EMPREGOS & NEGÓCIOS
Tecnologia movimenta mercado de trabalho e força qualificação
Transformação digital foi impulsionada pela pandemia da Covid-19
Por Matheus Calmon
A saga 'De Volta Para o Futuro' profetizou, na década de 1980, mudanças que vivemos hoje, quase 40 anos depois. Drones, realidade virtual, automação, hologramas e outras invenções tecnológicas - antes dignas de ficção - passaram a fazer parte do presente. Mas como os avanços da tecnologia interferem e ainda vão interferir no mercado de trabalho?
Exemplos podem ser encontrados em áreas como a datilografia, profissão que já figurou entre as mais requisitadas, deixou sua marca na história mas, atualmente, caiu em desuso. Cobradores de ônibus também correm risco de não mais serem vistos nos coletivos, tendo em vista que o método de cobrança, antes feito por vale e dinheiro, agora é automatizado em um cartão. A cidade de São Paulo, por exemplo, ganhou aval da Justiça e não é mais obrigada a manter cobradores nos coletivos.
Engrossando a lista, está o operador de caixa. Neste caso, a extinção ainda aparenta ser distante, mas compras em diversas redes de supermercados já podem ser feitas diretamente na máquina. Especialistas ligados à área de recrutamento e carreira avaliam como positiva esta mudança, mas alertam que é necessário se adaptar. Além das profissões citadas, diversas outras passam a ser ameaçadas pela tecnologia, como aponta o mentor de Liderança e Carreira Jorge Penillo.
"Atualmente, não existe nenhuma profissão que não sofra esta ameaça, afinal a velocidade da transformação está cada vez maior. Diante deste cenário, o que os profissionais podem fazer para se proteger é, em vez de lutarem para não serem descartados, se prepararem para novas profissões". Ele considera que, por enquanto, nem todo trabalho realizado pelo ser humano pode ser feito por máquinas.
"Mas, logo mais, os sistemas substituirão os seres humanos em boa parte das atividades. O que nos resta, como saída, é programar estas máquinas, cuidar de outros seres humanos, dos animais e do meio ambiente e, também, da educação das pessoas - estas são áreas que terão crescimento", diz Penillo.
Thiarlei Macedo, CEO e cofundador da Plataforma Skeel Recrutamento Inteligente, lembra que a evolução faz parte da história da humanidade e não há sentido em correr na direção contrária.
"Devemos 'abraçar' a questão tecnológica. Precisamos nos preparar para ela e incluí-la na nossa vida. É como se alguém, hoje, quisesse continuar escrevendo à mão todas as comunicações. Não faz o menor sentido, é muito fácil e rápido enviar um e-mail por exemplo, ou uma mensagem no WhatsApp, em que temos uma resposta instantânea ou uma ligação imediata. Quanto mais estivermos preparados para o uso dessas tecnologias, mais nos destacaremos como seres humanos e profissionais, e faremos a diferença na sociedade".
Ele considera que, quando o assunto é tecnologia, as possibilidades são diversas. "Podemos acelerar de forma significativa a velocidade com que as pessoas realizam as tarefas, a forma e o esforço que precisam empenhar para realizar a atividade. A forma e a velocidade de fazer que são influenciadas muito fortemente pela tecnologia. É importante enxergarmos esse processo como uma libertação humana quando pensamos nessa atividade como pesada, exaustiva e que pode ser substituída por um equipamento, por uma tecnologia".
Com esta revolução no mercado de trabalho, há também uma renovação na forma como as empresas passam a contratar colaboradores. Thiarlei conta que esta mudança é acompanhada em alguns pontos.
"Hoje, com o home office, nossos clientes que contratavam mão-de-obra local passaram a contratar em outros estados e ampliaram o poder de atuação de seus negócios de forma natural, então houve uma transformação, e enxergo essa mudança de forma muito positiva. Outro ponto relevante foi podermos encontrar pessoas de acordo com a cultura de nossas empresas em outros lugares. Todos saem ganhando", afirma.
A previsão da gerente de gestão de pessoas da BHS, Deise Souza, é que, nos próximos anos, a sociedade vai viver uma verdadeira transformação no mundo do trabalho, o que não deve acontecer somente em atividades que exigem esforço físico, mas também intelectual e alto nível de especialização. Ela pontua que, apesar do avanço, a tecnologia terá limitações em determinados quesitos.
"Os profissionais mais impactados serão aqueles com atividades rotineiras e volumosas. No futuro, máquinas farão diagnósticos, lerão contratos simples, farão auditorias etc. Porém, é extremamente improvável que, em algum momento, uma máquina consiga criar uma campanha publicitária ou diagnosticar uma nova doença. Como eu disse, máquinas têm pouco desempenho ao lidar com situações novas, ou seja, elas não conseguem lidar com coisas que não viram diversas outras vezes".
A pandemia da Covid-19 acelerou a transformação digital no mercado de trabalho, que já vinha acontecendo a passos lentos. " A maior parte das empresas levaria anos para adotar algumas tecnologias e inovações que, com a pandemia, foram implementadas em semanas ou até dias. Portanto, houve uma aceleração na transformação digital no mercado de trabalho", ressalta Deise.
Mas como a presença da tecnologia pode intervir no mercado de trabalho?
