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ENTREVISTA – LUIZ GAVAZZA

‘O gás natural é a melhor transição para as energias renováveis’

Diretor-presidente da Bahiagás fala sobre o mercado de gás natural e sua importância para o meio ambiente

Por Divo Araújo

02/07/2023 - 16:19 h | Atualizada em 03/07/2023 - 8:39
Luiz Gavazza, presidente da Bahiagas
Luiz Gavazza, presidente da Bahiagas -

Diretor-presidente da Companhia de Gás da Bahia (Bahiagás) há mais de nove anos, Luiz Gavazza pode não saber tudo, mas sabe muito do mercado deste combustível fóssil que, explica ele, é o menos poluente e mais adequado para liderar a transição rumo às energias renováveis.

Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, Gavazza explica como a Constituição de 1988 abriu espaço para os estados assumirem a produção e distribuição do gás natural, destaca a importância dessa matriz energética para setores diversos como o petroquímico, papel e celulose e mineração e anuncia a produção de biometano na Bahia a partir do lixo urbano.

“Nós somos um combustível fóssil, é verdade, mas temos atributos diferentes dos combustíveis fósseis mais poluentes”, diz ele, que assumiu recentemente o comando da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). Saiba mais sobre essa importante matriz energética na entrevista que segue.

A indústria do petróleo e gás natural começou na Bahia e hoje o estado ainda é um polo de produção e movimentação importante sobretudo do gás natural. Porque essa matriz energética é tão importante como indutor de desenvolvimento do estado?

De fato foi aqui em Salvador, no bairro de Lobato, que a gente teve as primeiras descobertas do petróleo e gás. E, em 1988, a Constituição Cidadã foi a fundo em uma série de aspectos da vida nacional e separou o negócio do petróleo do gás. O parágrafo segundo do artigo 25º, das disposições transitórias, passou a distinguir como prerrogativa dos estados a distribuição do gás natural canalizado. A partir desse momento, a gente começa a ter uma estruturação do mercado para além do eixo Rio-São Paulo, onde a tradição do uso do gás natural é secular. Não só do gás natural canalizado, mas desde o século 18, com o gás de xisto. Portanto, a Bahia, como o restante do Brasil, teve o seu mercado desenvolvido a partir dos anos 1990. E é por causa disso que o governo da Bahia cria, em 1991, a Bahiagás, que entra em operação em 1994. Além disso, o nosso estado tem a característica de ser uma fonte importante de produção do gás onshore, o gás produzido em terra. A certa altura, especialmente com a descoberta do pré-sal, o volume de gás e petróleo já era muito alto nas bacias de Santos e de Campos. No pós-sal já era alto, e com a descoberta do pré-sal nesses campos, essa atenção da Petrobras volta-se ainda mais para aquele que é o seu principal produto e riqueza, o petróleo. Com os custos de exploração, torna-se pouco econômico para Petrobras explorar poços e campos com quantidade restrita de gás. Aqueles que a Agência Nacional do Petróleo (ANP), nos seus leilões, designa como poços de campos maduros ou marginais. Produção marginal porque a produção principal já tinha sido efetivada ou porque é muito pequena em relação ao volume produzido no restante do país. Essa produção em terra ganha fôlego e, a partir de 2007 nós tivemos a entrada em operação do campo e poço de Manati, na Baía de Camamu, e passamos a ter também o gás offshore, produzido no mar. A partir daquele momento, a Bahia passa a ter a possibilidade de movimentar o gás necessário para os consumidores que já existiam no nosso mercado. Em seguida, nós tivemos a conclusão pela Petrobras do último grande gasoduto de transporte, o Gasene (Gasoduto da Integração Sudeste-Nordeste), cuja maior parte fica dentro do território baiano. O Gasene permite o escoamento do gás do pré-sal e do pós-sal da Bacia de Campos fundamentalmente, mas também da bacia de Santos. E nós passamos a ter a possibilidade de exportar em grande volume o gás da produção nacional. Por volta de 2012, o governo da Bahia convencido da justeza do que defendíamos como Bahiagás, criou a possibilidade de ser rentável para Petrobras trazer para o estado um terminal de regasificação. Isso foi possível porque o governo compreendeu a importância desse gesto e retirou o percentual de ICMS cobrado sobre o gás importado, desde que fosse consumido na Bahia. Então, a riqueza com a qual nascemos e os movimentos que foram empreendidos, em sequência, pela Petrobras e pelo governo estadual propiciaram a Bahia se tornar isso que você chamou de polo de produção e movimentação de gás natural, que vem contribuindo para o nosso desenvolvimento econômico.

