EMPREGOS & NEGÓCIOS
"O mercado sempre se reinventa. Isso é inevitável", diz Fernando Passos
Por Osvaldo Lyra
Fundador da Engenho Novo, o publicitário Fernando Passos comemora essa semana os 40 anos da agência, que é responsável pela construção de imagens, marcas e reputações ao longo dessas quatro décadas. De acordo com ele, o mercado de publicidade e propaganda é muito dinâmico e exige que os profissionais da área estejam sempre à frente do seu tempo. “No momento que você não absorve as mudanças você fica parado”. Outra coisa que independe do momento é o processo criativo. “A boa ideia não se perde com o tempo”, diz. Para Fernando Passos, “as mudanças tecnológicas muitas vezes inibem o processo criativo”, mas depois acabam auxiliando. “A mudança tecnológica me serve exatamente para que eu pegue a minha ideia, meu processo criativo e coloque dentro dela”. E, ao falar sobre os momentos de crise que marcaram a história, como a atual pandemia, ele completou: “O mercado sempre se reinventa”. Confira:
Fernando, como sobreviver ao longo de 40 anos, com um trabalho em prol da Bahia, em prol da publicidade e propaganda do país?
Quero começar falando do jornal A TARDE, que é um parceiro de longas datas. Sempre construímos muitas coisas juntos, fizemos campanhas históricas. Na época do surgimento da Avenida Paralela, nós fizemos uma campanha que foi um sucesso, até premiada. Matava-se muito, porque era uma velocidade muito alta na avenida, e nós fizemos uma campanha em que colocamos carros batidos de quilômetro em quilômetro. Aí o pessoal achava estranho aquele negócio, mas a gente constatou que toda vez que uma pessoa vê um carro batido, ela para o carro, ela diminui a velocidade. E era essa a intenção. E aí na medida em que diminuía, a gente botava que “a Paralela mata, não corra”. Mas essa coisa da sobrevivência dos 40 anos, tem uma coisa importante que é você olhar o outro, respeitar, olhar o outro lado da questão. É você sair um pouco dessa arrogância empresarial de achar que sabe tudo. E publicitário tem essa mania de achar que sabe tudo. Como ele domina a comunicação, ele acha que é capaz de dominar o mundo, tem muito isso no publicitário. E nós não temos isso, nós soubemos respeitar as mudanças. Eu, nesses 40 anos, passei por várias mudanças tecnológicas e não tive a pretensão de aprender todas elas, até porque é impossível você aprender essas mudanças mercadológicas. O que você tem é que observar e perceber quem faz essas mudanças. Alguns profissionais não conseguiram absorver e morreram, ficaram parados na estrada. E é isso que acontece. Quer dizer, no momento que você não absorve as mudanças, você não percebe a mudança, você fica parado. Ao mesmo tempo você ser arrogante, dizer que você sabe tudo... Não, eu tenho orgulho das pessoas que trabalham comigo e tenho a percepção de que eles me complementam ou eu complemento eles. A minha maturidade junto com a modernidade, a contemporaneidade deles é que dá esse caldo da Engenho Novo hoje. Está há 40 anos na perspectiva do futuro mesmo, essa é a realidade.
Até mesmo a forma de lidar e fazer publicidade mudou muito ao longo desses anos. Você vem de uma época que antecede o fax... Você olha para esses 40 anos de que forma?
Eu olho sabendo que eu sou uma pessoa ainda importante nesse processo, sabe por quê? Porque uma coisa não mudou, que é a boa ideia. E nós somos produtores de boas ideias. Por exemplo, numa pandemia dessa, qual é a percepção que eu, publicitário, um homem de comunicação, tenho? É que houve uma mudança radical do processo social e eu tenho uma percepção que as pessoas estão com outro comportamento, inclusive de compra. Eu tenho a percepção que eu devo trabalhar a marca, num período de pandemia desses, numa perspectiva mais de compaixão, de bondade, de solidariedade. Essa é uma percepção que independe de mudanças tecnológicas. A mudança tecnológica me serve exatamente para que eu pegue a minha ideia, a minha boa ideia, meu processo criativo e coloque dentro dela. E é isso que não mudou, é isso que continua sendo essa coisa instigante, essa coisa rebelde que acontece na cabeça da gente que faz comunicação e você sabe disso.
