ENTREVISTA - ROWENNA BRITO
‘A escola precisa fazer sentido para segurar o estudante’
Secretária celebra avanços na educação e destaca a importância do ensino contextualizado para manter os alunos na escola
Por Divo Araújo
A secretária Rowenna Brito está entusiasmada com o momento da Educação na Bahia. Entre uma atividade e outra do Encontro Estudantil, realizado na última semana, a titular da Secretaria de Educação e Cultura (SEC) lista as razões que a fazem acreditar nessa fase especial. “A gente tem um governador que é professor e uma secretária que é professora da educação básica”, destaca, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE.
Para embasar sua visão, Rowenna tem alguns dados a apresentar: pelo terceiro ano consecutivo, a Bahia aumentou sua nota no Ideb (Ìndice de Desenvolvimento da Educação Básica) e reduziu a evasão escolar em 50% entre 2021 e 2024.
Para a secretária, manter os estudantes na escola é um dos maiores desafios da rede. Mas, ao longo de sua trajetória na Educação, ela afirma ter aprendido a fórmula para isso: “É preciso fazer o estudante se sentir parte do processo”, ensina ela. “Se não tiver uma aula que faça sentido, que seja contextualizada com o estudante que vive no campo, com aluno adulto, por exemplo, ele vai abandonar a escola”. Confira mais detalhes na entrevista a seguir.
Começo a entrevista perguntando sobre o Encontro Estudantil, que este ano bateu recorde tanto em participação de estudantes como em número de projetos apresentados. O que levou a essa mobilização maior por parte dos estudantes?
O meu sentimento é que a gente vive um momento muito especial da educação da Bahia. A gente tem um governador que é professor. Tem uma secretária que é professora da educação básica. Tudo isso, com o compromisso do governador Jerônimo Rodrigues, para a gente poder potencializar mais a escola pública, gerou uma grande mobilização da rede. A gente vem fazendo também infraestrutura física com muita intencionalidade. O projeto que a gente constrói não é um prédio puro, é um prédio com projeto pedagógico. Não é só uma estrutura física, tem um projeto, tem intencionalidade. E os professores conseguem enxergar isso. Todos os projetos que a gente vem entregando para a educação da Bahia geram uma grande mobilização de professores, um engajamento dos gestores, dos coordenadores pedagógicos. Por isso, a gente tem esse recorde de inscritos. O encontro estudantil deste ano tem cinco mil estudantes, tem projetos incríveis de iniciação científica, de arte e de cultura. Tem uma biblioteca no projeto de arte visual, que é de patrimônio histórico, que é de Macaúbas. Você fica impressionado com a produção, com o conteúdo que os estudantes depositaram naquilo. Também tem muita dança, música para falar com a juventude. Tem música autoral. Enfim, tem um grande sentimento de engajamento em prol da garantia da educação dos estudantes, da garantia do direito de aprender. Isso é muito importante dizer.
O encontro tem como tema ‘Artes, ciências e democracia: caminhos para a sustentabilidade’. A criação de escolas sustentáveis mobiliza hoje a Rede Estadual de Educação?
Esse é um objetivo a ser perseguido pela Rede Estadual de Educação. A gente hoje já tem nas nossas escolas captação de água da chuva, energia fotovoltaica, mas precisa ser mais do que isso. Tem também a parte pedagógica de conscientização dos estudantes, da política pública de sustentabilidade, de olhar para o meio ambiente como parte integrante deste grande ecossistema que é preciso preservar, mas que é uma questão econômica também. Precisa ser olhado com dedicação e cuidado. Essa tem sido uma tarefa nossa. A gente está fazendo um debate importante sobre o currículo verde, que é esse olhar de como o meio ambiente tem impactado a nossa vida e como é que a gente está impactando o meio ambiente. Além disso, tem as nossas estruturas físicas. Como disse, a gente já tem energia fotovoltaica, captação de água da chuva. A gente está potencializando mais. Já estou aqui tentando construir, com a equipe, biocombustível aproveitando cascas de fruta e verduras da alimentação escolar para transformar em biogás. Tem um monte de ideias que a equipe está trabalhando sempre com esse objetivo de entregar uma escola sustentável para os nossos estudantes e para a Bahia.
Se a gente pensar na sustentabilidade de uma forma ainda mais ampla podemos chegar à permanência dos estudantes nas escolas. Li uma entrevista na qual você diz que, para o aluno seguir nos estudos, a escola precisa fazer sentido para ele. Como conseguir isso?