A Bahia tem o maior parque industrial no segmento petroquímico do Brasil. Mas apesar disso, parte de sua planta industrial não vem sendo utilizada. Qual a importância do gás natural para o setor petroquímico e qual é a influência do preço da molécula do gás para a competitividade desse segmento?

A indústria petroquímica da Bahia é a maior de todas as plantas instaladas no Brasil. A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) nos diz que 50% de todos os investimentos em indústria química e petroquímica do país estão instalados no estado. O gás natural tem uma importância imensa dentro indústria química. Porque nela o gás se transforma, ele próprio, num novo produto, além de ser usado como matéria-prima. E você pontuou muito bem: hoje esses investimentos instalados no Parque de Camaçari funcionam bem abaixo da sua capacidade produtiva. Isso essencialmente acontece por conta da sensibilidade que esse mercado tem com a competição internacional. O preço da molécula influi decisivamente e tem reflexos no preço das commodities. Para você ter uma ideia, o gás natural na indústria baiana ocupa um espaço de 32% da matriz energética. Se nós pegarmos a matriz industrial brasileira como um todo ele vai alcançar a faixa dos 14%. Então, nota-se que a Bahia tem um potencial de utilização muito maior do gás natural. E a razão disso está diretamente vinculada a existência dessa indústria petroquímica muito forte aqui. Além disso, a Bahia tem uma economia hoje muito diversificada. Eu diria que, fora do eixo Sul- Sudeste, é a economia mais diversificada do Brasil. A gente tem a Petroquímica, mas tem também a celulose. A produção de papel celulose é muito forte na Bahia. No extremo-sul temos os maiores produtores brasileiros - a Suzano, em Mucuri, e a Veracel, em Eunápolis. Elas correspondem hoje a 10% do nosso mercado cativo. E aí que eu faço um parêntese para destacar a importância disso. Os tempos de pandemia nos fizeram refletir muito sobre a importância de toda a estruturação econômica. O que não deixamos de fazer nos picos da pandemia, no momento em que tivemos de praticar como forma de proteção social o isolamento? Não deixamos de nos alimentar e de cuidar da saúde. E nessas duas ações humanas, os plásticos da indústria petroquímica e o papel da indústria de celulose são decisivos. Eles existem como elemento fundamental nessas duas cadeias produtivas. Isso fez com que os reflexos da pandemia na nossa economia fossem menores do que a média das outras distribuidoras do mercado de gás no país. Muito bem, então já resgatei a origem do mercado de gás natural e a forte presença dele e já resgatamos aqui a diversificação da indústria, que é a principal consumidora do gás natural.

Voltando à questão dos custos... O valor do transporte da molécula de gás natural no Brasil e muito maior do que o praticado em outros países. Como isso afeta a nossa indústria?

A infraestrutura para que o gás natural atinja todos os nichos de economia baiana é uma preocupação central nossa. A composição de preço do gás natural é um aspecto importante aqui da vitalidade do nosso negócio. E o preço da molécula é uma referência decisiva. Nós sempre apostamos no onshore baiano, na produção própria do estado e na revitalização dessa produção. Recebemos essa encomenda do estado e raciocinamos como sendo uma medida importante da Bahiagás buscar o gás natural dos produtores independentes, daqueles que adquiriram os campos e poços maduros e marginais através dos leilões da ANP. É muito importante porque sabemos que o gás natural existe em poços em que está associado ao petróleo. Há poços onde há o gás natural sozinho. Assim, como há também os poços só de petróleo. Nos poços e campos onde está associado, ele precisa ser monetizado, vendido, e precisa ter saída para que a produção de petróleo se amplie. Então isso tem a ver com a ampliação do negócio, o desenvolvimento do negócio para o Estado. De modo que é importante que observemos que uma indústria com as características da baiana, especialmente no caso da indústria petroquímica e da de papel e celulose, é muito sensível as disputas no mercado internacional. E o preço da molécula é uma referência decisiva. Nós fizemos um estudo em maio que mostra o seguinte: a nossa tarifa hoje está em R$ 2,2964 por metro cúbico e transporte é R$ 0,4289. Ou seja, de toda a composição da tarifa, a molécula representa 73%. Ela é a maior parte da tarifa, mas o transporte representa 18,7%. O custo do transporte da molécula aqui está muito alto e foi fortemente determinado pela prática que a Petrobras desenvolvia antes de vender os ativos de transporte e a ANP passar a administrar melhor isso. Nós temos a participação também dos tributos. Mas o fato de termos quase 20% do valor da tarifa atrelada ao custo do transporte afeta muito a competitividade do Estado.

O vice-presidente Geraldo Alckmin vem falando muito inclusive no processo de reindustrialização do país. Qual a importância dos investimentos no setor de produção e escoamento do gás natural para esse processo?

