ENTREVISTA - JOSÉ ROBERTO TADROS
‘O lucro do empresário é a mola propulsora do desenvolvimento’
Presidente da Confederação Nacional do Comércio diz que só o lucro permite à sociedade pressionar por melhores salários
Por Divo Araújo
Apesar do crescimento do PIB este ano, os empresários dos setores de comércio e turismo estão ressabiados com a economia do país. Os motivos são variados: vão desde a insegurança jurídica e a alta carga tributária até a percepção da sociedade brasileira em relação ao lucro das empresas, como explica José Roberto Tadros, presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.
“No Brasil, as pessoas têm ojeriza ao lucro”, afirma Tadros, que nesta semana recebeu os títulos de cidadão soteropolitano e baiano. Para ele, somente com empresas lucrativas, a sociedade poderá pressionar o empresariado e o governo a estabelecer novos patamares de renda para a classe trabalhadora. “Quando um trabalhador é mal remunerado, ele não é consumidor”, observa o dirigente, destacando a importância do consumo para a economia brasileira. Confira a seguir a entrevista completa.
O PIB vem crescendo no Brasil este ano, muito puxado pelo setor de indústria e serviços, sobretudo o comércio. Ainda assim, a gente vê as expectativas do empresário em relação à economia baixando de mês a mês, segundo pesquisas da própria CNC. O que explica esse pessimismo?
O Brasil é um país muito amarrado, cheio de regras, normas e decisões. O que nós, empresários, precisamos desse país é de segurança jurídica. Que o país, acima de tudo, facilite a vida do empresário, para que ele possa pagar os impostos e saiba inclusive o número de impostos. Porque todo dia surge uma nova decisão, uma nova taxa, um novo imposto, um novo não sei o quê. Eu tenho dito isso à sociedade, inclusive já disse para sua excelência, o presidente Lula. A empresa tem que dar lucro. No Brasil, as pessoas têm ojeriza ao lucro. Mas o lucro é a mola propulsora do desenvolvimento e, por via de consequência, do crescimento do PIB. A empresa dando lucro, nós podemos, inclusive, ter condições de estimular e forçar o empresariado e o próprio governo a estabelecer novos patamares de renda para a classe trabalhadora, que é muito mal remunerada. Nós, do empresariado, reconhecemos isso. Só que entendemos que a lucratividade das empresas é tão pequena e as empresas brasileiras são tão frágeis, que muitas vezes isso não é possível. Você não tem grandes players internacionais de empresas brasileiras no mundo. Você encontra aí todo tipo de empresas, a Samsung, da Coreia do Sul, empresas da Índia, empresas do mundo todo. Principalmente de países que têm vastidão territorial e grande população. No Brasil, não, porque quando uma empresa se torna grande, começam a podá-la. E você, quando não tem segurança jurídica, não tem a certeza de que o governo vai atuar com proficiência.
O que precisa ser feito para mudar essa realidade?
As reformas são necessárias. Mas, antes da Reforma Tributária, precisaríamos ter feito a Reforma Administrativa para saber qual é o tamanho do Estado que nós precisamos. Senão, nós vamos viver sempre nesse estado de permanente insegurança. Por isso é que temos, como princípio básico da CNC, três normas que entendemos que são os agentes de desenvolvimento do país. Democracia, sem discutir isso. É democracia e acabou. As outras duas são segurança jurídica e livre concorrência. Que o empresário possa trabalhar, produzir, fazer circular riqueza e através disto, distribuir renda. Veja uma coisa: quando o trabalhador é mal remunerado, ele não é consumidor. Nós temos 50 milhões de trabalhadores no Brasil, a grande maioria mal remunerada. Como é que eles podem ser consumidores? E, se o trabalhador não é consumidor, como é que você pode ter a mola propulsora do capitalismo, que é a sociedade de consumo. Uma grande parcela da sociedade brasileira tem renda, mas uma renda muito baixa.
O senhor citou a Reforma Tributária que está sendo regulamentada pelo Congresso Nacional. Ela atende o segmento do comércio?
O que tem me preocupado muito é que nós, empresários, reivindicamos uma Reforma Tributária que viesse reduzir tanto o número de impostos como o valor cobrado. Mas o que nós estamos sentindo é que estão querendo, cada vez mais, aumentar os tributos. Aí, a empresa não aguenta. É uma visão muito de Estado, de centralismo arrecadatório. Isso não pode.
