ESPECIAL MEIO AMBIENTE
Bahia transforma floresta em ativo e entra no mapa global do carbono
O mercado de carbono recupera ou regenera ecossistemas gerando oportunidades de desenvolvimento sustentável
Por Joana Lopo

Em meio às discussões globais sobre a transição para uma economia de baixo carbono, um novo modelo econômico começa a ganhar força no Brasil ao transformar a preservação ambiental em ativo financeiro. Exemplo disso é o mercado de carbono, recentemente regulamentado no país, que representa um instrumento eficaz para remunerar quem protege. Ele recupera ou regenera ecossistemas, conectando o compromisso climático às oportunidades de desenvolvimento sustentável.
Embora o foco da COP esteja voltado para a Amazônia, outro bioma brasileiro clama por atenção e revela imenso potencial de protagonismo nessa nova economia verde: a Mata Atlântica. Presente em diversos estados do país, inclusive na Bahia, onde ainda restam extensas áreas degradadas, esse bioma pode ser peça-chave no redesenho da lógica econômica tradicional ao unir conservação ambiental com geração de riqueza, trabalho e inclusão social.
É nesse contexto que surge o Projeto Muçununga, uma iniciativa liderada pela Veracel Celulose em parceria com a Biomas, uma sociedade formada por gigantes do setor privado como Santander, Itaú e Vale. O projeto prevê a restauração de 1.200 hectares de Mata Atlântica no sul da Bahia com mais de 70 espécies nativas, numa ação que visa gerar créditos de carbono valorizados no mercado internacional, além de fortalecer a biodiversidade local.
Segundo o diretor de Restauração e Carbono da Biomas, Marcelo Pereira, esse esforço integra um plano ainda maior de restaurar dois milhões de hectares ao longo dos próximos 20 anos. “É provável que outros projetos aconteçam na Bahia ao longo desse tempo, porque a Biomas vai priorizar projetos na Mata Atlântica, especialmente no litoral baiano, e na Amazônia. Mas não temos nenhuma definição sobre um novo projeto no estado neste momento” afirma Pereira. O investimento inicial previsto é de R$ 55 milhões até o ponto de equilíbrio econômico, quando o próprio projeto passa a se autofinanciar pela venda dos créditos gerados.
Embora o objetivo central seja ambiental, os impactos sociais da iniciativa são igualmente robustos. Durante os primeiros anos de implantação do Muçununga, serão criados ao menos 80 empregos diretos em atividades que vão da administração à operação florestal, além de postos de trabalho indiretos, como nos viveiros de mudas que fornecem espécies para o plantio. A Biomas adota como princípio o envolvimento ativo das comunidades do entorno, conduzindo diagnósticos socioeconômicos e ambientais para mapear necessidades e oportunidades reais.
“Apesar de essa área ser particular, entendemos que envolver comunidades próximas constrói uma parceria com as pessoas que vivem no território para que o projeto seja um orgulho para a região” explica Marcelo. Dezesseis comunidades localizadas num raio de até dez quilômetros da área do projeto já participam da fase de consulta, por meio de oficinas e visitas que buscam desenhar iniciativas de benefícios sociais de forma participativa. Capacitação profissional, infraestrutura comunitária e geração de renda são algumas das possíveis frentes de atuação.
O diretor de Sustentabilidade e Relações Corporativas da Veracel, Luiz Tápia, destaca o caráter voluntário e estratégico da ação. “Ao destinar áreas próprias para restauração com espécies nativas, reafirmamos nosso papel como protagonistas na promoção de soluções baseadas na natureza” afirma. Para ele, o projeto representa mais que um esforço ambiental, mas um passo estratégico rumo à consolidação de um modelo de negócio com impacto social, ambiental e econômico duradouro.
Segundo ele, a empresa já mantém o compromisso de preservar um hectare de Mata Atlântica para cada hectare de eucalipto plantado e administra a maior Reserva Particular do Patrimônio Natural da Mata Atlântica no Nordeste, a Estação Veracel. Tápia ressalta que a restauração ecológica promovida pela empresa já garantiu a conexão de mais de 65 mil hectares de Mata Atlântica, contribuindo para a circulação de fauna e flora e ampliando a variabilidade genética das espécies. “Nosso principal objetivo ao participar da iniciativa é a restauração ambiental, mas acreditamos no potencial do mercado de crédito de carbono”.
A relevância do projeto não se limita à questão da captura de carbono. Os benefícios se estendem à melhoria da qualidade da água, do solo e do clima regional, além da valorização das comunidades do entorno. A expectativa é que o Muçununga gere aproximadamente 500 mil créditos de carbono ao longo de 40 anos. Cada crédito representa uma tonelada de dióxido de carbono removida da atmosfera, o que reforça seu valor tanto ambiental quanto econômico.
A Bahia, com seu vasto território de Mata Atlântica e histórico de empresas engajadas na pauta socioambiental, desponta como território fértil para liderar essa nova economia. A conjunção entre áreas passíveis de restauração, mão de obra disponível e investimentos privados pode consolidar o estado como referência no mercado global de soluções baseadas na natureza.
Mercado de carbono ajuda a financiar a transição para a economia verde
Para além do impacto local, o mercado de carbono emerge como ferramenta estruturante da transição para uma economia de baixo carbono. Tápia resume essa lógica ao afirmar que os créditos gerados pela regeneração de florestas financiam a própria restauração, impulsionam o desenvolvimento de cadeias produtivas locais e promovem a conservação da biodiversidade. O Brasil, nesse cenário, tem a chance de protagonizar uma revolução verde com ganhos ambientais e sociais integrados.
A Biomas, por exemplo, atua exclusivamente com foco na regeneração de ecossistemas, tendo na venda de créditos de carbono a principal fonte de financiamento. A primeira medição de carbono ocorre cerca de cinco anos após o plantio e, a partir desse ponto, os créditos podem ser comercializados. “Nosso modelo é ancorado principalmente em parcerias com proprietários de terra. O carbono é um meio para financiar a restauração, mas não um fim” afirma Marcelo. Ele ressalta ainda que, além de capturar carbono e recuperar a biodiversidade, a restauração ecológica melhora o solo, a qualidade da água e a vida das pessoas que integram esses ecossistemas.
Esse novo paradigma também encontra eco no setor de base florestal, que há anos opera com a sustentabilidade como pilar estratégico. Segundo Wilson Andrade, diretor executivo da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (ABAF), as árvores são uma das soluções mais eficazes baseadas na natureza para mitigar mudanças climáticas, já que sequestram e armazenam carbono em folhas, troncos, raízes e no solo. “O setor de base florestal, por meio dos plantios comerciais e áreas de conservação, estoca 4,9 bilhões de CO₂, um volume maior do que tudo o que é emitido no Brasil em um ano” afirma Andrade. Essa capacidade de estocagem é mantida mesmo após a transformação das árvores em produtos como mesas, pisos laminados, livros ou embalagens, nos quais o carbono permanece fixado por décadas.
Além disso, o setor vem investindo fortemente em processos de descarbonização, substituindo fontes de energia fóssil por biomassa nas caldeiras e fornos, reduzindo emissões no transporte de madeira e transformando resíduos em fertilizantes para novos plantios. “Absorvemos bem mais carbono do que emitimos em nosso processo industrial” reforça Andrade, que destaca os 10,5 milhões de hectares de eucalipto, pinus e outras espécies plantadas no Brasil, somados a outros 6,5 milhões de hectares preservados pelas próprias empresas.
Ele defende que o mercado de carbono seja um mecanismo de compensação para os setores que não conseguem atingir esse nível de equilíbrio, como os de cimento e construção civil. “Quem preserva mais do que o exigido pelo Código Florestal Brasileiro deve receber benefícios por isso. E aqueles setores empresariais que não possam oferecer isso devem compensar suas emissões” afirma. Ele também chama atenção para a importância dos fundos climáticos globais prometidos em conferências como a COP, que somam mais de 100 bilhões de dólares anuais, mas cuja liberação ainda esbarra em entraves políticos e compromissos pouco efetivos.
A crise climática não é local, é mundial, e exige respostas urgentes e inovadoras. O mercado de carbono cria pontes entre a conservação e o capital, e se apresenta como um desses caminhos. Mas seu funcionamento depende da integridade dos projetos, da clareza das regras e do engajamento real dos governos e do setor privado. A Bahia, ao reunir biodiversidade, conhecimento técnico e protagonismo empresarial, tem nas mãos a chance de liderar esse novo ciclo de desenvolvimento. O Projeto Muçununga, para a Veracel e Biomas, é apenas o começo de uma jornada que pode colocar o estado e o país na vanguarda de um modelo econômico regenerativo, inclusivo e resiliente.
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