O custo da produção influencia de forma decisiva. Para que a gente atraia investimentos e garanta também a utilização plena dos empreendimentos e investimentos já instalados na indústria, nós precisamos de água, infraestrutura logística local e de energia. Só com esses elementos combinados nós teremos condição de atrair mais investimentos. E, de fato, vivemos um processo de desindustrialização nos últimos anos. Nós tínhamos as montadoras como foi o caso da Ford na Bahia, por exemplo. Ela estava instalada aqui, montando os equipamentos e raras peças eram trazidas da matriz no exterior. Além da Ford, diversas outras sistemistas do processo automotivo estavam produzindo na Bahia. E com a saída da Ford elas foram minguando ou desaparecendo. Elas estavam instaladas em Pernambuco e até na Paraíba para confecção dos pára-brisas dos veículos, das borrachas. Nós tínhamos indústrias sistemistas desse setor espalhadas por outros estados do Nordeste. De modo que, ao não garantir as condições ideais para que esses empreendimentos continuassem atuando e produzindo no país, você vai desmontando toda uma cadeia produtiva. Além disso, passamos a fazer certa exaltação, que está correta por um lado, do agronegócio, que é muito importante pra economia nacional. Com todo esse processo, a gente diminuiu a presença da indústria na economia nacional e ressaltamos a importância do agronegócio. Mas esse agronegócio , do qual os governos anteriores se gabam de ter ancorado o PIB brasileiro, também é maltratado. Porque as commodities brasileiras no mercado exterior sofrem a forte influência do preço da energia com a qual são produzidas. As commodities agrícolas brasileiras têm um diferencial que é exatamente o uso racional de produtos defensivos agrícolas, os chamados agrotóxicos. E o diferencial maior são os fertilizantes nitrogenados.

Como você se referiu agora, outro setor que depende muito do gás natural é o da produção de fertilizantes, fundamental para o Brasil por causa do agronegócio. No entanto, em torno de 80% dos fertilizantes são importados. Como esta questão deve ser tratada estrategicamente?

A produção de fertilizante nitrogenado faz parte daquilo que chamo do uso mais nobre do gás natural. A amônia e a ureia são os principais insumos dos fertilizantes e produzidas a partir do gás natural. Até por conta da pecuária extensiva e de regiões ainda não utilizadas na fronteira agrícola e da necessidade de proteger o meio ambiente, tudo isso leva a termos um quantitativo de terras agricultáveis limitado. O que faz com que a produção possa ser elevada é exatamente o fertilizante nitrogenado. Ele garante a revitalização do solo para que novos processos produtivos sejam feitos de forma mais rápida. Pois bem, esse país que tem o PIB fortemente ancorado no agronegócio, produz apenas 19% dos fertilizantes nitrogenados. E onde produz esses 19%? Na antiga Fafen Bahia, hoje a Unigel Agro Bahia, e Fafen Sergipe, hoje Unigel Agro Sergipe. É um movimento muito importante de um grupo empresarial que merece todo o destaque nosso, que é o grupo Unigel. Ele arrendou as Fafens, quando os governos da Bahia e de Sergipe fizeram uma forte movimentação para impedir que a Petrobras fechasse essas fábricas. E nós passamos a ter 19% do consumo nacional de fertilizantes nitrogenados produzidos no Brasil e 81% importado. Quando você importa, a conta é simples. O dólar está mais valorizado do que o real. Envocê importa em dólar e vende a commodity em real para o mercado exterior. Nós temos, portanto, uma defasagem enorme na balança comercial. Ficamos dependentes do produto importado e desequilibramos a balança comercial. E hoje, para piorar, nós temos as fábricas da Uniggel Agro Sergipe e a Uniggel Agro Bahia parando de produzir exatamente por causa do preço da molécula do gás. Isso porquê as commodities dos fertilizantes nitrogenados voltaram a ser produzidas em larga escala no mercado internacional. O Oriente e a Rússia estão com mais gás natural e, portanto, com condições de produzir com um valor mais barato. E aí você tem a amônia e a ureia com preços bem mais baixos. Não que estejam preços anteriores a guerra da Ucrânia. Por tudo isso, hoje se impõe ao governo federal liderar a montagem de políticas públicas, como os governos da Bahia e de Sergipe, para incentivar a produção de fertilizantes nitrogenados.

Mudando um pouco o foco para meio ambiente, como o senhor vê essa transição dos combustíveis fósseis para os renováveis no próximos anos?