Esse é um grande desafio nosso. Fazer o estudante se sentir parte do processo. A professora é adulta, o estudante é um adolescente com outro contexto, outras experiências, outras vivências em outro tempo que a gente não viveu nessa mesma idade. Esse é o desafio: como atrair os estudantes, como utilizar instrumentos e ferramentas para oferecer uma aula mais dinâmica, para seduzir e segurar o estudante. Como usar a tecnologia de forma consciente, em prol da aprendizagem, e não com essa dependência que a gente tem hoje. Como intercalar e utilizar a tecnologia na formação de professores. A gente foi formado em um tempo com outro desenho de sala de aula. Hoje a gente vive outros tempos. Eu falo essa coisa do pertencimento. De ler o texto que o estudante está escrevendo para a gente, mas ler o contexto de onde ele vem, das experiências dele e aproveitar isso. Aproveitar isso como ferramenta pedagógica para poder melhorar a qualidade da aula dele e da escola.
Aproveito para questionar sobre a importância de uma educação contextualizada à região, à comunidade onde vive o estudante. Como a SEC vem colocando esse conceito na prática?
Esse aí é outro desafio. A educação é cheia de desafios. E precisamos avançar muito com a educação contextualizada. Não é só um conceito. A educação não é só um conceito. Ela precisa ser a prática diária dos professores, da própria Secretaria da Educação, dos gestores das unidades escolares. Porque um estudante que mora no campo, na zona rural, que precisa acordar de manhã para tirar leite, ele não pode ter uma aula urbana. Até pode ter, mas isso precisa estar casado com o contexto de onde ele vive. Como é que eu posso aproveitar e debater sustentabilidade com um estudante que o pai dele tem uma roça, que planta aipim, que tira leite? Eu preciso trazer essas vivências dele para dar sentido à aula, dar sentido à escola e fazer com ele continue permanecendo na escola. Isso cabe para os estudantes indígenas, quilombolas. Cabe para qualquer estudante. Cabe para os jovens, adultos e idosos. Imagina um trabalhador que passa horas trabalhando, e vai à escola estudar à noite, cansado. Se ali não tiver uma aula que faça sentido, que seja contextualizada com esse adulto, esse idoso, ele não vai querer ficar ali e vai abandonar a escola. Eu preciso me conectar com o mundo do trabalho dele, com o curso de formação profissional.
Essa contextualização passa também pela alimentação?
Para uma parte significativa dos nossos estudantes da rede a alimentação é na escola. É na escola, que eles tomam o primeiro café, fazem a primeira refeição. E essa escola precisa ter uma alimentação que consiga atrair o estudante. O governador fala que a alimentação é uma ferramenta pedagógica. Porque se você chega com fome na escola, não adianta. Mesmo com a melhor metodologia, a melhor tecnologia, a melhor estratégia ou estrutura física, se o estudante está com fome, nem ele, nem o professor, ninguém consegue se concentrar com fome. Por isso, a alimentação, na nossa gestão, é uma prioridade, sim. A gente tem feito um esforço gigantesco. O governo federal repassa para o Estado 50 centavos por alimentação escolar para os estudantes. O Estado complementa com mais R$ 2,14 para poder entregar essa alimentação casada com a agricultura familiar. Aí a gente precisa dialogar mais fortemente nessa perspectiva da sustentabilidade. Porque o investimento do Estado da Bahia é de meio milhão em alimentação escolar. E R$ 300 milhões, mais ou menos, vai para a agricultura familiar. A gente precisa ter responsabilidade com o homem e a mulher do campo também. E apresentar para o estudante. Esse cuscuz aqui foi produzido assim. Eu fui em uma unidade escolar, em Macajuba, não lembro ao certo, e o ovo que era servido no café da alimentação escolar era a mãe da estudante quem fornecia. E aí tem a ver com contextualização, com trazer a realidade do estudante para dentro da escola. Para fortalecer esse diálogo, porque senão a gente vai perder o estudante. A rua é sedutora, atraente. Por isso, preciso garantir mais tempo do meu estudante na escola.
Nesse sentido, qual é a importância dos programas de permanência estudantil, a exemplo do Bolsa Presença, entre outros?
