Busca interna do iBahia
HOME > ENTREVISTAS
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email

ENTREVISTAS

‘Não dá para pensar em produção sustentável sem agricultura familiar’

Confira entrevista com Osni Cardoso, secretário de Desenvolvimento Rural da Bahia

Divo Araújo

Por Divo Araújo

08/12/2025 - 6:01 h
Osni Cardoso, secretário de Desenvolvimento Rural da Bahia
Osni Cardoso, secretário de Desenvolvimento Rural da Bahia -

Secretário, a 16ª Feira Baiana da Agricultura Familiar e Economia Solidária acontece de 10 a 14 de dezembro no Parque Costa Azul. O que o público pode esperar de novidade nesta edição e qual é o principal objetivo do evento este ano?

Essa feira traz as melhores expressões que a gente tem. E ela quase que vai duplicar de tamanho, de presença de expositores e de produtos. Na versão anterior foram em torno de 6 mil produtos. Agora, eu acredito que vai pra algo em torno de 10 mil produtos.

Tudo sobre Entrevistas em primeira mão!
Entre no canal do WhatsApp.

Nós vamos ter agora três praças de eventos e de alimentação. E a gente traz também alguns outros produtos de maneira mais organizada, como espaço só de queijaria, de cachaça, de café, que a gente não tinha antes.

A feira aumenta muito de tamanho, aumenta de produtos, aumenta em qualidade, em diversidade e, obviamente, no tamanho da participação social, já que a gente garante que todos os territórios e grupos que debatem agricultura familiar, o rural baiano, estarão presentes dentro da feira.

O Caminho da Roça é apresentado como uma das grandes novidades da feira este ano. De que forma esse espaço imersivo deve aproximar o visitante dos sistemas produtivos da Bahia?

A gente começa a perceber que uma parte considerável das pessoas, principalmente os mais jovens, dos grandes centros, que vão comprar nas grandes redes de supermercado, em shoppings, não compreendem como se dá o processo de produção. Principalmente quando se trata de animais e outros. Tem gente que acha que o alimento nasce, cresce e se reproduz dentro do shopping.

O que a gente quer é mostrar qual é a dinâmica, como é que se dá isso na roça. Por isso que essa imersão que nós vamos fazer com algumas culturas é para garantir que mais pessoas façam vivência no processo de produção e entendam tudo o que a gente está fazendo ali. Como é a lida diária do homem e da mulher no campo.

Esse espaço nasce com esse intuito. Além de a turma começar a valorizar, agregar valor aos produtos. Porque, às vezes, imagine você que as pessoas, as grandes redes, compram um litro de leite da mão do produtor em torno de dois reais. Imagine que você não acha mais um litro de água por dois reais por aí.

As pessoas precisam perceber a diferença. Principalmente se você quiser fazer uma compra direta. Ah, eu conheço um produtor que tem leite, tem queijo, tem doce de leite. Eu vou lá na roça dele comprar. Para ele é bom e para quem vai comprar também é uma experiência. Oque a gente quer é um pouco disso. É fazer com que os adultos percebam que há uma dinâmica no entorno do processo de quem produz e de quem vende alimento em qualquer lugar do mundo.

O senhor mencionou que a feira reúne cerca de 10 mil produtos. De que forma esse evento impacta a renda das cooperativas e associações participantes?

No ano passado, não chegamos a contabilizar oficialmente, mensuramos uma ideia. Mas acho que foi algo em torno de R$ 8 a R$ 10 milhões de vendas. Imagine isso distribuído com agricultores familiares. Nós estamos falando de pessoas que muitas vezes sonham em ter um salário mínimo.

Obviamente que a gente já tem uma categoria que ganha bem mais que isso. Mas ele vem aqui na feira e vende R$ 30 mil, R$ 40 mil. Ele basicamente vende o dinheiro para segurar o mínimo que ele precisa para sobreviver no campo para o ano inteiro. Essas experiências alimentam a gente a ideia de que só assim eles vão aumentar a produção, vão sonhar mais, vão envolver a família, vai garantir inserção rural e obviamente vai chamar a gente para uma produção mais acentuada.

Querer aumentar a produtividade a partir da assistência técnica. Acessar crédito no banco, porque muitos não tem nem coragem de ir ao banco, porque não entendiam a venda do produto. Com a feira, não. O produtor obtém rendam informação, eleva a autoestima. Nessa agora, inclusive, nós vamos ter uma rodada de negócios com a Apex.

A Apex, que é a agência que ajuda na articulação da venda de produtos para o exterior, está vindo para cá. Vai trazer 30 empresas que vendem para o mundo e uma rodada de negócios com 150 cooperativas. É um grande avanço. É a primeira vez que a gente tem uma rodada de negócios com as cooperativas da agricultura familiar.

