ENTREVISTA
‘O Brasil ainda é um país de muitas oportunidades’
Rainha do varejo no Brasil conversou com A TARDE sobre empreendedorismo e o papel da mulher no mercado
Por Divo Araújo
Referência no Brasil quando se fala de empreendedorismo e liderança, a presidente do Conselho do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano chega aos 75 anos com mais um título para comemorar: o de Cidadã Baiana.
A empresária esteve em Salvador no último dia 23 para receber a homenagem na Assembleia Legislativa, quando concedeu esta entrevista exclusiva ao A TARDE, na qual falou sobre empoderamento feminino e a importância da cultura da diversidade nas empresas, dentre outros assuntos.
Para Luiza, considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time, a diversidade é extremamente necessária para qualquer empresa. “Você não consegue inovar na ponta se não tiver diversidade”, ensina.
Ela também defende o empreendedorismo como uma forma de libertar as mulheres vítimas de violência. “Muitas mulheres não saem desse ciclo de violência porque não têm nem como pagar um aluguel. O empreendedorismo pode ser a solução”. Acompanhe essas e outras questões na entrevista que segue.
Quero começar a entrevista perguntando sobre o sentimento de se tornar uma cidadã baiana ao receber este título na Assembleia Legislativa.
Eu tenho uma ligação com a Bahia, porque meu avô era baiano e foi a pé para São Paulo. E tenho uma ligação muito grande também com o Nordeste em geral. Eu digo sempre que é como se eu tivesse nascido no Nordeste. E o carinho que tenho pela Bahia é especial. Bom, todos nós brasileiros temos, porque aqui da Bahia sai tantos artistas, tanta coisa boa.
É uma honra para mim receber esse título. Pode ter certeza que, além de muito agradecida, sou muito comprometida também com cada homenagem que recebo. E me comprometo mais ainda com o Brasil e com o estado. A Magazine Luiza gera mais de 1.500 empregos aqui, temos um centro de distribuição muito grande na Bahia. E, depois da saúde, o emprego é a melhor coisa possível. Junto com essa geração de emprego da Magazine Luiza, tem o grupo Mulheres do Brasil, que faz um trabalho muito grande em várias áreas e tem uma atuação muito forte na Bahia também.
Em Salvador, a senhora também deu uma palestra sobre empreendedorismo feminismo. Com a experiência de quem sempre empreendeu na vida, como enxerga o empreendedorismo como potencial de transformação na vida das mulheres?
Nós temos uma causa muito grande no grupo Mulheres do Brasil que é a violência contra a mulher. Hoje, estamos em 154 países, em vários lugares, e a única causa que tem em todo o país, seja desenvolvido ou não, é a violência contra a mulher. O empreendedorismo é muito importante para combater essa violência.
Estatisticamente, muitas mulheres não saem desse ciclo de violência porque não têm nem como pagar um aluguel. O empreendedorismo gera muito isso. Eu sou muito a favor de um artesanato profissional, por exemplo, que gere renda. O empreendedorismo pode ser a solução paras as mulheres vítimas de violência e para as outras mulheres também.
É interessante que, até numa feira de tecnologia, 49% dos expositores eram mulheres. Você vê esse crescimento da participação das mulheres, mesmo numa área que no passado era muito difícil. Hoje está crescendo muito o empreendedorismo feminino. Empreender nessa nova era pós-Covid exige muito solução com rapidez, fazer mil coisas ao mesmo tempo, e a mulher foi treinada para isso.
Ainda é muito difícil empreender no Brasil?
Muita gente acredita nisso. Empreender aqui é difícil porque tem burocracia, além dos impostos e juros altos. Por outro lado, o povo brasileiro tem um espírito de gostar de coisa boa, de comer bem, de comprar. E nós temos ainda uns 30 anos aí de consumo muito grande, porque o Brasil precisa construir 20 milhões de casas, por exemplo.
Se existe um lado negativo, existe outro positivo. Cabe à sociedade civil lutar contra a burocracia, contra o juro alto. O juro alto que não for certo, porque se for para conter a inflação eu concordo. Mas sinto que as pequenas e médias empresas hoje são muito menos burocráticas do que as grandes, com o Simples colocado. O Brasil ainda é um país de muitas oportunidades.
As mulheres vêm ocupando cada vez mais espaços de poder nas empresas e nas indústrias. Quais são os principais desafios que elas ainda enfrentam no mundo corporativo?
A gente já teve várias vitórias. Hoje, não estou lutando mais para inserir mulheres no contexto do trabalho. A luta do grupo Mulheres do Brasil não é mais só pela presença da mulher no mercado, mas para dar altos cargos para as mulheres e os negros. Agora a meta é pular para 50% de participação de mulheres na política, nos Conselhos de Administração, no Poder Judiciário. Hoje nós temos 18% na política. Nada contra os homens, mas quando você põe a presença feminina, dá um equilíbrio muito grande no mundo corporativo e político.
Nos espaços políticos a impressão é que esse caminho a percorrer ainda é mais longo. Para a senhora, que tem uma forte atuação política apartidária, o que precisa ser feito para acelerar este processo?
Eu acho que já tivemos mais distantes. Hoje eu sou do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo) e vejo o tanto que os meus colegas pagam o preço de se posicionar, de ajudar. Por isso que acredito na união entre o público e o privado. E é por isso que o grupo Mulheres do Brasil existe. Quando você consegue fazer isso, vai muito longe.