A CNC chegou a ser ouvida, participar dos debates da Reforma Tributária?
Nós temos procurado participar, mas você sabe que nem sempre somos ouvidos como deveríamos. Até porque eles entendem que o empresário só pensa nele, o que não é verdade. Porque quando você aumenta os tributos, não é o empresário quem paga. É o consumidor final quem paga o imposto. Quando a gente reivindica isso, não é em benefício da empresa. É em benefício da população brasileira. Mas muita gente não entende isso.
A alta carga tributária com certeza é um problema para os empresários, mas a gente também tem os juros altos. Essa taxa de juros complica muito a vida dos empresários?
Os juros são altos porque o déficit público é grande. Na medida em que o déficit público é grande, o governo tem que tomar recursos no mercado. E aí, quando percebem que a economia não está devidamente administrada - ao reverso disso, mal administrada - a inflação aumenta e a procura de recursos pelo governo também. Na medida em que a economia está organizada, aí você tem a possibilidade de o governo ser tomador do mercado a taxas de juros muito baixas. A taxa de juros, que está em 11% e aumentou agora, é em consequência do desajuste da administração pública que está provocando déficit nos gastos públicos do governo.
Os números do turismo estão crescendo no Brasil esse ano. Mas ainda o país está muito aquém da realidade mundial. O que, na sua opinião, pode ser feito para reverter essa situação?
Quando faz turismo, você precisa ter fatores indispensáveis. Primeiro, segurança física. O turista não vem para o Brasil para ser assassinado, para ser assaltado. No Brasil, você tem essa situação de vir turista para cá e ser assaltado, ser morto. O que se precisa é que o país assegure tranquilidade para o turista vir e ter a possibilidade de visitar lugares, coisa que não acontece aqui no Brasil.
Além disso, o senhor acha que o Brasil divulga o país muito mal ainda?
Comunica muito mal. Não há divulgação. Isso é uma herança lusitana. Os portugueses de outrora achavam que turismo era coisa de vagabundo, de malandro. Então, nunca promoveram o Brasil. E ficou essa mentalidade de que turismo não era prioridade. Muitos países do exterior, da Europa aos Estados Unidos, estimulam o turismo porque sabem que é uma fonte de renda fantástica. A maior parte desses países vive à custa de turismo. A Áustria, Hungria, a própria França, que também tem uma base comercial e industrial grande. O grande motivo do desenvolvimento desses países é o turismo. Aí, o que acontece aqui no Brasil? Quando você viaja para fazer turismo, você quer ver as cidades nas suas origens. Os centros de cidade no Brasil são abandonados. Começou a ideia de centro velho. Você já ouviu falar no centro velho de Paris? Centro velho de Londres? Centro velho de Nova Iorque? As pessoas procuram os centros, porque lá começaram as cidades. Lá, as pessoas acreditaram naquela cidade, naquele país, recuperando esses centros antigos. Aqui não, você abandona.
Diante da complexidade dos problemas, você acha que tem solução? No curto prazo, o governo poderia fazer algo para estimular o turismo?
Tem que ter sequência. O grande problema é que, com a mudança de governo, muda tudo. Não se dá uma sequência permanente de que, olha, começou aqui, termina lá adiante. Não. O programa é do governo A, o governo B entra, abandona, começa outro programa. Aí o governo C entra, abandona o programa do governo A e do governo B e começa o programa dele. Aí, no final, nunca termina nada.
Estamos às vésperas da Black Friday, que é um evento central hoje no calendário varejista do Brasil, comparado até o Natal. Quais são as expectativas para este ano?
A Black Friday foi uma ideia que veio dos Estados Unidos, no sentido de desova de estoques represados. É uma oportunidade muito boa, inclusive, para a população ver que grande parte do custo dos produtos vendidos aqui no Brasil são consequência da alta carga tributária. Quando você elimina tributos, o produto fica muito mais barato. Por isso é que a gente chega no exterior e compra coisas que aqui são duas, três, quatro vezes mais caras. Exatamente por causa da carga tributária. E aí, via de regra, os consumidores acham que o empresário, principalmente o empresário do comércio, é desonesto. Porque é careiro. Mas não é. É o preço da carga tributária que onera o produto final.