A gente entende o gás natural como o energético da transição dos combustíveis fósseis mais poluentes para as energias renováveis. Nós somos um combustível fóssil, é verdade, mas temos atributos diferentes dos combustíveis fósseis mais poluentes. O mais significativo é que ele polui muito menos. Se formos comparar o gás natural com o diesel nós poluímos 36 vezes menos. Então, quando falamos do gás natural, estamos falando da redução da emissão de carbono e da proteção de nossa combalida camada de ozônio. A gente tem vastos exemplos disso na Bahia, no desenvolvimento do mercado pela Bahiagás. A gente tem o Instituto Couto Maia, em Cajazeiras, que foi o mais hospital do Brasil no período da pandemia porque ele é específico para o tratamento de endemias. Ele foi ampliado daquele prédio acanhado e pequeno, embora um prédio histórico lá no Monte Serrat, para esse prédio de Cajazeiras. E lá toda a solução energética adotada foi baseada no gás natural. O gás natural com um pouco de participação da energia solar. Todo resíduo de energia produzido numa etapa, por exemplo o calor gerado para refrigerar, é utilizado em outra etapa. E assim há uma solução de eficiência energética que torna o consumo de energia muito mais eficiente, sustentável e muito mais barato. Temos também o exemplo do Shopping da Bahia, o mais antigo grande shopping de Salvador, que tem uma mini termoelétrica. No caso do Couto Maia a gente tem a refrigeração completa a gás e toda a solução de eficiência energética e no Shopping da Bahia você tem a produção de energia partir de uma termoelétrica a gás natural. Tudo que utiliza energia no shopping é fornecido a partir desse abastecimento com o gás natural. São exemplos da diversificação do uso do gás natural, da sustentabilidade e da atuação dele em associação com as energias renováveis.

Falando de outro setor específico, e que está na área de atuação da Bahiagás, que é a produção de energia a partir do biometano. Qual é o estágio atual dessa energia e porque é tão importante o investimento nela?

Com o biometano estamos buscando resolver um problema social grave. O lixo urbano, especialmente nos grandes centros, é um grave problema social. A gente tem eliminado, ao longo do tempo, aqueles lixões sem tratamento, sem cuidado e transformado nos aterros sanitários com todos os critérios de separação dos resíduos. O acúmulo desses resíduos leva a produção de gás natural e renovável, que vai sendo produzido a partir do tratamento desse lixo. Temos já no Brasil um grande exemplo da produção sustentável do biometano, que é no aterro sanitário de Caucaia, na grande Fortaleza. Esse projeto lá hoje já produz mais de cem mil metros cúbicos de biometano por dia. Hoje já existe uma regulamentação da ANP para o tratamento desse gás, para a retirada dos contaminantes, porque nós estamos tratando de aterro sanitário, de resíduos. A Bahia tem passivos em relação aos aterros sanitários ao longo do tempo. O que nós mais fizemos, enquanto sociedade brasileira, foi adiar os prazos finais para a estruturação dos aterros sanitários. Porque as cidades médias não tiveram condição de resolver, sozinhas, o problema. Mas a Bahia conseguiu disseminar a ideia dos consórcios regionais para tratar esses resíduos. Esse gás é um pouco mais caro do que gás encontrado nas reservas naturais subterrâneas. Mas é importante porque você está resolvendo um problema social. E porque é renovável. Nesse sentido, concluímos no final do ano passado uma chamada pública para a aquisição de biometano. É um processo no qual nós somos exemplo. A Bahiagás foi quem teve as primeiras iniciativas nesse sentido das chamadas públicas para aquisição de gás que é hoje um instrumento usado por todas as distribuidoras e disseminado pela Associação Brasileira, a Abgás. A chamada para o biometano visou exatamente auscultar o mercado. Quem tem possibilidade de produção, quem se dispõe a apresentar ofertas ao mercado. A gente teve um resultado positivo. Dessa chamada pública emergiram três propostas que devem ser afuniladas para duas. Uma deve atender a região de Juazeiro e Petrolina. Não esqueçamos que ali nós estamos tratando de uma conurbação urbana bi estadual - Juazeiro do nosso lado e Petrolina, do lado pernambucano. O volume de gás a ser produzido lá deverá atender as duas cidades e entrar em operação dentro de dois anos. Com isso, você tem a possibilidade de ter um polo sendo atendido com gás renovável. E a outra proposta foi oriunda daqui da Região Metropolitana de Salvador. Ao lado dessa produção a gente pode repercutir uma coisa que existe hoje no mundo inteiro que é um selo de energia renovável, de energia verde. O consumidor que quiser consumir esse gás terá esse selo de consumo de uma energia verde que no processo de discussão da renovação e do caminho para redução de carbono na matriz energética mundial passa a ser um elemento muito importante. Todos os países estão discutindo isso. Alguns em estágios mais avançado.

