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Tecnologia nas escolas traz dilema dos benefícios e riscos do digital

Instituições, pais, estudantes e professores buscam equilíbrio no uso de ferramentas

Publicado domingo, 28 de abril de 2024 às 05:00 h | Autor: Madson Souza
Karine Oliveira é dona da startup Wakanda Educação Empreendedora
Karine Oliveira é dona da startup Wakanda Educação Empreendedora -

Desde que a pandemia impulsionou de vez o uso das tecnologias nas escolas, pais, estudantes e professores vivem o dilema de equilibrar benefícios e riscos do mundo digital. Neste domingo em que se comemora o Dia Mundial da Educação é preciso - tal qual aluno atento - discutir a relação entre adoção de novas tecnologias e educação.

Com a necessidade do ensino à distância (EAD) por decorrência da pandemia, as plataformas de aprendizado online tiveram aumento no número de usuários, caso do Moodle e do Google Classroom. As tecnologias para aulas virtuais como Zoom, Microsoft Teams, e Google Meet passaram pelo mesmo processo.

Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced - UFBA), Nelson Pretto, esse processo trouxe uma banalização do uso das tecnologias na educação. “Ficou no imaginário das pessoas que a aula programada para ser presencial pode ser transferida para o online automaticamente. E isso é um verdadeiro absurdo. A educação a distância não significa a mera transposição da aula presencial para o online. Ela demanda todo um planejamento e preparação de materiais para que isso possa acontecer”.

Ele exemplifica que diante de qualquer dificuldade, como, por exemplo, as chuvas na cidade, os alunos pedem aulas remotas. “A concepção de educação à distância foi jogada no lixo, porque ficou a ideia de que um professor falando numa tela, inclusive sem ninguém ligar a tela, corresponde a uma aula. Isso não é aula, isso não é educação, isso não é nada”, afirma Nelson.

Ficou a impressão de que a tecnologia é uma válvula de escape para um problema maior, conforme Alírio Marques, pós-graduado em gestão escolar e coordenação pedagógica. “Acredito que a tecnologia pode continuar sendo, assim como foi, de grande ajuda e um grande auxílio para alunos e educadores”.

Vigilância necessária

Mas para isso é preciso ter alguns cuidados. Alírio cita que é necessário vigiar para que a tecnologia não substitua aspectos essenciais do ensino e da aprendizagem, que haja equidade de acesso e garantia de conectividade - não só de equipamentos.

Tão importante quanto os cuidados acima, é preciso estudar a tecnologia para que se possa estudar com a tecnologia, de acordo com Nelson Pretto. E isso significa envolver o aluno nesse processo para que ele faça um uso “desconfiado” desses aparatos. “Essas tecnologias precisam estar dentro da sala de aula para a gente compreender como elas funcionam e o que nós podemos fazer para não ficarmos escravos delas, como estamos hoje. Os alunos precisam estar envolvidos para que esse uso (das plataformas) seja um uso desconfiado, ou seja, para que ele compreenda como funcionam essas tecnologias e não seja enganado por esses algoritmos opacos”, comenta Nelson Pretto.

Para a neuropsicopedagoga especialista em neurociência e educação, Janaína Alves, há pontos que precisam ser observados nessa relação. “Podemos dizer que a inclusão, na verdade, a exclusão é o gargalo em relação à adoção de novas tecnologias na educação”, afirma. Esse tema tem sido espaço de fortes investimentos do Governo do Estado, através da Secretaria de Educação da Bahia (SEC).

De acordo com a secretária Rowenna Brito, titular da pasta, a tecnologia é importante no processo pedagógico. “Não proibimos o uso das novas tecnologias nas escolas. Nós somos favoráveis ao uso pedagógico das ferramentas e equipamentos eletrônicos em sala de aula sob a orientação dos professores, pois eles dinamizam o processo de ensino e aprendizagem, tornando as aulas mais atrativas e interativas”, afirma.

No início do ano letivo, a SEC distribuiu 148.804 tablets para os alunos da rede estadual por meio do Projeto Conectar para Educar. Outra iniciativa do Estado é o programa Ciência na Escola, em que são feitas produções científicas que dialogam com as áreas de estudo. No final de 2023, mais de mil projetos foram apresentados durante o Encontro Estudantil, realizado na Arena Fonte Nova.

O Instituto Anísio Teixeira (IAT), autarquia pertencente à SEC, também possibilita pesquisas, experimentos e inovações pedagógicas para formação de educadores. Acontecem também os projetos Festival de Invenção e Criatividade, a realização das Caravanas Digitais e a implementação do projeto Agência de Notícias na Escola.

As iniciativas contribuem também para combater as desigualdade no acesso à internet e dispositivos eletrônicos. Apesar de registrar seguidos aumentos anuais no número de pessoas que acessam a internet, em 2022 a Bahia ainda tinha 84,5% de participação de internautas na população de 10 anos ou mais de idade, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC). No Brasil como um todo, a proporção era de 87,2%.

Celular em classe

O uso de celular em sala de aula é um tema que suscita discussões e não é de hoje. Foi encaminhado à Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) no mês de fevereiro, o projeto de lei nº 25.203/2024, que designa a proibição do uso do telefone celular nas salas de aula das instituições de educação de toda a Bahia. O projeto é do deputado estadual Roberto Carlos (PV) e trouxe à tona – mais uma vez – a discussão sobre o uso dos aparelhos nas escolas.