O Sesc e o Senac são instituições historicamente associadas a muitos benefícios para a população brasileira. Como é a situação do sistema hoje?
Nós estamos tocando o sistema desde a criação, em 1945, pelo presidente Getúlio Vargas, cujo objetivo era criar mão de obra qualificada. Porque, até 1945, o Brasil era um país agrícola. A base industrial dele era muito precária. Não havia indústria pesada no Brasil. Eram indústrias de laticínio, alimentos de um modo geral. Isso começou a mudar com a implantação da Cidade do Aço, em Volta Redonda (Rio de Janeiro). Foi uma negociação feita pelo presidente Vargas com o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. O Brasil cedeu às suas bases de Manaus, Belém e Natal, e os Estados Unidos contribuíram para que se fizesse uma siderúrgica em Volta Redonda. Ali, começamos a entrar na indústria pesada. E o presidente Vargas entendeu que teria que preparar mão de obra. Mas quem teria que preparar mão de obra era o próprio empresário. Se tiraria um porcentual de cada funcionário empregado nas empresas dos três segmentos – primário, representado pela agricultura, o secundário, da indústria, e o terciário, comércio e serviço - , para investir na qualificação da mão de obra. Porque nós tínhamos uma mão de obra muito precária. Isto feito, as instituições seriam obviamente regidas pelos empresários, porque os recursos não são públicos, são privados. Existe a compulsoriedade do recolhimento desses valores em benefício das instituições, que são altamente fiscalizadas pelos conselhos regionais, nacionais, Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas da União, etc. E, paralelamente a isso, o empresário ficaria na obrigação de qualificar mão de obra capaz, competente. Não só para trabalhar nas empresas modernas, que àquela altura iriam se instalar em Volta Redonda, como também receber bem o turista, saber expor os produtos, enfim. E é isso que temos feito. Veja o setor do comércio, por exemplo. Nós estamos em 2.400 municípios dos 5.440 do país. Tem outros municípios que têm uma base econômica pequena, assim como sua densidade demográfica. Nesses, nós temos as nossas carretas que vão lá, ministram cursos. Mas, em 2.400 municípios, nós entendemos que já tem uma base comercial suficiente para ministrar cursos, nós estamos lá com a nossa base física instalada.
O Ministério do Trabalho e Emprego adiou pela terceira vez a implantação da portaria que restringe o trabalho do comércio aos feriados de domingos para janeiro de 2015. Como o senhor vê essa portaria?
Eu conversei com o Ministro do Trabalho para ele olhar com muito cuidado isso. Porque, às vezes, certas atitudes que são tomadas não têm a visão de gerar empregos, de aumentar o PIB. É uma visão muito estreita. E o ministro do Trabalho me ouviu. Ele é um sindicalista experiente e adiou isso três vezes para que, amanhã, se tenha realmente uma visão clara de se a coisa vai funcionar como se pretende.
O senhor foi homenageado na Câmara Municipal de Salvador e na Assembleia Legislativa da Bahia com o título de cidadão. Como o senhor recebe essas homenagens?
Eu fico absolutamente orgulhoso. Porque tudo no Brasil começou na Bahia. A alegria, o samba, a bossa nova, o jeito de coabitar pacificamente com raças, cores, mentalidades. Enfim, a Bahia simboliza o Brasil de um modo geral. E eu me sinto muito honrado em ter esses títulos de cidadão baiano e cidadão soteropolitano. Com certeza, isso é um balizador de que eu estou fazendo um trabalho que me dá a entender de que está certo, enquanto empresário e enquanto pessoa que tem uma visão cristã do mundo.
Raio-X
José Roberto Tadros nasceu em Manaus (AM). É empresário, advogado, pós-graduado em Ciências Políticas, líder sindical empresarial e escritor. Desde 2018, preside a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Foi presidente do Sistema Fecomércio-Sesc-Senac Amazonas e cônsul honorário da Grécia na Amazônia (abrangendo os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima) por 20 anos. Tadros integrou o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, foi presidente da Academia de Ciências e Letras Jurídicas e vice-presidente da Academia Carioca de Direito. Atualmente, é membro da Academia Amazonense de Letras e da Academia Nacional de Agricultura.
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