Outra matriz muito citada hoje é o hidrogênio verde. Existe até uma parceria da Bahia com a Alemanha nesse sentido. Falta muito para que essa matriz se torne uma realidade?

O grupo Unigel novamente foi pioneiro e fez uma associação com a Thyssenkrupp, que é uma empresa alemã que tem expertise e é mais conhecida no Brasil pelo segmento de elevadores. Ela é uma da empresas que na Europa tem desenvolvido a tecnologia para a produção do hidrogênio verde. A ideia é produzir o hidrogênio verde e transportá-lo pelos dutos do gás natural canalizado que fazem parte da concessão. É a Bahiagás que os tem construído, mas eles são uma concessão do Estado. É um ativo que o estado detém, só que é uma produção ainda a ser desenvolvida. O resultado do produto ainda sai muito caro. Provavelmente uma parte grande das primeiras cargas será destinada a exportação. Mas, novamente, é usar ciência e a tecnologia para desenvolver um produto sustentável. E com o desenvolvimento desse produto sustentável se estabelecer metas e prazos para que essa transição para o hidrogênio verde seja trabalhada no sentido da transição acontecer com os energéticos que temos à disposição. É importante a gente chamar a atenção para o aspecto da transição do gás natural. Quando ele vai substituir o diesel dos veículos de frota, dos veículos pesados e dos veículos que transportam passageiros, nós estamos falando de veículos com um grande consumo de energia. E, quando utilizam o diesel, eles poluem enormemente. Sem falar no fato de que uma parte boa do diesel consumido no Brasil é importada. É o mesmo o exemplo que eu dei dos fertilizantes. Você vai ter o diesel importado em dólar, afetando negativamente a balança comercial brasileira. Se for o gás nacional, com preço mais competitivo, vai gerar mais movimentação econômica e poluir menos. Por isso que a gente desenvolveu um projeto chamado Corredores Azuis, que o Ministério das Minas e Energia rebatizou de corredores sustentáveis.

Como vão funcionar esses corredores?

O primeiro corredor sustentável brasileiro fica entre o Rio e São Paulo, a Via Dutra. A Via Dutra, que é um corredor rodoviário que liga dois dos mais importantes estados do Brasil, Rio e São Paulo. Esse mesmo conceito a gente está desenvolvendo aqui no Nordeste. No caso da Bahia temos estudos de corredores azuis que peguem a rota litorânea. A BR-101 vem lá do extremo sul do país, do norte do Rio Grande do Sul, subindo o Brasil inteiro e vai até a fronteira com o Ceará. A BR-101, portanto, é uma via de integração nacional pelo litoral. A gente tem esse mapeamento e apresentamos as distribuidoras do Nordeste e ao consórcio dos governadores do Nordeste. A ideia é que os governos estaduais incentivem a formação desses corredores azuis. A gente sabe que é possível hoje transitar todo o Nordeste, de Mucuri no extremo sul da Bahia, fronteira com Espírito Santo, até São Luís, no Maranhão. Porque a gente tem essa possibilidade da BR-101 e de suas conexões. As distribuidoras participam ativamente desse processo. O mercado de distribuição sabe onde ele precisa ter postos distribuindo GNV. Ai é um grande exemplo da pacto nacional que é preciso ter para desenvolver o mercado de energia. Para sermos indutores do desenvolvimento e garantirmos a interiorização do gás natural com uma eficiência econômica, porque a distribuidora sabe onde precisa e estão os postos. E ela cuida da infraestrutura para atender aquele posto com gás natural canalizado. Ou em parceria com o movimentadores do gás comprimido, que é aquele gás que você aquece a altas temperaturas, comprime e transporta maior volume quando você não tem o duto, interligando os pontos de consumo. Outra alternativa é como o gás se movimenta de um país para o outro no mundo, que é liquefazendo. Aí se aplica o gás baixíssimas temperaturas para ele ir ao seu estado líquido. Dessa forma você armazena um volume muito grande de gás, justamente por ele estar em volume líquido, que é transportado pelos navios metaneiros . Então, a gente conta com parceiros para chegar em regiões onde a gente ainda não está com o duto. Além desse corredor azul do litoral, a gente está trabalhando também o corredor azul do transporte pesado, pegando a BR-116, que interliga no nosso caso o noroeste de Minas com o Sudeste da Bahia. Outro projeto muito importante é a chamada Rota dos Grãos. É você trazer o a produção de grãos do oeste da Bahia para ser embarcado, quando exportado, aqui pelo Porto de Aratu. Estamos falando de transitar pela BR-242 e suas diversas conexões até chegar aqui ao porto de Aratu. A gente já identificou que precisamos de posto aqui, de posto acolá. A gente tem a condição de construir a infraestrutura e de, em parceria, antecipar a chegada do gás onde a infraestrutura não existe. Isso é a participação da distribuidora. Então se você tem o estado local participando disso e se você tem um estímulo do governo federal e tem a participação da Petrobras, você está juntando vários entes da federação para produzir.

