EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Guardiões da APA: estudantes do IFBA protegem Mata Atlântica e nascente de importante rio
Entre árvores centenárias da APA Joanes-Ipitanga, grupo transforma a educação ambiental em experiência de memória e resistência

Entre árvores centenárias, um grupo de estudantes de Engenharia Mecânica guia visitantes pela trilha que corta a Área de Proteção Ambiental (APA) Joanes-Ipitanga, em Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador (RMS). “A gente faz um círculo, pede silêncio e deixa todos ouvirem o verdadeiro som da natureza. É o que chamamos de banho de floresta”, explicou Alisson Lima, mestre em Ciências Ambientais e coordenador do Projeto Guardiões da APA.
Criado em 2025, o Guardiões da APA nasceu como desdobramento da disciplina Projeto Social, ministrada pelo professor Alisson Lima. A princípio, o desafio era revitalizar uma trilha já existente dentro do campus, mas o trabalho foi além. Virou um compromisso com a biodiversidade, memória local e saberes ancestrais.

A TARDE acompanhou de perto essa experiência na APA Joanes-Ipitanga. A reportagem percorreu a trilha, conheceu sua estrutura e entendeu como ela tem contribuído para a educação ambiental de estudantes e da comunidade local.
Memória e resistência
Desde a inauguração, o Guardiões da APA atua para salvaguardar o território da APA, desenvolvendo projetos de preservação, reflorestamento e educação ambiental.
Em pouco mais de duas décadas, já foram plantadas mais de sete mil mudas nativas, reforçando o compromisso com a recuperação da Mata Atlântica e a proteção dos recursos hídricos da região.
Hoje, quem percorre a trilha encontra ipês, bromélias, orquídeas, sábias, preguiças e até jacarés-de-papo-amarelo, umcasal solto nos anos de 2000 pelo professor Rui Mota, primeiro diretor do campus e pioneiro da preservação local.
O percurso também resgata episódios marcantes da história da região. Antes de se tornar APA, a área sofria com queimadas frequentes provocadas pela torra de castanha e pela extração irregular de areia usada na construção civil.
“A partir daí começou também a jornada de preservação ambiental, liderada pelo professor Rui Mota, primeiro diretor do campus Simões Filho. Ele esteve à frente das principais ações de reflorestamento, introduzindo espécies nativas, promovendo o cercamento da área e garantindo maior proteção ao território”, lembrou Ruan Arthur, estudante e membro fundador do projeto.

O bolsista do Projeto Teias e líder do Guardiões da APA, Ângelo Leonardo, também recorda que a área onde hoje se caminha já foi, no passado, a Lagoa dos Tocos.
“Antigamente, isso aqui tudo que a gente está pisando era água. Era justamente uma casa de bomba que era utilizada pelo Centec [Centro de Educação Tecnológica da Bahia] para abastecer os prédios. E aí, com o tempo, o aquecimento das cidades, das ilhas de calor e o aumento da temperatura das cidades contribuíram para que essa lagoa desaparecesse definitivamente”, relatou Ângelo, apontando para um trecho onde ainda é possível ver sinais de água correndo discretamente no solo.

Entre uma curva e outra, histórias da comunidade se misturam à paisagem. Moradores antigos atravessam a trilha para chegar em casa, como o servidor conhecido como “seu Bondoso”.
“A gente conseguiu captar muito conhecimento da história daqui. Hoje, tem uma parte da trilha que ainda é utilizada diariamente por um funcionário, o seu Bondoso. Esse caminho aqui sai lá no quintal dele”, detalhou Ruan.

