EDUCAÇÃO
Entidades avançam na luta por equidade étnico-racial na educação
Dados fazem parte do balanço das ações do último ano
Por Gabriel Vintina*
O Brasil, apesar de ter avançado em alguns aspectos, ainda enfrenta uma realidade marcada pela desigualdade étnico-racial nas escolas, o que se reflete diretamente no desempenho acadêmico de alunos negros, indígenas e quilombolas. A disparidade educacional, conforme apontado pelo levantamento recente da ONG Todos Pela Educação, mostra que o acesso de jovens negros ao ensino médio ainda equivale a um atraso de uma década em comparação com seus colegas brancos.
Os dados apresentados ontem, fazem parte do balanço das ações do último ano, na segunda edição do encontro de autoridades e especialistas que discutem em Salvador a implementação de políticas antirracistas na educação básica. Promovido pelas organizações Mahin Consultoria Antirracista e Todos Pela Educação, o encontro aponta os desafios que ainda persistem.
Ellen da Silva, cofundadora da Mahin Consultoria, destacou que, embora o encontro de 2023 tenha sido um marco, as barreiras para a implementação de políticas educacionais antirracistas ainda são significativas. "O desafio começa com a sensibilização das lideranças, que muitas vezes enxergam a educação das relações étnico-raciais como uma agenda paralela, sem entender sua importância estruturante para a qualidade educacional", afirmou. Essa falta de compreensão, segundo ela, é um dos principais obstáculos a serem superados.
A cofundadora ressaltou as diferenças entre o evento realizado no ano passado e esta edição na capital baiana. “O evento do ano passado estava focado em ampliar a agenda, reunindo autoridades, deputados, secretários de Educação e atores estratégicos do terceiro setor e do setor educacional. Foi uma abordagem mais voltada para a conscientização, sensibilização e aprendizado. Este ano, a estratégia é um pouco diferente. Estamos focados em fortalecer e expandir o imaginário dos técnicos presentes, que representam quase um terço do evento, sobre as possibilidades de políticas educacionais antirracistas”.
A transversalidade das políticas também se apresenta como um desafio, conforme ressaltado por Ellen. Para que sejam bem-sucedidas, as ações antirracistas precisam estar integradas a todas as áreas da educação, desde a alocação de professores até a formação continuada. “É uma política onerosa e exige articulação entre diversas frentes dentro das secretarias de educação”, comentou a especialista.
No âmbito estadual, a Secretaria de Educação da Bahia tem sido um dos destaques nas ações voltadas para a equidade racial. O diretor de gestão e planejamento estratégico, Astor Vieira, destacou que a Bahia, um estado com grande maioria da população negra, tem trabalhado para que a inclusão racial seja uma pauta central nas escolas públicas. “Temos projetos que promovem a educação antirracista e a formação continuada de professores. Além disso, valorizamos a história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolares”, disse.
Entre as iniciativas da secretaria, Vieira ressaltou a importância de projetos como a formação de professores voltada para a sensibilização racial e a inclusão de materiais didáticos que não reproduzam estereótipos discriminatórios. Ele também mencionou o esforço da Bahia em promover o reconhecimento da identidade negra entre os alunos, combatendo o racismo estrutural presente nas instituições de ensino.
Jackson Almeida, analista de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, acrescentou que a organização tem desempenhado um papel crucial na promoção da equidade étnico-racial. "O Todos Pela Educação tem colaborado com a Mahin na condução de produções técnicas e posicionamentos que impulsionam as discussões sobre o tema", disse. Segundo ele, é necessário ampliar o diálogo com gestores públicos e líderes educacionais para que essas discussões se traduzam em ações práticas. “Precisamos garantir que essas políticas cheguem às salas de aula, com conteúdos que abordem o racismo estrutural de forma contínua e estratégica, não apenas em datas específicas, como o mês da Consciência Negra”.
Além disso, Jackson enfatizou a importância de adaptar os currículos escolares para incorporar temas relacionados à equidade étnico-racial. "É preciso investir em políticas pedagógicas que apresentem a estudantes negros e negras a relevância de suas ancestralidades e culturas, promovendo uma formação integral que fortaleça suas identidades", explicou. Segundo ele, essa abordagem deve ser contínua e articulada com outras políticas públicas.
No entanto, apesar dos esforços locais, há uma resistência que ainda precisa ser enfrentada. A negação do racismo, que muitas vezes se manifesta de forma sutil, é uma barreira significativa. “Há casos de deslegitimação da agenda antirracista, tanto em esferas de gestão quanto entre os próprios professores”, afirmou Ellen da Silva. Esse fenômeno, segundo ela, é um reflexo da estrutura racial do país, que precisa ser combatida com educação e políticas públicas fortes.
A Secretaria de Educação da Bahia reconhece esses desafios e tem trabalhado para enfrentá-los. De acordo com Astor Vieira, a pasta tem se empenhado em aplicar as leis como a 10.639/2003, que garante a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. “Nosso objetivo é garantir que a educação baiana reflita a diversidade e enfrente o racismo em todas as suas formas”, disse.
O evento "Equidade Étnico-Racial na Educação Básica: Caminhos Possíveis", que acontecerá em Salvador no dia 12 de setembro de 2024, será a segunda edição desse importante encontro. Organizado pelo Banco Mundial e Mahin Consultoria, com apoio do Todos Pela Educação, o evento reunirá gestores públicos, parlamentares e especialistas para discutir os avanços e os desafios na implementação de políticas antirracistas no Brasil.
Um dos principais objetivos do evento será o lançamento do documento “Inclusão Afrodescendente na Educação”, produzido pelo Banco Mundial, que visa orientar as políticas educacionais com um foco mais incisivo na equidade racial.
Com a participação de representantes de mais de 20 secretarias de educação e especialistas renomados, a expectativa é que o evento sirva como um catalisador para novas ações em prol da equidade racial nas escolas brasileiras. "Queremos que essas políticas não sejam apenas uma meta, mas uma realidade em todo o Brasil", concluiu Ellen da Silva. Com esses esforços, as organizações envolvidas esperam que a educação para as relações étnico-raciais se torne, cada vez mais, uma premissa essencial para a construção de um sistema educacional mais justo e igualitário.
*Sob a supervisão do jornalista Luiz Lasserre
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