Vocês são responsáveis pela construção de imagens, de marcas, de reputações. O que você destaca como case de sucesso ao longo dessas quatro décadas?
Eu acho que o grande case da Engenho Novo é a Engenho Novo ter conseguido durante todos esses anos colocar dentro da sua comunicação imagens extremamente positivas que absorveram da cultura baiana, da cultura dessa cidade, dessa terra, junto ao esforço mercadológico. Vou lhe dar um exemplo, a Engenho Novo foi a única agência que colocou Jorge Amado num comercial de televisão. Eu coloquei para uma construtora na época, a Encol, que não existe mais. Eu coloquei Jorge Amado e Zélia Gattai e foi muito interessante, foi uma experiência interessante para a Engenho Novo e para a propaganda baiana. Ganhei até um prêmio na época, porque Jorge Amado é interessante. E quando nós começamos a conversar, ele começou a querer fazer o roteiro do filme, como fazer roteiro? Cliente não faz roteiro, e ele veio com um roteiro horroroso. Mas foi uma relação maravilhosa que tivemos com ele. Nós fizemos um trabalho para a TV Educativa de vinhetas, na época a computação estava começando, usando o desenho de Carybé, e foi uma coisa linda, emocionante. Carybé quando viu aquele cavalo dele com o vaqueiro em cima andando, correndo, ele começou a ter lágrimas nos olhos, porque ele ficou emocionado com aquilo. Nós construímos junto com o Nivaldo Lariú o dicionário de baianês. Nós viabilizando o dicionário de baianês como um brinde da Engenho Novo na época. Do ponto de vista social, nós fizemos, por exemplo, a primeira campanha brasileira contra a exploração sexual de criança e adolescente. Na época, a gente conseguiu prender 22 infratores, tivemos 400 denúncias de infração. Isso é uma vitória extraordinária que nos orgulha muito. São os grandes cases que a gente tem na nossa história, além de vários outros que construímos.
Vocês fizeram trabalhos também com Raul Seixas, vocês tiveram trabalhos sociais ligados também à Odebrecht... Avida da Engenho Novo é recheada de histórias voltadas para a cultura, voltadas para a área social, voltadas também ao setor produtivo e causas ambientais...
Pois é, repare bem, nós fizemos um trabalho com a Odebrecht em Vitória da Conquista e a Odebrecht doou a Conquista aquele Cristo. E nós estávamos fazendo um lançamento imobiliário lá e utilizamos um pôster daquilo como brinde. Quer dizer, nós sempre construímos. Com a Odebrecht a gente também fez alguns brindes aqui de lançamentos imobiliários do Porto Seco Pirajá, do Centro Empresarial Iguatemi. Você entra no Centro Empresarial Iguatemi e tem quatro obras de arte extraordinárias. Uma de Carybé, outra de Calazans, e que nós reproduzimos essas obras de arte. Nós fizemos um trabalho com Iguatemi também, fomos nós que colocamos primeiro aqueles banners hoje que o Iguatemi tem, aqueles banners foram inaugurados como verdadeira galeria de arte. Nós colocamos vários artistas, Bel Borba, Calazans, colocamos vários artistas com trabalhos enormes, um verdadeiro outdoor de arte ali na frente. A gente tem um orgulho enorme de ter feito isso, muito grande mesmo. Com Raul Seixas é uma história muito interessante que a gente tem que perpassou. Nós tínhamos só dois anos de vida e tínhamos uma grande redatora chamada Lena Coutinho que adorava o trabalho Raul Seixas e mandou uma carta para ele através de uma pessoa. Mandou a carta e ele ficou encantado com a carta de Lena, porque ela escrevia muito bem. E ele foi lá na Engenho, que hoje é um barzinho maravilhoso, Bar Pedra da Sereia, onde tem uma música gostosíssima. E aí ele se encontrou com Lena, começaram a namorar e foram casados. Eu me considero assim um pouco o viabilizador desse casamento. Então isso para nós é maravilhoso. Agora tem um dado aí que é interessante, que a nossa agência começou ali. Na época, um amigo, um consultor amigo nosso disse que a Engenho Novo era igual a um besouro. Porque o besouro é aquele bichinho que é gordo, enorme, com a asinha pequenininha. E você diz assim “não, esse bicho não vai voar” e ele vai lá e voa. Ele dizia assim, a Engenho Novo é assim. Ela está implantada num lugar que tem um pôr do sol maravilhoso, uma praia extraordinária, a gente inclusive descia para ir para a praia jogar baba lá, isso existe? Isso existe numa empresa? Existe na Bahia. E existia uma empresa que fazia isso, que tinha uma prática dessa e que hoje tem 40 anos de vida.