O senhor recentemente foi eleito presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). Qual é o papel desse conselho no auxílio de criação de políticas públicas para o segmento?

A associação, como o próprio nome diz, é a associação das distribuidoras, mas também dos investidores que atuam nesse mercado de distribuição. Hoje, o conselho de administração da Begás conta com a presença das representações regionais. Nós temos três conselheiros do Nordeste, inclusive eu na condição de presidente do conselho de administração. A gente tem três conselheiros do Sudeste, inclusive o colega Antônio Simões, presidente da Congás, como vice-presidente do conselho de administração. A gente tem representantes das regiões Sul, Centro-Oeste, Norte. E a gente tem a representação de dois conselheiros que representam os investidores privados. Isso porque a gente tem esse movimento para desenvolver o mercado de gás com os governos estaduais, que são os detentores do monopólio de distribuir o gás nacional canalizado. São portanto os poderes concedentes nos âmbitos regionais, nos âmbitos da sua jurisdição do gás natural. Têm as companhias distribuidoras que por esses governos foram criadas, embora algumas tenham sido privatizadas, como é o caso das do Rio e São Paulo. E tem a participação do governo federal, detentor da concessão para atuação das grandes empresas de energia de produção de gás e de petróleo, da própria Petrobras. Tem o papel das empresas de caráter nacional e destacadamente aí a Petrobras. Não há nenhum movimento de desenvolvimento brasileiro pós-Estado novo que não tenha a presença, a fortea digital da Petrobras. A Petrobras é um patrimônio do povo brasileiro. Além de ser a maior produtora e importadora de petróleo e gás, ela é também uma empresa que serve de referência no mercado. Então, o fato da Petrobras ter saído do transporte de gás, de ter saído da distribuição de gás, não a retira de um papel significativo de importância para o mercado. Ela continua sendo a maior produtora e a maior importadora. E como maior produtora ela é responsável pela produção, tratamento e escoamento do gás. Faço até um parêntese para dizer que nós vimos ventos novos e positivos no mercado da distribuição no mercado do gás natural. Três coisas que o presidente Jean-Paul Prates afirmou são significativas da gente destacar aqui. Que a Petrobras vai voltar a trabalhar na infraestrutura. Tirar do papel o Rota três, que é fundamental para o escoamento do gás da bacia de Santos, do pré-sal e do pós-sal, e da bacia de Campos. Fala-se também já em deslanchar a Rota 4. Isso significa colocar uma maior quantidade de gás à disposição do mercado. E aí o papel que a Petrobras joga é relevante e evidentemente os investimentos que ela fizer serão remunerados pela tarifa. Então nós achamos isso uma coisa fundamental. O outro gesto significativo do presidente Jean Paul foi exatamente fazer pela primeira vez a alusão a construção de um gasoduto que estou popularizando e chamando de Rota Seal, Sergipe-Alagoas, que é para o escoamento do gás das reservas de águas profundas de Sergipe e Alagoas. Isso é fundamental. Se os dados da ANP apontam para a qualidade do petróleo, a qualidade do gás vai também no mesmo nível, portanto nós precisamos dessa infraestrutura. Entendemos que esse gás das águas profundas de Sergipe e Alagoas precisa ser consumido principalmente no Nordeste. É autossuficiência do Nordeste em termos de volume de gás a ser consumido. E a terceira coisa que eu acho significativa que o presidente da Petrobras adotou foi o rompimento da Petrobras com aquele alinhamento automático ao PPI, a política de paridade com os preços internacionais. Isso não tem sentido. Quando o gás ou o petróleo é produzido no país, ele tem que ser alinhado com os custos da produção nacional. Esse movimento levou a uma redução do preço da gasolina e do preço do diesel, que são nossos concorrentes.

A gente sabe que a produção e o escoamento de gás no Brasil são muito concentrados nas regiões litorâneas do país. O que o estado vem fazendo para interiorizar essa produção e escoamento?