Hoje, a Rede estadual de Educação tem o Bolsa Presença que a gente criou. Ele nasceu lá atrás, na época da pandemia. Nasceu a partir da nossa compreensão de que precisava colocar nas casas dos estudantes que estavam afastados da escola, uma alimentação. Reconhecendo essa questão social dos nossos estudantes. A gente criou naquele momento o Vale Alimentação, em que disponibilizava num cartão o valor da alimentação para o estudante. No primeiro momento, a gente foi aos supermercados e entregava uma cesta. Passou a pandemia, a gente percebeu que precisava trazer o estudante de volta para a escola. Para trazer ele de volta e para permanecer, a gente criou o Bolsa Presença, que é casado com a permanência, mas também com o resultado do aprendizado e com acompanhamento e monitoramento da presença da família na escola. O Bolsa Presença tem sido essa ferramenta para os estudantes das famílias mais pobres. Isso funciona como um elemento super importante, porque o menino fica na escola, não precisa sair para ir ao mercadinho, ajudar ou cuidar de uma criança. Ele está na escola e recebe R$ 150 por mês para permanecer. Depois disso, o presidente Lula chegou e construiu o Pé-de-Meia. O ministro Rui Costa foi para lá. Ele era o nosso governador naquela época, Jerônimo era secretário de Educação, quando a gente criou o Bolsa Presença. E o presidente Lula criou o Pé-de-Meia, que vem para potencializar mais ainda a permanência desses estudantes. A gente viu aí os dados do Enem. As incríveis taxas de inscrição dos estudantes da rede estadual. Foi o maior número na série histórica de estudantes inscritos no Enem. A gente sabe que parte disso tem a ver com a mobilização e o engajamento que o Pé-de-Meia faz. Então, tem o Pé-de-Meia, Bolsa Presença e o Educa Mais Bahia, que são voluntários da comunidade que desenvolvem atividades com os estudantes. Também tem o Mais Estudo, que a gente identifica os estudantes que estão ali dentro da escola, referências em português e matemática e iniciação científica. E eles viram monitores dos colegas recebendo R$ 150. É um grande cerco de proteção, um grande mutirão. A gente está tomando posse de todas as iniciativas possíveis para garantir a permanência dos nossos estudantes na escola.
Manter o estudante mais tempo dentro da escola também é importante na sua visão? Isso explica o investimento que o Estado está fazendo na escola de tempo integral?
Manter o estudante mais tempo na escola é uma determinação do governador. A gente está investindo em infraestrutura física, fazendo essa grande revolução. Salas climatizadas, teatros, restaurantes, quadras, campos, tem unidades com piscina, com arena de lutas, espaço de vivência. Isso tudo tem uma intencionalidade, que é ampliar o tempo do estudante na escola. Qualquer professor, qualquer estudante sabe que uma escola que tem uma quadra coberta, tem muito maior capacidade de aprendizagem do estudante, de garantir mais tempo dele ali. E garantir mais tempo do estudante significa também investimento na saúde, porque estou garantindo a segurança alimentar. Significa investir na segurança pública, porque o estudante com mais tempo na escola, está cercado, protegido, não está exposto aos possíveis convites da rua. Investir na educação integral é investir no desenvolvimento econômico também. Porque mães, pais e responsáveis dos estudantes podem trabalhar tranquilos, sabendo que seus filhos estão protegidos e cuidados. Mas tem mais do que isso. É pensar que a gente está investindo no capital cultural desses estudantes. Eles estão expostos a mais condições de acesso à informação, à aprendizagem e ao capital cultural. Quando coloco ele naquele tempo integral na escola, estou reafirmando esse compromisso do governo do Estado de garantir o direito à educação que está na lei. Por isso, a gente tem feito esse esforço para garantir que esse estudante fique o máximo de tempo possível.
Essa melhora é comprovada por dados oficiais?
Os últimos dados da rede estadual mostram que foi acertada a decisão de ampliar a educação em tempo integral. A gente teve uma diminuição de 50% na evasão escolar de 2021 até 2024. Isso é muito importante. Eu não comemoro esse dado, porque eu acho que nenhum estudante tem que ficar fora da escola. Mas hoje a gente é um dos estados que tem o menor índice de abandono na rede. Isso é de suma importância, porque a gente está reconhecendo que a política pública está funcionando. E os dados de indicadores da aprendizagem. A gente vem em três séries consecutivas melhorando o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). É óbvio que eu faço as minhas avaliações também. Mas o Ideb é um índice importante para a gente avaliar se a política pública está no caminho certo, se a gente precisa ajustar. E é a terceira série consecutiva que o Estado da Bahia cresce de forma consolidada, de forma responsável, e isso é muito importante. E, sem sombra de dúvidas, para 2026 a gente vai crescer ainda mais. Como o Ideb é bianual, em 2026 não tenham dúvidas, que a nossa avaliação vai ser melhor ainda.
Falando ainda na rede física, três colégios tradicionais de Salvador – Iceia, Colégio Central e Escola Park –passarão por projetos de requalificação, que envolvem o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPac). Como estão esses projetos?