A expectativa para essa rodada de negócios é que já sejam firmados acordos para a exportação de produtos locais?

Exatamente. As cooperativas já vêm preparadas, mostrando sua capacidade produtiva, qual o volume, porque a importância lógica da escala. Obviamente que é a primeira de muitas. Então muitos vão aprender, inclusive, fazendo. Mas a gente já tem conversado com a turma. Alguns já têm alguma experiência, já passaram para os outros. É uma grande vitória que pode dar muito resultado no futuro.

Nesta edição, a feira passa a incluir coleta seletiva de resíduos orgânicos para compostagem. Como essa iniciativa se integra à política ambiental defendida pela SDR?

Nós já vimos fazer interação com eles na coleta. O fato da gente incluir a coleta seletiva de resíduos orgânicos tem o objetivo de provar para a turma que tudo que ele tem no campo é possível ser transformado em valores. Uma delas é o processo de adubação, que a gente também precisa colocar o orgânico.

Nós vamos debater com todo esse grupo o que é melhor acumular e garantir o orgânico, que daí a gente vê tecnologia com bactérias que facilite e acelere o processo de produção. Mas, para isso, é necessário que eles percebam como tem que ser feito. Por isso que o envolvimento mais forte com as cooperativas de reciclagem e de coleta seletiva.

A programação inclui shows, gastronomia, espaços temáticos, encontros de mulheres rurais e de cooperativas. Qual é a importância dessa diversidade de atividades para fortalecer a identidade e a visibilidade da agricultura familiar baiana?

Já identificamos 34 debates temáticos sobre os mais variados assuntos. De comunidades quilombolas, comunidades de fundo e fecho de pasto, da produção de ovos e tantos outros. Esses momentos são fundamentais porque é um aprimoramento da produção e dos debates que estão em curso, seja do crédito, seja o que for. Eles são fundamentais. Além de agregar presença de diversos atores no encontro. Já os eventos têm o caráter de entreter naquele período. Porque eu vou, consumo, almoço, fico por ali, curto um som, depois eu garanto a permanência por mais período, vou ver um show à noite, já janto.

A ideia é a ampliação da vivência. E a música que geralmente é levada para esses espaços têm a ver com a história dos grupos de produção que gostam de determinado cantor, de determinada música. Boa parte daqueles que nós estamos levando para o evento são solicitações dos próprios produtores das cooperativas pela relação intrínseca que tem entre a produção e a música, a cultura e a dança.

Osni Cardoso e Geraldo Júnior
Osni Cardoso e Geraldo Júnior | Foto: Lucas Gonçalves

Falando de outro evento, que é a Fenagro. Durante a feira, a Bahia e outros estados firmaram uma série de acordos. O que essas cooperações significam na prática para o produtor baiano?

Participamos da Fenagro com alguns produtos nossos. A gente não deixou de expor, obviamente que para nós não é do mesmo tamanho a Feira de Agricultura Familiar. O secretário Pablo Barroso (Agricultura) vem tentando dinamizar e qualificar ainda mais a Fenagro. A iniciativa do acordo de cooperação é que a gente comece a dialogar de maneira mais incisiva sobre as políticas públicas com as regiões mais produtoras do país.E que agregue, valorize e reconheça a prática e a condição e o valor que tem a agricultura familiar, principalmente para o debate da sustentação do planeta. Não dá para você pensar em produção sustentável se a agricultura familiar não estiver presente.

O agronegócio se especializou na monocultura. A gente se especializa na diversificação da agroecologia. Há um debate, uma concepção inclusive diferente. É fundamental que se dê esse tom de um novo jeito de produzir. Não dá para a gente apenas colocar no papel que vai ter sustentabilidade e agricultura regenerativa se ela não é praticada no dia a dia da atividade agrícola.

O senhor esteve presente na abertura e acompanhou a programação. Sem entrar em números, que balanço o senhor faz da Fenagro deste ano a partir das suas impressões?

Eu vi satisfação daqueles que produzem, os produtores, de quem organiza, algumas prefeituras que não estavam nas edições passadas, estavam lá e felizes porque tiveram a oportunidade. Eu acho que pode ser um grande salto nós fazermos agricultura familiar a partir das cooperativas. E a gente não consegue atender todo mundo, fica muita gente fora porque o espaço não dá.

É uma grande oportunidade para que os prefeitos organizem seus times e tragam para a Fenagro, garantindo um volume maior de pessoas e de produtos para vender. Acho que a Fenagro é um grande palco de oportunidades e sinto esse desejo com a equipe do Pablo Barroso.

