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AUTOESTIMA

Empreendedoras negras revelam novos olhares sobre a beleza feminina

Consultoria de imagem, ensaio fotográfico e maquiagem possibilitam que mulheres mudem a forma de se enxergar

Por Thaís Seixas

31/05/2023 - 6:00 h | Atualizada em 31/05/2023 - 8:17
Débora Monteiro se descobriu como 'fotógrafa da alma feminina'
Débora Monteiro se descobriu como 'fotógrafa da alma feminina' -

Todas as pessoas nesta reportagem são mulheres. Primeiro, as protagonistas: três empreendedoras negras, donas de si e dos próprios negócios nas áreas de imagem e beleza, que impactam positivamente a vida de outras mulheres. Estas também aparecem por aqui. São clientes que utilizam ou já contrataram os serviços de consultoria de imagem, fotografia ou maquiagem, e que passaram a se enxergar a partir de uma nova perspectiva. Por último, há aquelas que são detentoras de informações e dados sobre mercado, formalização e empreendedorismo feminino.

A fotógrafa Débora Monteiro, a consultora de imagem Cáren Cruz e a maquiadora Natália Cavalcante têm muito em comum: são baianas, negras e exercem atividades relacionadas ao empoderamento e à autoestima feminina. Os negócios criados por elas passaram por diferentes fases, desde a ideia inicial, o conhecimento sobre o setor, a atuação propriamente dita e o alcance de resultados, não só financeiros mas, principalmente, relacionados às mudanças externas e internas percebidas pelas clientes.

As três estão entre os 75% do total de empreendedoras na Bahia que são pardas ou pretas; 49% que têm uma empresa do tipo MEI; e 39% que atuam no setor dos serviços. Os dados fazem parte da pesquisa ‘Desafios e oportunidades do empreendedorismo feminino na Bahia’, realizada pelo Sebrae com 803 mulheres empreendedoras, entre os dias 3 e 10 de abril deste ano. O grau de confiança é de 99% e a margem de erro de 5%. O levantamento mostra ainda o segmento de beleza na terceira posição do ranking de negócios, ficando atrás apenas dos setores de ‘Alimentos e bebidas’ e de ‘Costura e confecções’.

O voo da borboleta

Débora tem 38 anos e há mais de 15 trabalha com fotografia. No estúdio próprio, localizado na avenida Tancredo Neves, em Salvador, ela realiza ensaios que revelam muito mais do que aquilo que é visto através da câmera, na tela do computador ou no álbum impresso. “Eu me descobri como fotógrafa da alma feminina. E o meu trabalho é resgatar a autoestima da mulher, fazer com que ela se conecte com a própria essência que acredita não ter, mas que, dentro da fotografia, é um processo revelador. Eu atuo com gestantes e mulheres de várias idades, desde ensaios sensuais àqueles que eu chamo de ‘Metamorfose’, que é um ensaio de descoberta”, explica.

Do grego ‘metabole’ – que significa mudança –, a metamorfose é um processo de transformação que acontece, por exemplo, com a borboleta. Ela começa dentro do ovo e passa pela fase da lagarta, até se desvencilhar do casulo e ganhar o mundo. Da mesma forma, a metamorfose proposta por Débora Monteiro engloba mulheres que precisam de um ‘empurrãozinho’ para deixar o casulo e alçar voo.

Eu me descobri como fotógrafa da alma feminina. E o meu trabalho é resgatar a autoestima da mulher

Débora Monteiro - fotógrafa

Uma delas é a farmacêutica Timna Vitório, de 34 anos. Ela conheceu o trabalho da fotógrafa em 2020, por meio de uma amiga, que compartilhou o link de uma promoção no Instagram em que Débora convocava mulheres a contarem as próprias histórias para concorrer a um book gratuito, com direito a maquiagem e figurino. Inicialmente cética, Timna resolveu apostar na oportunidade e foi uma das selecionadas. Dois anos antes, a farmacêutica especialista em estética havia passado por uma cirurgia bariátrica e perdeu 52 quilos. Ela lembra que, quando ganhou o book, ainda não estava segura em relação às mudanças no corpo.

“Passar de 105 para 53 quilos é muita coisa. Eu não me reconhecia como pessoa nem como mulher, porque o corpo muda, mas a nossa mente não é alterada na mesma velocidade. Antes da Metamorfose, eu seguia o padrão da maioria dos obesos: se a roupa coube, eu visto. A partir do ensaio, consegui ver que eu sou bonita - e não aquilo que me diziam antes, que eu era feia, gorda, baleia e que estava fora do padrão imposto pela sociedade. Óbvio que são etapas construídas e isso leva tempo, mas começou através do projeto de Débora”, relata.