A Bahia hoje tem o portfólio de distribuição mais diversificada do país. Esse portfólio diversificado tem nos levado a ter hoje 54% do gás com o qual abastecemos o mercado cativo da Bahiagás, os clientes que estão vinculados diretamente a empresa, do onshore. Principalmente do onshore baiano, mas também do alagoano. Nós temos também o gás oriundo do pré-sal e do pós-sal. Nós temos produtores que são associados à Petrobras nesses campos que também têm contratos conosco. E temos a própria Petrobras no nosso portfólio. Isso nos leva a ter um preço médio ponderado abaixo do preço da Petrobras, que é hoje o maior preço do nosso portfólio. Esse é o movimento que a gente faz e que torna permanente. Porque a gente está sempre auscultando as novas propostas que venham do mercado e fazendo pontualmente chamadas públicas. E para linkar com a interiorização, a gente também concluiu no ano passado e estamos avançando nas tratativas comerciais, uma chamada pública para o atendimento a redes locais. O que nós identificamos como rede de locais? Aqueles polos regionais que estão distantes da nossa rede física de gás natural, que ainda é concentrado no litoral, embora estejamos fazendo o terceiro grande movimento de interiorização da Bahiagás. Nós identificamos polos regionais que precisam ser atendidos com gás natural. Identificamos o Oeste da Bahia, Luís Eduardo Magalhães, Barreiras, Formosa do Rio Preto, São Desidério. São as cidades que mais crescem no estado e que estão no entorno do polo principal do agronegócio baiano. E coladinho com o polo principal do agronegócio nacional. A gente acha importante chegar ali com o gás natural e nós estamos auscultando propostas que foram feitas para chegar com o gás liquefeito, o GNL, e com gás comprimido, o GNC. Estamos tratando também de Vitória da Conquista, Juazeiro e Petrolina, que é a proposta do biometano e se destacou como viável. Estamos tratando de Jacobina, Guanambi, Caetité, que tem alguma das maiores fazendas de produção de energia eólica e que esbarram numa dificuldade que é exatamente você ter a capacidade de dar segurança energética ao consumo. Já que a energia eólica é sazonal, embora os ventos daquele quadrante do estado da Bahia sejam ventos regulares, o que mostra um potencial enorme no nosso estado. Pois bem, nós fizemos uma ausculta para várias regiões do estado. O próprio Litoral Norte. Se nós vamos aqui pela Linha Verde, a gente vai vendo um grande número de indústrias pequenas e médias, grandes comércios, porque de um espaço como se chamava antigamente de veraneio, hoje são moradias mais ou menos regulares. A gente tem condomínios, moradias além do das pequenas indústrias e comércios , temos hotéis, resorts, de grande consumo de energia e de gás e que a gente quer nesse movimento substituir o GLP, que é o gás liquefeito de petróleo, também muito mais poluente e caro do que o gás natural. Olhando o estado da Bahia como um todo, cumprindo a meta e o desafio que o Estado nos deu quando da concessão, e nós estamos fazendo uma ausculta ao para ver todas essas alternativas e ir discutindo com as nossas instâncias diretivas a melhor forma de absorver essas alternativas.

Ainda tem o segmento da mineração...

Isso, nós fazemos hoje o terceiro grande movimento de interiorização que é o de ir ao encontro desse segmento importantíssimo pra economia baiana que é o da mineração. Primeiro, a chegada do gás de Manati e principalmente do Gasene, nos permitiu fazer um movimento de ir para o sul e extremo-sul da Bahia, especialmente com a indústria de papel celulose e o polo de alimentos da região de Itabuna e Ilhéus. Mas esse movimento de ir a outros territórios e regiões ficou no litoral. Então, quando nós fizemos o primeiro movimento de interiorização, a gente foi para Feira de Santana, num distrito industrial importante, que é o distrito industrial de Subaé. Fomos a Alagoinhas, que virou um polo da produção de cervejas, água mineral, refrigerantes e de bebidas importante. Mas nós ficamos no centro urbano desses territórios, Feira de Santana e Alagoinhas. Agora nós precisamos desenvolver para o interior. Já nesse movimento nosso para Sudoeste, a gente discutiu e fez um traçado privilegiando outros roteiros. São 306km do gasene, no município de Itagibá, fronteira com Ipiaú, até o município de Brumado, passando por Jequié e Maracás. Por que Conquista, a capital do sudoeste, não está no trajeto do gasoduto? Porque como o gasoduto é um investimento muito caro, a gente foi mirando os grandes nichos de consumo que podem imediatamente dar celeridade a um processo de valorização da obra que está sendo feita. Em Jequié, nós temos indústrias de alimentos, de calçados. Em Maracás, nós temos a Vanádio Maracás, que é a terceira mina de produção de vanádio em eficiência no mundo. E que nós estimamos que venha ser a primeira em eficiência usando o gás natural. Esse é um cliente âncora que está na cidade de Marajás. E estamos indo a Brumado, onde o segmento da mineração é ainda mais pujante. A empresa mais conhecida em Brumado é a RHI Magnesita.. Mas Conquista jamais será esquecida pela Bahiagás. Já estamos estruturando uma rede local e o projeto está em conclusão. A gente vai fazer uma rede que atenda ao distrito industrial de Conquista e que atenda a seguimentos da área residencial e comercial. Vamos levar por enquanto o gás comprimido. Mas a medida que essa rede estruturante vai sendo concluída, a gente também deverá estar lançando, até o início do ano, que vem a construção de um gasoduto de Jequié, que já deverá ter gás natural pelas nossas previsões. Então há uma possibilidade de nós atendermos muito bem, antecipando acultura do uso do gás natural em toda região do sudoeste da Bahia. Este é o plano de interiorização que estamos empreendendo hoje.

