PESOU
Por que os alimentos estão tão caros no Brasil?
Mudanças climáticas, comportamento dos preços no mercado internacional e mais estão associados ao aumento
Por Carla Melo
Silvia Letícia dos Santos, 46, é dona do restaurante ‘Comidas de Casa’, localizado no bairro Boca do Rio. Todas as quartas-feiras, assim que finaliza os serviços do estabelecimento, ela reserva um tempo do seu dia para fazer rodízio em supermercados, atacados, mercados de bairro e açougues em busca dos melhores preços dos alimentos para fazer a refeição do dia seguinte.
Na última quarta, 24, entretanto, ela deixou de levar para a casa alimentos essenciais, como cebola, alho, tomate e pimentão, devido à alta de preços. No dia seguinte, ela precisou acordar mais cedo para comprar as hortaliças em uma feira livre, que eram cinco vezes mais baratas.
“Cada vez que você vai ao mercado, está tudo mais caro. Ontem, no supermercado comprei acho de R$ 29,80/kg hoje estava de R$ 35/kg. A cebola está de R$ 11,90/kg. Com isso, eu tenho que dar um ‘drible’ e fazer rodízio nos estabelecimentos, em feiras livres em busca dos melhores preços”, desabafa a microempresária.
Todos os dias, Silvia varia o cardápio do estabelecimento. O cozido é o carro chefe de seu restaurante. A refeição que inclui legumes como cenoura, batata inglesa, abóbora e quiabo também preocupa a empresária que levou um susto com o aumento dos preços, e principalmente com o repasse dos custos em suas refeições.
“Eu tinha parado de fazer o cozido aqui no restaurante, porque só agora a abóbora caiu de preço depois de custar 8x mais caro. E quando o preço está mais caro, e eu repasso o valor para os clientes, eles não aceitam. O meu almoço é de preço popular, então quando eu passo uma diferença de R$ 2, por exemplo, eles reclamam e eu acabo deixando no preço normal para não perder o cliente, porque a concorrência é grande no bairro”, continua ela.
Atualmente, os produtos que compõem a cesta básica de Salvador, estruturado pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), levando em consideração tanto a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluem feijão, arroz, macarrão, farinha de mandioca, carne, frango, ovos de galinha, óleo de soja, tomate, cebola, batata inglesa, cenoura, café moído, açúcar cristal, pão francês, flocão de milho, Leite e Derivados e frutas.
No último levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o preço da Cesta Básica de Salvador ficou em 620,13, um aumento de 4,85% em comparação com o mesmo período de 2023. Nos três primeiros meses de 2024, o custo da cesta básica na capital baiana aumentou em 10,58%.
Em Salvador, a pesquisa, que funciona há quase 40 anos, seleciona mais de 100 locais de compra - entre super e hipermercados, mercadinhos, padarias, açougues e feiras - todos os meses. Para chegar aos resultados mensais, um pesquisador do Dieese vai ao local, sempre no mesmo dia da semana, na mesma semana e de preferência, no mesmo horário. Na capital baiana, são pesquisados 12 produtos básicos: carne bovina, leite, feijão carioquinha, arroz, farinha de mandioca, tomate, pão, café, banana, açúcar, óleo e manteiga.
Os produtos são básicos, mas o susto com o preço dos alimentos têm desanimado o brasileiro, que cada vez mais diminui o volume do seu carrinho de compras. Mas porque alimentos que geralmente eram comprados por preços acessíveis estão aumentando tanto os custos?
Causas das altas
A alta de preços preocupa, mas tem um porquê. Ou melhor, porquês. O principal está relacionado com as mudanças climáticas, que elevaram as temperaturas em diversas regiões do Brasil. As ondas de calor foram uma das principais responsáveis por prejudicar as produções agrícolas.
“Uma série de fatores acabam incidindo no aumento de preços. As mudanças climáticas sempre foram uma questão importante na formação de preços, principalmente quando se tem muita chuva, muita seca. Hoje em dia, estamos tendo, de forma recorrente, fenômenos climáticos mais extremos, como inundações, secas severas, aumento das temperaturas acima da média . Não é à toa que os produtos que mais subiram nesses últimos meses foram o tomate e a banana, que são muito suscetíveis a essas condições climáticas”, explica Ana Georgina Dias, Supervisora técnica do Dieese-BA.
No segundo semestre de 2023, a Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB) alertou para as perdas devido às mudanças climáticas, principalmente o período de estiagem no estado baiano. Segundo o presidente da federação, Humberto Miranda, em entrevista ao Portal A TARDE, a projeção era uma estimativa de perda de R$ 600 milhões por ano devido às mudanças do clima.
“Isso vai interferir negativamente no PIB do estado e consequentemente no PIB do setor agropecuário, que tem ajudado muito a Bahia nesses anos que antecederam”, projeta Humberto Miranda.
Ana Georgina também atribui o aumento do preço dos alimentos às variações no mercado internacional, principalmente quando se trata de commodities - matérias primárias, de origem agrícola que são comercializadas em grande escala e usadas na produção industrial.
“O próprio comportamento dos preços no mercado internacional, como o Brasil é um país extremamente importante na relação do agronegócio, então se você tem preços atrativos existe uma tendência de que o produtor prefira vender para fora, do que vender no país. Ele acaba vendendo em dólar, e isso é bom para ele por conta do câmbio. Por outro lado, tem produtos que a gente precisa trazer de fora, como o trigo. Esses produtos estão sujeitos a oscilações de preços”, continua a especialista.
Impacto no bolso
Por causa do aumento excessivo no custo da cesta básica, consumidores muitas vezes optam por não levar o produto ou até tentar substituir por outros mais baratos. Apesar de ser a realidade de muitos brasileiros, a estratégia de deixar de levar ou substituir o alimento para fugir dos altos preços dos itens essenciais da cesta básica é uma preocupação para Ana Georgina, já que como o próprio nome sugere, são alimentos básicos na alimentação.
“Há muita pouca margem de manobra para lidar com isso porque estamos falando de produtos básicos. Estamos falando de feijão, arroz, farinha, não estamos falando de coisas que podemos facilmente substituir. Então nesse momento, basicamente, a estratégia usada pela maioria das famílias é a substituição, seja por outro produto ou por uma marca mais barata, mas nenhuma dessas ações são duradouras porque se você tem aumento recorrente e um salário que não acompanha você chega a problemas como a insegurança alimentar”, explica a especialista.
O Dieese também estuda o comportamento do salário mínimo aos aumentos dos preços para entender como está o poder de compra e quais os valores reais precisos para que o trabalhador supra as suas necessidades básicas.
Quando se tem alta nos preços, e o valor do salário mínimo não acompanha, o acesso aos produtos básicos para a sobrevivência da população fica mais distante. Da mesma forma em que a redução no custo da cesta melhora o poder de compra dos trabalhadores. “Em momentos que você tem a cesta custando menos, melhor é o poder de compra. Por outro lado, quando você tem alta de preços, você tem perda de poder aquisitivo”, conclui a economista Ana Georgina.
A especialista então alerta que é preciso pensar em políticas e ações para que seja garantido um dos mais importantes princípios mais básicos: a alimentação. “Sabemos que 54% dos ocupados baianos são informais, então não necessariamente eles terão um salário mínimo e muitas outras não têm nem trabalho. Precisamos pensar em tudo isso, não são soluções tão simples já que alimentação é um dos princípios mais básicos”.
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