  • Timna Monteiro ganhou um book em uma promoção no Instagram
    Timna Monteiro ganhou um book em uma promoção no Instagram |
  • "Eu não me reconhecia como pessoa nem como mulher", diz Timna
    "Eu não me reconhecia como pessoa nem como mulher", diz Timna |
  • Timna conheceu o trabalho de Débora Monteiro em 2020
    Timna conheceu o trabalho de Débora Monteiro em 2020 |
  • A farmacêutica passou por uma cirurgia bariátrica em 2018 e perdeu 52 kg
    A farmacêutica passou por uma cirurgia bariátrica em 2018 e perdeu 52 kg |
  • Ela percebeu a mudança na forma de se enxergar após o ensaio
    Ela percebeu a mudança na forma de se enxergar após o ensaio |

Foi também pelas redes sociais que a pedagoga e administradora Joelma Souza passou a acompanhar a produção fotográfica de Débora, depois que uma comadre fez um ensaio de gestante. Ela havia acabado de completar 40 anos, ansiava por mudanças e resolveu se presentear com um book. Joelma escolheu Débora por priorizar os serviços prestados por mulheres negras e também por ter se identificado com a história da fotógrafa, além, é claro, da qualidade dos trabalhos divulgados nas redes sociais.

Um vídeo gravado pela equipe de Débora mostra o momento em que Joelma confere o resultado dos cliques logo após a sessão, e se emociona ao direcionar o olhar para si mesma. “Minha reação era chorar, ao perceber que, dentro de mim, havia uma mulher adormecida com a correria do dia a dia, de cuidar dos filhos e do trabalho. Eu tinha esquecido o quanto era sexy e potente, porque eu estava apenas vivendo para cuidar do outro, e esse ensaio me fez olhar para dentro de mim”, lembra.

A pedagoga havia sido casada por 18 anos e se separou há sete. Agora, em um novo relacionamento, Joelma enfatiza que os últimos anos foram de descobertas e desligamentos de amarras sociais, que também refletiram nas fotos. “Infelizmente, o machismo ainda está impregnado nas pessoas, não só nos homens. Talvez, 18 anos atrás, eu olharia para alguém em uma foto igual à minha e diria: ‘jamais farei isso’. Mas eu tenho feito coisas que não me permitiria. Por exemplo, meu sonho era raspar a cabeça. Não tive coragem ainda, mas cortei baixinho e pintei de loiro. Uma mulher preta com cabelo loiro”.

  • Pedagoga Joelma Souza acompanhava o trabalho de Débora Monteiro pelas redes sociais
    Pedagoga Joelma Souza acompanhava o trabalho de Débora Monteiro pelas redes sociais |
  • Ao completar 40 anos, Joelma decidiu se presentear com um ensaio
    Ao completar 40 anos, Joelma decidiu se presentear com um ensaio |
  • Nova fase de descobertas se refletiu nas fotos
    Nova fase de descobertas se refletiu nas fotos |
  • Joelma se permitiu passar por novas experiências
    Joelma se permitiu passar por novas experiências |
  • Ela foi surpreendida pelo resultado das fotos
    Ela foi surpreendida pelo resultado das fotos |

Donas de negócios

Segundo o levantamento ‘Empreendedorismo Feminino no Brasil em 2022’, o número de mulheres donas de negócios alcançou recorde no ano passado, com 10.344.858 no país, sendo que a maioria (87%) ainda trabalha sozinha. Na Bahia, 34% do total de pessoas que possuem o próprio negócio são mulheres. O percentual segue a média nacional, que é de 34,4%.

A analista e gestora estadual do programa Sebrae Delas, Rosângela Gonçalves, explica quais são os principais fatores que levam as mulheres a empreender: a maternidade e o desejo de alcançar um objetivo profissional, uma vez que não se sentem valorizadas nas empresas. Em relação às mães, há ainda uma parcela que é demitida após o período de estabilidade, uma vez que o mercado entende que elas não se encaixam mais na atividade que exerciam antes dos filhos.

A especialista alerta que, em muitos casos, a urgência em ter uma renda acarreta na falta de planejamento e, posteriormente, na vida curta do negócio. Outro passo importante é a formalização, que auxilia na evolução do empreendimento. “Quando o negócio é formalizado, ele só tem a ganhar, principalmente se for no formato de MEI, que desburocratizou a abertura de empresas no país. Quando a pessoa se formaliza, tem a oportunidade de aumentar as vendas porque pode emitir nota fiscal; tem acesso a benefícios do INSS; tributação simplificada, que não está atrelada ao volume de vendas; e prioridade em licitações públicas”, enumera.

Imagem que comunica

A formalização foi um divisor de águas para a relações públicas e consultora de imagem Cáren Cruz, dona da Pittaco Consultoria. Hoje consolidado como uma startup, o negócio começou como um blog, evoluiu para uma loja itinerante e, até chegar ao modelo atual, foi incrementado ao longo do tempo, participando, por exemplo, dos programas de aceleração Aceleraê e Startup Nordeste.

A relações públicas e consultora de imagem Cáren Cruz transformou blog em startup
A relações públicas e consultora de imagem Cáren Cruz transformou blog em startup | Foto: Raphael Müller | Ag. A TARDE

A ‘virada de chave’ para transformar o hobby em uma fonte de renda veio a partir da experiência com a loja, que passava por feiras, exposições e estabelecimentos comerciais. “Eu recebia um público que desejava um atendimento personalizado, que respeitasse sua forma de se vestir e se conectar com o mundo. E aí eu vi a consultoria de imagem dentro do mercado baiano como uma possibilidade de rentabilizar, porque havia muitas mulheres com grandes potenciais, que não conseguiam ser respeitadas em seus campos de atuação. Essa mulher passa a entender que o corpo dela é uma forma de se revelar para o mundo, de se posicionar, manifestar seus ideais”, reflete.

A primeira decisão de Cáren foi abrir o MEI. Mas, quando a empresa começou a ganhar um formato mais profissional, a empreendedora procurou o suporte do Sebrae, relação que ganhou um caráter formal quando, em 2015, ela desbancou cerca de 400 empresas da Bahia e ficou entre as 15 finalistas do prêmio Sebrae Mulher de Negócios.

“Consegui algumas consultorias de finanças, marketing e administração. E foi nesse momento que eu comecei a entender que estava tudo errado. Fechei o Pittaco por dois anos, em um processo de incubadora, e fui desenhando esse modelo de negócio pensando na consultoria de imagem. Para cada ano, eu iniciei um marco, e o primeiro foi abrir um estúdio. Agora, eu tenho até 2025 para executar e alcançar os outros marcos”, planeja.

Conhecimento compartilhado

Natália Cavalcante, de 34 anos, define a si mesma como empresária da beleza. Com formação em artes plásticas, há sete anos ela presta serviços de maquiagem e penteado, além de ministrar cursos de automaquiagem para peles negras e mentorias para profissionais que desejam trabalhar no ramo.

Em relação à cliente final, a proposta é agregar valor à imagem da mulher por meio das diferentes comunicações que a maquiagem pode alcançar. Segundo ela, trata-se de uma ferramenta poderosa que deve ser ativada no dia a dia, com a finalidade de empoderar e elevar a autoestima das mulheres negras.

Natália Cavalcante tem a proposta de agregar valor à imagem da cliente por meio da maquiagem
Natália Cavalcante tem a proposta de agregar valor à imagem da cliente por meio da maquiagem | Foto: Arquivo Pessoal

O atendimento é feito em domicílio e no salão localizado no Centro Empresarial da Pituba, mesmo local onde acontecem os cursos. Assim como Cáren, Natália também compartilha seus conhecimentos com outros empreendedores, e já expandiu o negócio para fora de Salvador. No último fim de semana, ela promoveu o primeiro curso de automaquiagem em São Paulo.

“Depois que eu terminei a minha formação, passei a me dedicar à carreira de maquiadora. Como eu já tinha uma bagagem em relação ao empreendedorismo criativo, apliquei essa experiência e fiz cursos, recebi certificados. Logo em seguida, fui convidada a lecionar para maquiadores, em instituições que fomentam o profissionalismo da beleza. Estou buscando sempre atingir esses outros profissionais que querem alcançar a mesma coisa, e ter estratégias para prestar um serviço de qualidade”, relata Natália.

Economia em alta

Além de proporcionarem um novo olhar sobre a própria beleza, elevarem a autoestima e empoderarem mulheres – sobretudo negras –, os negócios de Débora Monteiro, Cáren Cruz e Natália Cavalcante são também importantes para a movimentação da economia local, uma vez que agregam profissionais parceiros e/ou capacitam outros empreendedores para o setor.

A economista e professora da Unijorge, Débora Guimarães, explica que de forma ocorre este impacto. “Além delas empregarem outras pessoas, tem ainda a carga tributária, que é interessante para a economia, A gente sabe que os microempreendedores empregam muito mais, mas ainda há uma necessidade de informar essas pessoas sobre como elas podem tornar o negócio delas formal. Outro aspecto é poder fazer isso dentro da comunidade onde elas moram, fazer com que outras mulheres também se sintam aptas a empreenderem”, conclui.

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