Vocês passaram por diversos momentos de crise ao longo desses 40 anos, como a crise que nós vivemos agora. O mercado sempre se reinventa?
O mercado sempre se reinventa. Isso é inevitável. Outro dia a gente estava discutindo, inclusive aqui no Jornal A TARDE, sobre o mercado imobiliário, por exemplo, que é um segmento muito forte para nós. O mercado imobiliário está passando por uma transformação muito interessante do ponto de vista dos projetos, dos produtos que são oferecidos por conta das mudanças de hábitos, e aí a comunicação também passa absorver essa linguagem. Então hoje não basta simplesmente você anunciar uma apartamento de 3 quartos na Graça se você não diz para o consumidor características que são fundamentais para eles, como áreas de lazer, como proximidades, como a possibilidade de você ter um home office dentro do apartamento, como uma área de serviço boa para você trabalhar internamente. Então nós, publicitários, precisamos entender de alguma forma a nova alma do consumidor. Isso acontece sempre. Aconteceu antes, está acontecendo hoje e vai acontecer amanhã. É inevitável um processo desses.
A Engenho Novo completa essa semana 40 anos. Há muito o que comemorar?
Ave Maria. Há muito o que comemorar. Muito, muito, muito. Olhe, Osvaldo, eu tenho 75 anos, 40 de Engenho Novo. Eu tive uma agência com Domingos Leonelli, Cláudio Barreto antes da Engenho, vivemos durante cinco anos. Mas essa trajetória, até hoje eu trabalho. Eu trabalho intensamente na agência e eu trabalho com muito gás, com muita vontade, gosto muito de fazer o que eu faço, gosto muito, tenho uma satisfação enorme. Estabeleci, por exemplo, que isso é uma coisa para mim gratificante. Meu trabalho tem uma importância social extraordinária, Osvaldo. Mas a importância social não é o que o Washington Olivetto fala que a alegria dele é quando a Sadia aumentava o consumo de linguiça. Não é isso. A minha satisfação é eu saber que a minha profissão sustenta a democracia. É que minha profissão de publicidade que sustenta a liberdade de imprensa. Uma sociedade que não tem publicidade é uma sociedade onde a imprensa é sustentada pelo Estado, então é uma imprensa que não é livre. Se você tem jornais que são livres para falar a verdade, se você tem emissoras de televisão que são livres para falar a verdade, se você tem rádio são livres para a verdade, quem sustenta essa verdade é a publicidade. É a nossa atividade. Isso eu tenho orgulho demais, que a publicidade sustenta uma indústria editorial extraordinária no Brasil inteiro. Isso para mim é um motivo orgulho mesmo. Nesses 40 anos, eu aprendi a perceber isso, a ver isso, e vejo com muito orgulho eu ser um personagem que sustenta a liberdade de imprensa. Principalmente nessa época. As mídias sociais hoje são produtores de fake news. 70% do que é veiculado nas mídias sociais são fake news. E quem é que desmonta as fake news? É a indústria de comunicação. São os jornais, são os rádios, são as emissoras de televisão. São elas que sustentam e dizem “isso é mentira, isso é mentira”. E eu sou responsável por isso. Então quando você tem um governo que é responsável pela imprensa, eu sou contra.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes