ENTREVISTA
“Bahia é relevante na transição da matriz energética”, diz Passos
Confira a entrevista com o presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia – FIEB
Por Núbia Cristina
Um leque de oportunidades se abre a partir da necessidade global de acabar com a dependência dos combustíveis fósseis e fazer a transição para os combustíveis renováveis. “A Bahia tem toda capacidade de se posicionar não só na produção e venda dessa energia, mas também descarbonizar a sua própria indústria”. Essa é a visão do presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Carlos Henrique Passos. Em entrevista ao A TARDE, Passos destacou o potencial do hidrogênio verde como fonte de descarbonização da indústria, além de detalhar ações e investimentos do Sistema Fieb, que apoiam a modernização do setor industrial no estado. Para ele, a Bahia e o Brasil podem se tornar lideranças globais no segmento de energias renováveis .
Com novos investimentos, inclusive do setor automotivo, a indústria baiana tem boas perspectivas de crescimento. Como o senhor avalia este momento e como o Sistema Fieb contribui com o processo da neoindustrialização?
Eu acho o investimento da BYD muito importante para a Bahia, não só porque traz para o estado novamente uma montadora de veículos, mas também traz, acima de tudo, uma montadora que já vem com uma tecnologia de uso de condutores da eletricidade como combustível, que já saiu da combustão fóssil para uma combustão sustentável. Ela também incorpora a possibilidade de adaptar seus processos para o uso dos biocombustíveis; isso é bom para o Brasil. Entretanto, o país não pode eleger a energia elétrica como única matriz da indústria automobilística. O Brasil, diferentemente da maior parte dos países, dispõe de capacidade, tecnologia, clima, terra, que podem suprir uma parte da nossa energia, como já supre hoje, de alguma forma, com biocombustíveis. E a Bahia tem boa participação nisso. O estado já tem produção do álcool e do etanol, além de projetos que criam perspectiva de novas produções de biocombustíveis, como o projeto que o próprio Cimatec está desenvolvendo dentro do Cimatec Sertão, em processo de experimentação. Estudos indicam a viabilidade da produção do etanol a partir do agave [agave sisalana, planta que dá origem ao sisal]. Temos a produção com macaúba, com dendê e outros tipos de oleaginosas, que podem gerar a produção de biodiesel. Então, eu acho que a chegada da BYD, já dentro de uma liderança mundial, é muito importante para a Bahia, resgata o setor, mas, acima de tudo, traz uma nova tecnologia para a indústria automobilística, que tem sido o desafio das indústrias mais tradicionais. Então, só podemos ver isso de forma positiva. E o sistema tem se preparado para apoiar e viabilizar essa instalação. Já estamos hoje capacitando 500 candidatos a empregados através do Senai, numa parceria com o governo do Estado. Temos mantido contato direto com a própria fabricante, para que qualquer demanda a gente possa incorporar ao nosso catálogo de cursos do Senai, e do próprio Cimatec.
A Bahia pode ocupar posição de liderança no Brasil na transição para a eletromobilidade?
A Bahia e o Brasil não podem eleger apenas a energia elétrica como fonte para toda a sua cadeia, principalmente a automobilística. Porque nós temos todo celeiro da biomassa como combustível, as energias renováveis. O caminho é a produção de hidrogênio verde. Já existem veículos rodando aí de forma experimental no mundo, tendo o hidrogênio como a sua fonte de energia. E o hidrogênio vem da energia renovável. A Bahia já se destaca no Brasil na produção de energia renovável, seja eólica ou solar, como pode ter da própria biomassa. Então, há uma condição de a Bahia ter um espaço relevante na construção de uma matriz energética limpa e ainda aproveitar o período de transição da energia fóssil, do combustível fóssil, para um combustível mais sustentável. Como o próprio nome diz, transição significa sair de um modelo para outro dentro de uma estratégia de médio prazo. E é isso que, por exemplo, o gás natural permite fazer em outros setores econômicos.
Existe a expectativa para a instalação da primeira fábrica de hidrogênio verde aqui. E para estimular o avanço do setor, o sistema Fieb tem parcerias com o governo do Estado. Como avalia esse momento?