Saberes tradicionais e plantas que curam
A trilha não é só ecológica. É também memória ancestral. Comunidades quilombolas da região - como o Quilombo do Dandá e Pitanga dos Palmares - mantêm relação direta com a floresta e suas ervas medicinais.
Durante o percurso, os visitantes aprendem sobre plantas como o babatenã, usado em banhos e garrafadas; a canela-de-velho, conhecida por tratar artrite, artrose e inflamações crônicas; e a sucupira, cujas sementes oleosas possuem propriedade anti-inflamatórias. O ananás selvagem, pequeno abacaxi nativo, também é lembrado por suas funções digestivas e por seu papel em cultos afro-brasileiros.
“Ao longo dessa trilha veremos outras [plantas] que têm uma relação com as divindades de candomblé, de matriz africana. É importante falarmos sobre a cultura e o culto das comunidades tradicionais porque a gente tem estudantes quilombolas, candomblecistas, e eles se sentem, de alguma forma, incluídos e conseguem ver a importância de seus territórios e das suas culturas na trilha também”, destacou o professor Alisson.

A iniciativa também rende frutos acadêmicos. Pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) instalaram colmeias de abelhas nativas sem ferrão para monitorar a influência da paisagem urbana sobre as comunidades de abelhas e suas interações ecológicas.
“O objetivo do trabalho é entender como o avanço da urbanização pode impactar as abelhas e suas interações ecológicas nas cidades, para partir da pesquisa conhecer o que tem de abelhas e plantas nas cidades, incentivar o plantio de árvores importantes para as abelhas permanecerem nessas áreas e conservar o que já existem”, explicou Alisson.

Água, economia e futuro
O ponto mais sensível da trilha é a nascente do rio Ipitanga - localizada na Lagoa dos Tocos, dentro do município de Simões Filho e nas imediações do IFBA. Essencial para a segurança hídrica de Salvador e RMS, ela sofre com poluição causada por esgoto doméstico e resíduos industriais. Recuperá-la é um dos grandes objetivos do projeto.
“O Inema fez a análise das águas, da nascente do Ipitanga, que também é um braço do afluente do rio Joanes, e o resultado mostrou que estão poluídas. A gente tem pensado em formas de despoluição da nascente, e um dos compromissos do Guardião é justamente tentar elaborar um projeto mais amplo de descontaminação dessa área”, disse Alisson.

Manter a nascente viva é também sustentar a economia da região. Muitas famílias dependem da produção agroecológica e do uso da piaçava, fibra que dá origem a vassouras, escovas e artesanatos.
“E, como os meninos falaram, é muito importante preservar esses rios, porque todas essas águas são esperadas pelas comunidades. Se elas passarem pela cidade, pela área urbana, e saírem contaminadas, quando chegarem lá a comunidade não vai conseguir ter abastecimento de água para manter a produção agroecológica. E nós temos várias comunidades rurais que sobrevivem dessa produção”, relatou o professor.

Parcerias e próximos passos
O projeto Guardiões da APA conta com bolsas financiadas pelo IFBA (cerca de R$ 700 por estudante) e já atraiu apoio de empresas que doam mudas nativas. Para o futuro, o grupo planeja ampliar o alcance: criar um tour virtual, oferecer cursos de combate a incêndios florestais em parceria com o Corpo de Bombeiros e transformar a trilha em espaço permanente de extensão.
“Às vezes a gente pensa em uma estrutura ou alguma coisa que a gente vai precisar de um investimento financeiro e o campus tem um orçamento limitado em algumas áreas. Então, se a gente tivesse empresas parceiras aqui, poderíamos fazer com que o alcance do projeto, até para a comunidade, para a cidade de Simões Filho fosse maior”, afirmou Alisson.
Quem tiver interesse pode se associar e participar acessando o Instagram @ifbasimoes.
“Gostaríamos que todos que participam da nossa trilha ou ouvem sobre o projeto também se tornassem Guardiões da APA, cuidando e preservando este local. É importante entender o papel que ela tem no nosso dia a dia e na vida da comunidade, não só em Simões Filho, mas em todos os 13 municípios que compõem a APA Joanes-Ipitanga”, declarou o membro fundador, Jorge Vilemar.
A trilha é aberta gratuitamente à comunidade, com visitas agendadas para escolas, famílias e moradores da região, oferecendo à comunidade oportunidades de aprendizado e contato direto com a natureza e os saberes tradicionais da região.
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