Estados como Rio, São Paulo e o Rio Grande do Sul privatizaram suas empresas de gás. Hoje, a Bahiagás é uma empresa de economia mista, com maior participação do governo estadual, mas também da Petrobras. Porque é importante conservar essa empresa nas mãos do Estado?

Como presidente da Bahiagás e como presidente do conselho de administração da Abegás, a visão que tenho é a seguinte. Os estados criaram empresas de economia mista e o fizeram porque eles têm de priorizar seus recursos próprios para atender aos serviços essenciais para a população. Os estados gastam muito com saúde, educação, infraestrutura urbana. Você vê uma cidade como Salvador, o que ela era antes do governo de Jaques Wagner e o que ela é hoje, com uma porção de obras de mobilidade urbana que facilitam a nossa vida. Quem pensaria que hoje, em condições normais, você se deslocaria em 20 minutos daqui para o aeroporto. Então, os estados que não têm recursos suficientes para promover toda a infraestrutura de que necessitam, chamam o capital privado para atuar. E o estado da Bahia é bem atuante nisso. As PPPs estão em obras estruturantes do estado, estão na gestão dos equipamentos públicos de saúde . Enfim, a Bahia é um estado que demonstra toda a sua expertise, capacidade e compreensão da importância de trabalhar com a o capital público ao lado do capital privado. Depois, dentro da nossa Abegás, a gente destaca a importância dos investidores privados. Não há uma expansão de um negócio de infraestrutura, de uma indústria de rede, como é a indústria de distribuição de gás natural, que não tenha também a participação do capital privado. Então, os investidores privados são, sim, bem-vindos e junto com os estados e com a União ajudam a consolidar esse mercado. É importante que eles façam os investimentos, expandam mercado e é evidente que vão ter uma lucratividade em cima dos recursos investidos. O Estado, se tivesse recursos para fazer sozinho, não chamaria a iniciativa privada. Penso que as companhias de distribuição de energia são estratégicas. Especialmente para os estados que estão em expansão da sua atividade econômica como é o caso da Bahia. Ainda que a gente tenha essa indústria ampla, diversificada, nós temos uma necessidade de expansão muito grande ainda. De espraiar esse desenvolvimento econômico para o interior. Portanto, é decisiva ainda a as companhias de gás, as companhias de energia, como indutoras do desenvolvimento. Então, elas são estratégicas. O estado participa de duas formas. Montando as empresas e, através do órgão regulador que é criado pelo poder concedente, que tem a sua independência, mas é criado pelo poder concedente com o qual ele fiscaliza, acompanha a execução da prestação daquele serviço público. Então, não vemos como uma contradição a presença do capital privado.

Para concluir, a Bahiagás firmou uma parceria recentemente com o tradicional Fera Palace Hotel. Como se dará ela?

A Bahiagás hoje é a segunda distribuidora de gás natural do país considerando o que ela tem de mercado cativo e do que movimenta para o mercado livre, tem algumas coisas emblemáticas. Na terça-feira, dia 20 de junho, nós ligamos o primeiro equipamento na Rua Chile, o Hotel Fera Palace. E, em poucas semanas, vamos está ligando o Hotel Fasano. Isso tem uma um simbolismo grande, além de chegarmos ao Centro Antigo de Salvador. Como Salvador foi a primeira capital do Brasil, a primeira rua oficial do Brasil foi a Rua Chile. Então, a gente chegou na primeira rua do Brasil, finalmente com o gás natural.

Raio-X

Luiz Gavazza é diretor-presidente da Companhia de Gás da Bahia (Bahiagás) desde de 2004, quando assumiu a empresa de companhia mista em substituição a Davidson Magalhães. Em abril deste ano, foi eleito diretor-presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). Antes da Bahigás, ele foi secretário da prefeitura de São Sebastião do Passé, chefe de gabinete da deputada estadual Alice Portugal (PC do B) e assessor parlamentar do deputado federal Haroldo Lima, dentre outros cargos.

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