O Iceia já está licitado. A gente já está com a elaboração do projeto arquitetônico de atualização. Já está na rua a licitação. A gente já tem uma empresa vencedora. A nossa expectativa é que nos próximos dias as obras já comecem a ser executadas. A Escola Park e o Colégio Central já têm uma diferença, porque o Iceia não é todo tombado. Tem só uma parte dele que é tombado. A Escola Park e o Central não. Eles são todos tombados. Só a elaboração do projeto arquitetônico, não é nem a obra em si da Escola Park que está em torno de R$ 1 milhão. Todos os engenheiros, arquitetos, especialistas, que a gente convida que a gente convida para debater, calculam um ano e meio só para fazer o projeto. Imagina a importância de um equipamento como a Escola Park? Imagina a história do Colégio Central? Mas também tem uma determinação do governador para avançar com esses dois projetos mesmo com os prédios tombados. E aí a gente precisa avançar nesse debate com o Ipac, que inclusive vai fazer as duas licitações das obras. Não será a Conder, a Secretaria da Educação, porque quem tem especialidade nessa área de patrimônio é o Ipac. Tanto o projeto como as obras vão passar por eles. A Secretaria de Educação vai dar o conteúdo pedagógico. O projeto pedagógico é nosso. É óbvio que a Escola Park já tem um projeto pedagógico histórico. Mas a gente vai dar o contexto atual, porque quando a Escola Park foi criada, ela foi criada com aquelas classes no entorno dela. Era outro momento. O estudante podia se deslocar. A gente não tinha muros invisíveis, todo esse contexto que a gente vive hoje. Ainda tem outro elemento da educação integral. O menino não vai mais conseguir sair da sua classe para ir à Escola Park para poder desenvolver atividade. Então a gente tem redesenhado esse projeto da Escola Park, mas está bem avançado. Minha expectativa é que em maio a gente já vai ter o projeto na rua, licitado. Depois aí mais uns 60 dias para começar a obra.
Para concluir, a secretária de Educação projeta a entrada de mais de 200 mil novos alunos na rede estadual, muitos deles vindos da rede particular ou municipal. Como está a situação das vagas? Alguma novidade em relação às matrículas?
A rede está muito preparada. Já falei do investimento em infraestrutura física para absorver mais estudantes. E mais do que isso: a gente fez concurso em 2022. Convocamos todos os concursados do Edital. Nós convocamos todos, mas a gente chamou mais, além das vagas do edital. A gente chamou um cadastro de reserva. São 1.679 entre professores e coordenadores. Tem outro grupo aí que está para ser chamado. A gente só está fazendo gestão mesmo de recurso, de RH, para ver como é que aloca cada profissional em seu lugar. Porque são servidores públicos. Eu não posso chamar sem ter um planejamento cuidadoso. É dinheiro público, ela passa a ser servidor público. Entrou no Estado, acabou. Só se fizer uma coisa muito equivocada para sair. Então, a gente está fazendo tudo com muito cuidado, muita dedicação. A rede está toda pronta para receber os estudantes, a matrícula. Nós estamos com muita ansiedade para, a partir do dia 13 de janeiro até o dia 21, começar a matrícula. As escolas estão prontas. Inclusive elas vão funcionar nas férias. Isso é uma coisa importante para a gente garantir a permanência do estudante, essa rede de cuidado que a gente quer manter na educação. Por isso, nas férias as escolas estarão abertas para desenvolver atividades, projetos de arte, de cultura, de esporte, de recomposição da aprendizagem. Porque a gente sabe que até hoje os impactos da pandemia afetam a aprendizagem dos estudantes. Afeta a nossa vida de adulto, imagina os estudantes que ficaram um tempo afastados da relação social, do processo de aprendizagem da escola. A gente também vai cuidar da recomposição da aprendizagem desses estudantes com a oficina de português e matemática. Vem aí um grande mutirão para a gente poder receber esses novos 200 mil estudantes. Em todas as entrevistas que dou, eu digo que a rede tem sala de aula, tem vaga para todo mundo. É essa rede potente que a gente vê aqui, que tem projetos premiados internacionalmente de iniciação científica, tem projetos incríveis de arte e de cultura. Tem meninos cantando e fazendo pesquisa. Criando luva biodegradável com sisal, fazendo pesquisa sobre anemia, falciforme e protetor solar da folha de goiabeira. É essa rede que a gente quer entregar. Uma rede inovadora, criativa e com um time muito dedicado, entre professores, coordenadores, gestores, para receber os estudantes em 2025.
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