O Grupo Mulheres do Brasil completou dez anos em 2023, e está presente em todos os continentes. De que forma a senhora vem atuando à frente do grupo?
Eu pago o preço de me posicionar. Quando me posiciono a favor da Bolsa Família, eu sou de esquerda. Quando eu sou a favor de alguma privatização, sou de direita. Mas nunca me filiei a partido político, apesar que hoje eu reconheço o trabalho de políticos comprometidos e convivo com muitos deles. Mas optei por ser uma política através de um grupo forte da sociedade civil.
E aí nasceu o grupo Mulheres do Brasil. Nós temos 130 mil mulheres em todo mundo, em todas as capitais e várias cidades do Brasil. E a nossa meta, apesar que a gente trabalha com 20 causas, é realmente atuar nas políticas públicas. O que muda um país é política pública.
A senhora sempre defende a necessidade de focar em diversidade nas contratações. Porque é tão importante manter esse olhar?
Hoje, até o mercado financeiro já questiona o que há dez anos não era questionado. Se eu tenho um país onde 52% são negros, outros cinquenta e tantos por cento são mulheres, 15 milhões têm alguma deficiência e outras diferenças, como é que eu não vou levar em conta a diversidade quando precisar decidir o que fazer. A diversidade é uma obrigação nossa, porque todos têm o direito de ser tratados de forma igual. Mas, além de tudo, você não consegue inovar na ponta se não tiver diversidade. Isso já está provado. A diversidade é extremamente necessária para qualquer empresa. Quanto mais diversa, melhor a criatividade e a lucratividade.
O Magazine Luiza mantém um programa de trainee exclusivo para pessoas negras, desde 2020, que hoje é referência mundial. Quais são os resultados práticos de políticas afirmativas como essa nos negócios?
A gente sempre quis ter negros trainees e não conseguia. Aí resolvemos fazer um programa só para trainees negros. Você sabe que esse programa foi super criticado, de uma forma ofensiva mesmo, mas nós ficamos firmes. Hoje, recebo do mundo inteiro prêmios por causa desse programa e pelo Movimento Unidos pela Vacina. Enfim, ele foi muito criticado, mas deu certo. Não esperávamos isso, mas, depois, tivemos muita gente e entidades que nos apoiaram.
Hoje, somos constantemente procurados por empresas que querem implantar políticas como essa. Nossa luta sempre foi para ter mais negros em altos cargos. E o programa de trainne é o que leva ao cargo de diretor mais rápido. Além disso, eu sempre fui a favor de cota. Porque cota é um processo transitório para reduzir a desigualdade. Nós tivemos quase 400 anos de escravidão, que deixou marcas terríveis na nossa sociedade.
Mudando de assunto, a senhora participou recentemente de um encontro promovido pelo Pacto Global da ONU, no qual defendeu que é preciso partir com urgência para prática no combate ao aquecimento global. Hoje, estamos vendo o que ocorreu no Rio Grande do Sul. É um assunto que preocupa muito?
É um assunto tem que preocupar todos os brasileiros e todas as pessoas do planeta. A gente está vendo o que aconteceu no Rio Grande do Sul e pode acontecer conosco. É uma ameaça constante. Se não tiver um processo já de educação da população, de entender que isso volta para si mesmo, vai ser uma catástrofe para os nossos netos e bisnetos.
O que eu tenho falado, não só na ONU mas em todo lugar que posso, é para a gente sair do diagnóstico. Todo mundo sabe que a educação é a base de tudo há 30 anos. Todo mundo sabe que a diversidade é importante. E todo mundo sabe que o clima e a sustentabilidade ambiental são importantes. Então, vamos traçar metas quantitativas e todo mundo alinhado para agir, e não fazer mais uma reunião para falar disso. Onde estou, eu tenho cobrado para sair do diagnóstico e ir para ação.
A senhora fez uma série de cobranças ao comando do Banco Central para que reduzisse a taxa de juros no País. Está satisfeita com o ritmo que isso está ocorrendo?
Na verdade, eu comecei a cobrar a queda dos juros a partir de março. Até março, acho que teve o pós-Covid, faltou produtos, as indústrias não trabalharam, achava válido. A partir de março eu já achei que tinha que dar sinal. E ainda acho que a queda pode ser um pouco mais rápida. Respeito os economistas que não acham, mas o país não vai crescer sem renda e crédito. A renda de um país pobre só vem através do emprego. Quando você tem juros altos, você prejudica principalmente o micro e pequeno empresário, que são os que mais geram empregos. O banco não empresta, não tem capital de giro, o pessoal não compra porque os juros estão altos. Agradeço por ter mudado, mas acho que poderia ir no ritmo um pouco mais rápido.
A senhora sempre afirmou que os seus negócios crescem com as crises. Qual é a receita para encarar desafios e superá-los?
Em primeiro lugar, quando vem a crise você tem que colocar sua casa em dia e ver o que poderia ter feito diferente e não fez. Aprender com seus próprios erros, o que é natural. E, depois, se tem uma fatia do mercado que diminuiu, você tem que ter criatividade, inovação, um relacionamento na ponta para que essa fatia menor do mercado fique com você.
O que senhora espera do futuro do País?
Eu ainda estou ligada aos negócios, mas sempre me preocupei com o Brasil, desde de menina em Franca (interior de São Paulo). O que eu penso é que a gente tem que traçar um plano estratégico para o país para os próximos 15, 20 anos e levar ele para população. Como o Japão fez com uma meta energética até 2020, uma meta para que a população possa contribuir.
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