Para a neuropsicopedagoga especialista em neurociência e educação, Janaína Alves, não se pode nem endeusar, nem demonizar o aparelho. É recorrente que parte dos alunos usam o celular para outras funções além das estudantis e que isso pode atrapalhar o professor ou outros alunos. Mas é preciso educar os estudantes, conforme explica Janaína. “É importante que nossos educandos tenham conhecimento do uso adequado do celular, que eles tenham voz e vez, mas que sejam educados quanto a isso, que desenvolvam responsabilidade quanto ao uso desses aparelhos na escola e assim possam utilizá-los sem que isso seja uma problemática para a educação”.

Segundo Alírio, a proibição pode ter um efeito contrário. “Tudo que é proibido é mais gostoso, então se é mais gostoso a minha adrenalina vai estar lá em cima e vou fazer o possível para poder desobedecer a essa regra. Tem que entender o porquê da utilização, para que a utilização dessa tecnologia, e de que modo ela deve ser utilizada. E isso é um trabalho de toda comunidade escolar”.

Ferramenta educacional

A tecnologia pode auxiliar a educação em várias dimensões, inclusive fora da sala de aula. A startup Wakanda Educação Empreendedora se aproveita das possibilidades oferecidas pelas plataformas digitais para simplificar o entendimento do linguajar do marketing e do empreendedorismo, através da tradução dessas informações por meio da linguagem informal regional, como o ‘baianês’, ‘carioquês’ e outros.

Voltado para o público que precisa empreender para sobreviver, a startup disponibiliza conteúdo online e realiza algumas acelerações por meio do Whatsapp. Para a empresária, Karine Oliveira é preciso se atentar às possibilidades da tecnologia em relação à educação.

“Tecnologia é uma ferramenta. Você sabendo utilizar essa ferramenta ela te ajuda a construir coisas incríveis e você não sabendo ela pode te machucar. A tecnologia ajuda com capilaridade, com você se conectar com pessoas distantes e muitas outras coisas”, afirma.

Acessibilidade melhora desempenho de aluno

Acometido pela rara síndrome de Joubert, que acarretou baixa visão e problemas com coordenação motora, o jovem Lucas Daiello, de 18 anos, sempre teve dificuldade na escola. Foi apenas com a chegada da pandemia e a implementação de aulas remotas que ele conseguiu se desenvolver melhor nos estudos com apoio de tecnologias de acessibilidade.

Para Lucas essa foi uma oportunidade de encarar a escola com menos desafios. Nas aulas presenciais, o jovem estudante precisava lidar com a dificuldade para ler o material por conta de sua baixa visão e sofria com a disgrafia - problema persistente na capacidade de escrever de maneira clara e organizada -, que fez com que ele escrevesse devagar e com uma grafia de difícil compreensão. Em nenhuma das escolas pelas quais passou foi permitido que Lucas usasse computador, celular ou tablet para acompanhar as aulas. Ele explica por que se sentiu melhor no modelo EAD.

“A tecnologia ajudou muito para os meus estudos. Foi na pandemia que consegui estudar melhor, consegui fazer atividades de maneira melhor, fazer provas melhor e foi tudo muito melhor para mim, porque eu podia escrever sem ter a preocupação do professor entender, do professor dizer para eu fazer de novo, o que já me aconteceu várias vezes”.

A mãe de Lucas, a psicomotricista Lucia Daiello, organizou um espaço de estudo adequado para o filho em sua casa. Monitor de 32 polegadas, teclado com menos resistência ao apertar das teclas - com configuração para que se ele apertar muitas vezes a mesma tecla o teclado não digite sem parar aquele caractere -, mouse que desliza melhor e que tem menos atrito, seta do mouse com tamanho maior. Além das configurações de acessibilidade, como leitor de tela, contraste e outras tecnologias.

Para Lúcia, o ensino com apoio dessas tecnologias quebrou uma barreira que atrapalhava o desempenho do filho. “Ele ficou muito mais focado, participou muito mais das aulas, as notas dele foram muito melhores, até porque ele enxergava muito melhor o que estava sendo explicado, o que o professor escrevia. Os dois anos de isolamento durante a pandemia foram os melhores anos de estudo dele. Então, o que antes existia de barreira para o aprendizado, caiu com o uso da tecnologia em casa”.

A melhora no seu rendimento o levou até a premiações. Lucas participou por dois anos da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica, conquistando medalha de ouro e de prata. Participou até das seletivas internacionais, mas não se classificou. Disputou também duas edições da Olimpíada Virtual de Física, onde ganhou medalha de ouro e menção honrosa, além de ter conquistado menção honrosa na Olimpíada Brasileira de História. “Tudo isso foi muito importante para ele. Levantou bastante a autoestima e o ajudou a manter o bom rendimento na escola nessa época”, afirma Lúcia.

No início do mês, a SEC anunciou um pacote de ações com objetivo de promover inclusão e acessibilidade a baianas e baianos com deficiências e neurodivergências. Foi liberado um Fundo de Assistência Educacional (Faed), no valor de R$ 3,8 milhões, para o fortalecimento de práticas pedagógicas voltadas, exclusivamente, aos estudantes com deficiência.

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