A minha visão é que tem muito desafio a superar por aqui. Eu participei semana passada de uma missão do Consórcio Nordeste, que reúne os governos dos estados nordestinos. Tive a oportunidade de participar de uma feira internacional de hidrogênio verde em Roterdã. E lá não se coloca em dúvida o hidrogênio verde. Há a certeza de que a energia da Europa vai ter uma participação muito relevante do hidrogênio como fonte de energia. Na Bahia e no Brasil nós temos que pensar no hidrogênio verde não só como um produto a ser feito aqui e eventualmente exportado, mas como um produto para atrair fábricas de produtos que precisam ter o selo verde para conquistar mercados, por exemplo, o aço verde, cimento verde, plástico verde. Há todo um horizonte se abrindo a partir da necessidade de transformar a dependência do combustível fóssil, seja ele do petróleo, do carvão, para um combustível renovável. A Bahia tem toda capacidade de se posicionar não só na produção e venda dessa energia, mas também descarbonizar a sua própria indústria.
Dar continuidade ao processo de interiorização do Sistema Fieb está entre as prioridades da sua gestão na presidência da entidade. Nesse sentido, quais as principais ações em andamento?
Nós estamos agora entrando na segunda onda do processo de interiorização, e ao mesmo tempo ampliando alguns investimentos anteriores. Em Jequié, nós já temos uma boa instalação do Senai e estamos agora inaugurando uma unidade de saúde, segurança e trabalho, e lançando edital para a construção de uma escola do Sesi. Em Guanambi, estamos desenvolvendo um projeto para construir uma unidade escolar. Em Alagoinhas, a prefeitura nos concedeu uma área, no início deste ano, e nós estamos desenvolvendo um projeto para construir uma unidade integrada Sesi e Senai. Estamos buscando mais um espaço para uma unidade do Sesi, em Lauro de Freitas. Vamos ampliar a unidade escolar do Sesi em Feira de Santana, a do Dendezeiros [em Salvador], a de Vitória da Conquista, Luís Eduardo, Barreiras e Camaçari, que foi recentemente inaugurada; nós saturamos a capacidade de atender, então queremos ampliar para lá. Do Senai, nós temos um projeto de modernização e ampliação da unidade de Feira de Santana, que não é integrada com o Sesi, são locais diferentes. E, claro, o Cimatec é um outro complexo de investimentos constantes. Nós começamos o Cimatec com uma unidade da Orlando Gomes, que é a unidade sede do Cimatec, lá fazia-se tudo; em 2019 inauguramos o Cimatec Park, em Camaçari. Lá, a primeira onda que foi construída, praticamente está toda ocupada. Hoje nós temos vários projetos para ampliação de serviços, basicamente são pesquisas, desenvolvimentos, serviços para a área industrial que não devem ser feitos em uma área urbana. Isso também está nos possibilitando remanejar alguns serviços que eram feitos aqui na Orlando Gomes [em Salvador] para o Cimatec Park, onde iremos instalar, por exemplo, uma usina de hidrogênio verde.
Qual a perspectiva da indústria em relação à reforma tributária, que está em fase de regulamentação?
A reforma tributária traz esperança para a indústria, na medida em que evita a bitributação, ela desonera os investimentos. Essa fase de regulamentação é muito importante porque vai definir de fato a sua aceitação ou não. Nós vamos fazer aqui na Fieb, dia 10 de junho, um evento com Bernard Appy, que é o secretário extraordinário da reforma tributária, para promover esse debate, essa troca de informações, para que as pessoas possam compreender a reforma tributária, e nós acreditamos muito nela, pela capacidade que ela nos parece ter da simplificação tributária. Na medida em que não há cobrança de imposto sobre imposto, ela permite ao setor industrial trabalhar de forma mais horizontal e menos verticalizada. A reforma tributária traz uma expectativa muito grande de melhoria de produtividade industrial, tanto na área da produção como na área tributária em si.
A reforma tributária tem um ponto polêmico, que é a questão do fim dos incentivos fiscais para o Nordeste. Qual a sua visão sobre isso?
A reforma tributária traz um outro desafio para o Nordeste: o fim dos incentivos que hoje já estão bastante controlados. E aí resta a grande questão: por que precisamos oferecer subsídios tributários para atrair investimentos? Na minha visão são três pontos: infraestrutura, pessoas, mercado. Pessoas: a questão da qualidade da educação, da capacitação profissional, onde a gente procura se dedicar: Sesi, Senai, Cimatec, interagindo com estados, prefeituras, apoiando os seus sistemas educacionais com aquilo que eventualmente nos seja dada a oportunidade. Desenvolvendo vontade, motivação para a área da pesquisa, da iniciação científica. Para chegar à indústria 4.0 é preciso ter pessoas com maior formação técnica, melhor qualificação. Aí temos a questão da infraestrutura, que é importante porque viabiliza o mercado. Com infraestrutura eficiente, você melhora o custo dos produtos através de sistemas de ferrovias, aeroportos, portos. E traz o mercado, seja para comprar insumos para industrializar aqui, seja aproximando mercados quando é preciso mandar produtos para fora.
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