Marcio Tabach, analista líder da TGT Consult/ISG, afirma estar convicto de que a tecnologia ajuda e muito. Além de melhorar a produção do trabalho humano, proporciona o barateamento de produtos e serviços. Ele lembra que a tecnologia já livra o humano de trabalhos operacionais, repetitivos e até perigosos. "Basta a gente lembrar que existe, por exemplo, os robôs que são usados para desarmar bombas em áreas de conflito", pontua. Avaliando as mudanças causadas pelas soluções tecnológicas nos últimos anos, Tabach cita a disputa por profissionais com qualificação tecnológica e crava: "profissionais com esse conhecimento tecnológico têm emprego garantido".
"Existe um mercado de trabalho para tecnologia que não consegue cobrir sua demanda. Profissionais de todos os setores têm que se adaptar a essas novas tecnologias, correndo o risco de se tornarem obsoletos, o que seria o sucateamento do trabalhador".
A adaptação, segundo ele, deverá acontecer tanto em profissionais quanto nos governos, instituições e na sociedade. "É possível que exista um grande gap [lacuna] entre a mão-de-obra qualificada e a não qualificada. Entendo que um grande desafio para o futuro do mercado de trabalho é qualificar a mão-de-obra. Isso é particularmente grave no país como o Brasil, que já tem uma mão-de-obra de baixa qualificação."
Ele faz um alerta aos profissionais e às empresas: "O uso de tecnologias torna os profissionais mais qualificados e produtivos, e eles conseguem tomar decisões mais acertadas, fazer o trabalho com mais precisão, eficiência, rapidez. Quem não adotar, corre o risco de ficar para trás, pois outras empresas irão adotar".
Tabach também concorda que, apesar de promover o sumiço de profissões, a tecnologia, por outro lado, promove o surgimento de outras oportunidades. "Algumas profissões serão extintas e, por isso, um monte de gente vai perder o emprego. Mas, por outro lado, oportunidades se abrirão em outras frentes que mais que compensam estas perdas".
Uma sociedade tecnológica é mais produtiva, mais próspera, mais rica. O desafio é preparar as pessoas sucateadas para o mundo novo.
A mudança no mercado de trabalho é percebida também pela Futurista Global e Foresight Expert Jaqueline Weigel. Sinais de diferentes intensidades, segundo ela, mostram que muitas mudanças já aconteceram, mas elas serão radicais no prazo de 10 a 30 anos.
"A tecnologia é um dos principais fatores impulsionadores de mudança hoje em dia, pois está trazendo uma nova forma de viver e trabalhar, e é uma parte importante nesse caminho do presente para o futuro, porque vai liberar a gente de trabalhos repetitivos, dos complexos que a gente não dá conta e, talvez, ela nos coloque em um lugar onde possamos usar nossos atributos humanos".
Com base em um relatório de um centro político de pesquisas de futuro da comissão europeia, Weigel alerta que a qualificação será crucial para a ocupação dos postos a serem abertos. "A gente sabe que o maior problema não é exatamente a economia, governo ou a tecnologia entrando em ação. É o não preparo das pessoas para trabalhar com o uso da tecnologia".
Ela avalia que, do ângulo das empresas, o futuro do trabalho está passando por mudanças que precisam ser acompanhadas de perto. "Os modelos antigos começam a diminuir ou a colapsar. Startups, ecossistemas de inovação, o mundo digital tem cada vez mais espaço e oportunidades de trabalho". A evolução, considera Weigel, é inevitável e segue um curso já ocorrido na história da humanidade.
"É inevitável que alguns postos de trabalho desapareçam, outros terão que se adaptar ou se fundir com outras ocupações e postos novos vão surgir. A gente está inventando profissões à medida que as coisas vão seguindo adiante". Ela cita que, nesta mudança, estão os novos modelos de negócio e formas de consumo.
"Essa é uma tendência que está em andamento e só depende de tempo, não é mais questionável que as pessoas não querem mais ficar confinadas, trabalhando para a mesma empresa por anos e reféns de dinâmicas que não funcionam e empresas que só querem lucro sem propósito".
A permanência na zona de conforto pode ter um preço a ser pago. "O preço de quem fica na zona de conforto e fica negando as mudanças é muito caro. A gente precisa sair desse piloto automático de acordar e resolver problemas do dia sem olhar para onde a gente está indo. Hoje, o mercado oferece tudo: cursos gratuitos, projeto para se voluntariar, para entrar com remuneração mais baixa. Vão trazer muita qualificação diferente e isso conta ponto".
A formação das crianças, consideradas como o futuro da humanidade, é crucial para a evolução. Jaqueline faz parte de uma rede da Unesco com trabalho pelo mundo que tem a alfabetização para o futuro com três objetivos: tornar a criança capaz de se gerenciar como ser humano, se relacionar com os demais e conscientizar de que é uma cidadã planetária. Segundo a futurista, educadores, tanto em casa quanto nas escolas, estão despreparados para a formação para a vida futura.
"O que a gente vê hoje são crianças muito mais preparadas para a vida futura do que os adultos, que estão sendo uma barreira para o mundo que as crianças estão prontas para criar. Os educadores de hoje, incluindo pais e professores, estão bem despreparados para esse futuro e para essa criança que tem novas demandas, escolhas, responsabilidades e conceitos. Preocupa-me a qualidade dos adultos que educam as crianças, tanto na escola quanto em casa".
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes