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Venda da RLAM resgata discussão sobre passivo ambiental bilionário

Publicado sábado, 04 de dezembro de 2021 às 06:03 h | Autor: Da Redação
Instalações contaminadas abandonadas | Fotos: Robson Pierre | Divulgação
Instalações contaminadas abandonadas | Fotos: Robson Pierre | Divulgação -

A confirmação pela Petrobras, na última terça-feira, 30, da conclusão da venda da Refinaria Landulpho Alves e seus ativos correlatos para o fundo árabe Mubadala representa um movimento econômico importante. Mas a saída definitiva da empresa da Bahia, estado onde foi fundada, deixa sem solução uma série de passivos ambientais produzidos em seus mais de 70 anos de atuação na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

>>Funcionários da Refinaria Landulpho Alves protestam contra venda a grupo árabe

Não é difícil, por exemplo, constatar os efeitos negativos da presença da refinaria na Baía de Todos-os-Santos, que não pode continuar a ser impactada por uma operação ambientalmente precária, que compromete a riqueza natural, apesar de a renda produzida pela atividade responder por cerca de 25% de todo o ICMS arrecadado no estado.

Primeira refinaria de petróleo do Brasil e segunda maior do país, A RLAM é desde 1950 responsável por importante transformação econômica na Bahia, a despeito do sucateamento ocorrido nas últimas duas décadas. Mas também provocou profundos impactos socioambientais na região onde se instalou, com prejuízos à biodiversidade e à qualidade de vida das popula ções dos municípios de seu entorno.

Poluição do ar, do solo e do mar, áreas contaminadas por derivados de petróleo e ecossistema marinho afetado são alguns exemplos das consequências ambientais provocadas pela operação da planta, facilmente identificáveis, e que precisam nesse momento de transição serem devidamente levantados, mitigados e compensados.

A ausência de informações precisas e transparentes da amplitude do monitoramento ambiental realizado, e da renovação do licenciamento ambiental e suas condicionantes, sem a participação dos municípios, gera insegurança aos moradores da RMS, que não percebem por parte da empresa a iniciativa de busca de solução para os problemas identificados ao longo de décadas, e nem mesmo o reconhecimento da existência dos passivos. Eles afetam diretamente o meio ambiente e a saúde da população, submetida a condições de risco.

Imagem ilustrativa da imagem Venda da RLAM resgata discussão sobre passivo ambiental bilionário
Tubulação sem manutenção compõe cenário

Legislação

A esses passivos ambientais de risco, que já são extremamente graves, é acrescido o fato da Petrobras não estar regular com as legislações municipais, mesmo passadas décadas de operação. As instalações da empresa em Candeias, São Francisco do Conde e Madre de Deus não possuem habite-se, ou alvará de construção, demonstrando que às incorreções de sua atuação ambiental se soma uma irregularidade que aumenta os riscos de segurança operacional, que precisam ser imediatamente sanados.

Questionadas pela reportagem sobre o fato, as prefeituras foram evasivas. A de São Francisco do Conde afirmou estar em fase de “apuração dos detalhes fiscais e legais da transferência de licenças, e negociando as soluções para esses problemas”. A Prefeitura de Madre de Deus disse que tem “um acordo de intenções com a Petrobras que conduz a uma solução para os problemas fiscais e legais, que esperamos sejam resolvidos agora, com a finalização da operação de venda”. A prefeitura acrescentou que depois de esgotadas essas negociações poderá se pronunciar. “Na área ambiental trabalhamos com os outros municípios e o Inema para garantir que as compensações e reparações sejam efetuadas”.

A prefeitura de Candeias, por sua vez, preferiu não comentar o assunto, justificando que “ainda está levantando a regularidade urbana, fiscal e ambiental dos ativos vendidos pela Petrobras no município”.

Doutor em Direito Urbano e Ambiental, o advogado George Humbert avalia que a confirmação de tais informações levaria à anulação de todo o processo de licenciamento ambiental. “A regularidade com o município é condição vinculante para a regularidade ambiental. Ou seja, se não há alvará de obras, não há habite-se, se não há habite-se não há como expedir uma certidão municipal de regularidade, e se não há certidão, não há licenciamento ambiental válido. Resumindo: se há ilegalidade com a legislação municipal, há ilegalidade ambiental, e todo conjunto de uma operação desse porte está irregular”, aponta.

Apesar disso, o clima é favorável com a chegada da Acelen, empresa criada pelo fundo Mubadala, que assumiu as operações, e contrasta com a insatisfação generalizada com a forma de atuação da Petrobras. Os municípios confirmaram que já estavam pactuando a solução de alguns problemas com a Acelen, mesmo antes da finalização da venda, e se mostram animados com as possibilidades geradas pelos investimentos que podem dobrar a produção atual.

Entre a população, a opinião não é diferente. “Não tenho dúvida de que a venda trará de volta a prosperidade, pelos investimentos e oportunidades. A gente que está perto sabe que abandonaram tudo. Chegaram no fundo do poço, e pior do que está não pode ficar. Todos estamos felizes com a retomada, mas a Petrobras não pode sair deixando a sujeira embaixo do tapete. Tem que fazer a faxina da casa”, afirma o ex-soldador aposentado Antônio Roque, morador de Candeias, que chegou a trabalhar como terceirizado na refinaria.

Danos

Com uma simples volta de barco na região, ou um sobrevoo de drone, dá para se verificar a extensão dos danos causados extra-muros das instalações, e o que os anos de operação descuidada e descaso causaram ao meio ambiente. O impacto é visível, e assusta a incapacidade da fiscalização ambiental dos diversos governos para fazer cumprir suas obrigações ao longo do tempo de operação, quando o assunto é Petrobras.

Quando há autuação, os efeitos são quase nulos. Apenas em multas aplicadas e autos lavrados por infrações praticadas, e nunca pagos, a empresa acumula mais de R$ 250 milhões de reais de débito junto aos órgãos ambientais do Estado, dos quais R$ 160 milhões aplicados apenas na atividade da refinaria, o que mostra a extensão dos danos causados, sem que a empresa seja efetivamente responsabilizada.

Mesmo assim não há nenhum compromisso formal para solucionar essas multas, ou os passivos existentes, e suas compensações, na operação de venda que colocou quase R$ 10 bilhões nos cofres da empresa essa semana. A Petrobras sai da Bahia deixando a sensação de que o crime ambiental compensa. Leva o dinheiro da venda sem honrar com as obrigações ambientais e fiscais, negando sua própria história. Ficam no ar algumas perguntas: como uma empresa estatal, a maior do Brasil, pode sair deixando esse passivo, sem fazer um balanço ambiental? E por que não há reação das autoridades responsáveis ou defesa politica da Bahia junto ao governo federal?

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