Ah não, isso aí depois vai me dar problema. São mitos que separam o empresário inovador da inovação propriamente dita e financiada. E quem acaba usando esses recursos é quem não precisa. A Petrobras, a Embraer, a Natura... E o pequeno empresário está desconhecendo, sem saber como usar. É um pecado. Nós temos trabalhado para democratizar isso. Estamos inclusive trabalhando com plataformas para tentar tornar a coisa mais acessível. Mas não é fácil.

Quando a gente olha para o horizonte de inovação no mundo hoje, enxerga, principalmente, a inteligência artificial. Como as empresas podem usar essa tecnologia para acelerar seus processos de inovação?

Eu tenho uma posição otimista em relação a essa questão, ao contrário de muitos colegas meus. Acho que nós deveríamos focar agora, ao máximo, para usar inteligência artificial para fazer coisas repetitivas, fazer coisas que a máquina pode fazer por nós e deixar livres as mentes e os corações para inovar. Enfim, deixar mais tempo para as pessoas pensarem, inovarem, criarem e sentirem as emoções do consumidor. Para poder inovar na direção certa. Isso a máquina não faz.

Você nasceu na Itália e veio para o Brasil há cinco anos. Como essa experiência de vida, tão marcada por mudanças e adaptações desde cedo, influenciou sua visão e sua atuação profissional no campo da inovação?

Eu acho que me ajudou. Desde pequeno, mudando de cidade, mudando de país, isso vai criando uma resiliência, uma capacidade de absorver a mudança melhor. Acho que o fato de termos emigrado, eu imigrei de novo, depois mais tarde, voltei para Itália, depois voltei para o Brasil, tudo isso vai criando uma flexibilidade maior. Mas o brasileiro não precisa disso. Ele tem uma capacidade inata de se adaptar, de criar. Se você pensar, as crises pelas quais a gente passou, a inflação de 80% ao mês, mudança de moeda, de regime político. Tudo isso foi forjando uma legião de inovadores. Se a gente conseguir botar as práticas de pé e pegar os incentivos, o mais difícil nós temos, que é a matéria-prima é humana, as pessoas. Se a gente conseguir pegar o dinheiro que existe à disposição e botar isso dentro das máquinas de inovar, que são as práticas, aí certamente nós vamos sair da 50ª posição para a quinta. Se pular 45 posições já está bom.

Para concluir, você esteve na Bahia agora, e a gente sabe que ainda temos enormes desigualdades regionais no país. No campo da inovação, nós baianos ainda estamos distantes dos estados do Sul e Sudeste?

Se você me perguntasse isso 20 anos atrás, quando nasceu o Cimatec (Campus Integrado de Manufatura e Tecnologia do Senai) - e eu ajudei a desenhar o Cimatec - te diria que sim, que precisaria acelerar a inovação na Bahia. Mas hoje em dia te digo que a Bahia é uma das referências nacionais de inovação. Tem o parque tecnológico e o Instituto de Ciência e Tecnologia mais pujantes do país. O Cimatec não é só referência para o Brasil, é referência para o mundo. Nós estivemos lá com uma delegação de alemães. Tinha cerca de 40 alemães, entre os quais a embaixadora, a secretária de Ciência e Tecnologia alemã. E eles ficaram estarrecidos com o que viram, porque é impressionante a capacidade de inovar e o potencial de inovação da Bahia. Os alemães saíram de lá sabendo mais sobre a inovação na Bahia do que muito paulista, do que muito gaúcho, até do que muito pernambucano que é do lado. Realmente é espetacular. Nós falamos lá sobre terras raras, falamos sobre os recursos minerais da Bahia, falamos sobre o agro da Bahia, sobre hidrogênio verde, sobre potencial de exportações, transição energética justa, e foi espetacular.

Raio-X

Italiano radicado no Brasil, Valter Pieracciani é um dos pioneiros mundiais em gestão de inovação. Em 1992, fundou a Pieracciani Desenvolvimento de Empresas, que se tornou um centro de referência em consultoria e educação para inovação. Dirigiu mais de 800 projetos em companhias como Nestlé, Embraer, Bradesco e Ambev. Por mais de dez anos, atuou em projetos para os governos municipal, estadual e federal. Autor dos livros Usina de Inovações e O Império da Inovação, entre outros, é engenheiro, mestre em Administração de Empresas e possui pós-graduação em Administração Industrial.

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#CulturaDaInovação #TransformaçãoDigital #Valter Pieracciani criatividade inovação

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