A SDR tem como missão promover o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar. Quais são hoje as prioridades estratégicas da pasta para 2026?

Nós vamos trabalhar muito o debate sobre a produção de alimentos saudáveis. Existe uma estratégia chamada Paz Nordeste, que é um programa de alimento saudável, tem apoio do governo federal, do MDA (ministério do Desenvolvimento Agrário) e aqui o Nordeste todo está envolvido.

Os debates começaram para a gente colocar todo o recurso que a gente tem, para os próximos quatro anos, três projetos que dão em torno de R$ 2,2 bilhões, mais o lançamento do período que dá em torno de R$ 1,5 bilhão, vamos chegar perto de R$ 4 bilhões. E a gente quer que todos esses programas que serão desenvolvidos, tenham organicidade, ciência técnica, acesso à terra, acesso à água, melhoria da produção, aumento de produção, agroindustrialização e comercialização.

Todos os projetos têm essa estratégia. Mas a gente quer que esse alimento seja a partir do olhar da produção sustentável, do alimento saudável, do curso de circuitos de venda, de venda direta, valorizando o alimento local para que a gente mantenha um produto bom e que ele não seja caro. Que ele seja palpável para o conjunto das famílias.

A Bahia vem avançando na regularização fundiária com a entrega de títulos individuais e coletivos. Qual o impacto real dessa política na vida das famílias e dos territórios?

Tem diversos impactos importantes. O primeiro é ter a terra. É diminuir inclusive a instabilidade e a violência do campo. Ela tem muito a ver inclusive com a disputa de terra. Toda vez que tem novos empreendimentos, em algumas comunidades a pessoa sofre, porque tem o recibo da terra, não tem a escritura e alguém aparece e às vezes toma a terra, comete violência. O título garante em infinitivo ou ameniza muito a violência. O outro é o acesso ao crédito.

É fundamental, porque nós queremos financiar a agroindustrialização, a assistência técnica, a comercialização. Mas a base de produção tem que ser uma relação ou do dinheiro da empresa, como a maioria não tem dinheiro para isso, que seja o banco que tem estratégias baratas, juros negativos, do Pronaf, do Plano Safra. E a documentação deles é fundamental para isso.

O senhor participou recentemente de debates sobre seca e ações emergenciais para o semiárido. O que a SDR está fazendo para fortalecer a resiliência climática das comunidades rurais?

Nós temos investimentos emergenciais, exemplo da entrega de milho para nutrição animal, para garantir o animal vivo em determinado período. Como também ações de água, seja de carro-pipa, de aguadas, complementação de pequenos sistemas, instalação de sistema de poços artesianos.

Tem um conjunto de ações de acordo com cada município. Como também vamos desenvolver uma ação em 49 municípios, 13 territórios, R$ 300 milhões, toda em tecnologias de armazenamento, reservação de água. Essa ação começa ano que vem. Ela vai sendo feita durante alguns anos, independente se esteja chovendo ou não. Porque a ideia é criar uma política de reservação de água.

E estamos motivando, cada vez mais, a produção de alimentos sem o uso de muita água. Porque existe a possibilidade de produzir alimento sem gastar muita água. E nós estamos motivando a nossa cadeia produtiva para observar essas possibilidades.

Com o aumento da temperatura global, esses fenômenos climáticos tendem a se tornar cada vez mais frequentes e rigorosos no nosso estado. Como o senhor avalia esse cenário e quais medidas de longo prazo considera necessárias para enfrentá-lo?

Cada vez a gente vai precisar identificar mais novas tecnologias para conciliar a produção. Seja o processo de estufa, seja o processo de sombreamento, seja o processo de agrofloresta. Nós temos vários modelos para debater e avaliar todas as possibilidades.

Não queremos chegar a um dia que tenha que produzir tudo em estufa. Esse seria o início do fim. Mas a gente tem colocado algumas culturas que é possível melhorar. Aprodução de leite a partir de forrageira, de palma e outros que convivem bem, para a gente sair um pouco da monocultura do capim, que agride, que é necessário colocar veneno, que desmata, que consome muita água, que impermeabiliza o sol e acaba que o subsolo não recebe água por conta desse tipo de cultura.

Tem muita coisa para fazer. Só que fazer algo novo assim é uma mudança de mentalidade, demora às vezes décadas para isso acontecer. Mas o debate afinal é urgente e nós temos que fazer.....

Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.

Participe também do nosso canal no WhatsApp.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Tags:

agricultura familiar cooperativas cultura e gastronomia economia solidária Feira Baiana sustentabilidade

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas