MEIO AMBIENTE
Biomas valem ouro
Bahia guarda não apenas riquezas naturais, mas grandes oportunidades de negócios geradas por elas
Por Letícia Belém
A percepção da importância da preservação ambiental no mundo vem aumentando à medida em que se reconhece que conservar a natureza também gera lucro. Além da valoração prática, em moeda corrente, de uma floresta em pé valer mais do que uma desmatada, o uso sustentável de recursos naturais é percebido como oportunidade de geração de riqueza em si.
De acordo com o governo de Nova Yorque, estima-se que uma árvore viva tenha cotação acima de R$ 765, o que pode dar a dimensão do valor de uma floresta preservada. A Secretaria do Meio Ambiente da Bahia (Sema) possui um programa de Pagamento por Serviços Ambientais, que recompensa povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e empreendimentos rurais a protegerem e preservarem recursos naturais, fazendo uso sustentável, em troca de incentivo financeiro.
A diretora de Políticas e Planejamento Ambiental da Sema, Luana Pimentel, esclareceu que as árvores e florestas preservadas prestam vários serviços ambientais, como ajudar a mitigar as mudanças climáticas ao absorver e armazenar o dióxido de carbono da atmosfera, além de desempenhar um papel crucial na regulação do ciclo de chuvas, influenciando também a infiltração e o armazenamento de água subterrânea.
Ela explicou que a preservação de mananciais e florestas ajuda na manutenção da qualidade e da quantidade de água, essencial para o consumo humano e animal, para a agricultura e para a indústria. As raízes das árvores ajudam a manter o solo no lugar, prevenindo a erosão e a perda de solo fértil. As florestas fornecem madeira, frutos, plantas medicinais e outros produtos vitais para a economia e o bem-estar humano. Tudo isso é serviço ambiental prestado pelos ecossistemas naturais.
Neste contexto, as características da Bahia já a colocam em vantagem quanto às oportunidades que a economia sustentável oferece. É o único estado brasileiro a abrigar uma riquíssima biodiversidade em cinco biomas diferentes (caatinga, cerrado, mata atlântica, costeiro e marinho). Acrescente-se a isso o fato de que é ainda o estado detentor da maior faixa litorânea do Brasil, com 1.100 km de costa.
O Brasil ficou maior
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui um território submerso que corresponde a uma vasta área marítima de 5,7 quilômetros quadrados de extensão que se projeta a partir do litoral até o limite exterior da Plataforma Continental brasileira. Essa dimensão equivale à porção ocidental do continente europeu.
Juntos, o Brasil Terra e o Brasil Mar representam um país de 14,2 milhões de quilômetros quadrados. Essa mudança político-geográfico já foi incorporada ao novo Atlas Geográfico Brasileiro, lançado em abril deste ano. A Plataforma Continental de um estado costeiro, conforme estabelece a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental.
Este patrimônio nacional que abrange os espaços oceânicos, costeiros e ribeirinhos é composto pelo mar territorial, uma Zona Econômica Exclusiva conhecida como Amazônia Azul, e pela extensão da plataforma continental até as suas bordas que são abraçadas pelo Oceano Atlântico. Esse limite, para além das 200 milhas náuticas (cerca de 370 km traçados a partir das linhas de base da costa brasileira), são as áreas marítimas sob jurisdição do país.
A Amazônia Azul é a região que compreende a superfície do mar, águas sobrejacentes ao leito do mar, solo e subsolo marinhos contidos na extensão atlântica que se projeta a partir do litoral até as bordas da Plataforma Continental brasileira. É dela que são extraídos 95% do petróleo nacional, 85% do gás natural, 45% do pescado consumido no país, além de ser por onde trafegam 95% do comércio exterior em navios transoceânicos e onde estão instalados os cabos submarinos que transmitem mais de 95% dos dados de internet, interligando o Brasil ao mundo.
O nome Amazônia Azul foi dado pela Marinha do Brasil para despertar a noção da importância das áreas marítimas que pertencem ao país, tão vastas e ricas em biodiversidade que se assemelham à Floresta Amazônica (Amazônia Verde) em termos de dimensões, abundância de recursos naturais e importância ambiental, científica e econômica. Segundo a Marinha, elas têm a mesma necessidade de preservação, valorização, uso sustentável, proteção, importância ecológica, econômica e estratégica enquanto patrimônio nacional fonte de riquezas a ser protegido e explorado com sustentabilidade.
A preocupação mundial com os oceanos é crescente em um tempo em que os biomas terrestres têm as suas áreas e os seus recursos naturais reduzidos a cada dia. No Brasil, o Planejamento Espacial Marinho (PEM) irá orientar o uso correto e adequado do mar para atividades econômicas e deverá ser concluído até o ano de 2030.
Segundo o biólogo e professor do Instituto do Mar, Ronaldo Christofoletti, há um planejamento em Salvador de instalação de um parque eólico offshore (no mar), para aproveitar a energia dos ventos e a força da água para geração de energia limpa. Ainda não é possível dimensionar todo o potencial econômico da Amazônia Azul, mas os recursos marinhos extraídos de forma sustentável irão aumentar e fortalecer a economia brasileira sem prejudicar o meio ambiente.
Outra forma de geração de riquezas através da porção marítima brasileira é o subsolo marinho dispôr de grande quantidade de minerais a serem explorados sustentavelmente como manganês, ferro, cobalto, níquel, cobre, platina e carbonato de cálcio. "Até o ouro pode ser minerado na crosta oceânica, porque faz parte da geologia do manto terrestre, que aflora nas cordilheiras oceânicas e no relevo do fundo do mar pela atividade vulcânica", explicou o geólogo e professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, Ricardo Fraga.
"Já há pesquisas científicas avançadas sobre isso. O fundo do mar é a nova fronteira da mineração", explicou ele. A exploração econômica dos minerais marinhos já acontece para a indústria de cosméticos e medicamentos a partir das algas e micro algas do fundo marinho, além de outros materiais biológicos.
Economia do Mar
A Diretoria Geral de Navegação da Marinha estima que a atual contribuição do oceano para a economia nacional ultrapassa mais de R$ 1,74 trilhão. As atividades relacionadas à economia do mar estão atreladas ao setor de portos, que proveem mais de um milhão de empregos e movimentam 1,2 bilhão de toneladas de diversos produtos como soja, milho, minério de ferro e fertilizantes, além de medicamentos, alimentos e outros insumos que estiveram presentes em algum momento no porão de um navio.
Só os pescados de captura marinha, que se sobrepõem à aquicultura continental como maior protagonista de exportações, contribui com R$ 5 bilhões para o PIB, gerando 3,5 milhões de empregos diretos e indiretos.
Para a pesquisadora Andréa Carvalho, do Instituto de Ciências Econômicas e Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, uma das organizadoras do livro Economia Azul - Vetor para o Desenvolvimento do Brasil, publicado em 2022, a região é um importante pilar da economia brasileira. Ela explica que a contribuição da região para a Economia do Mar divide-se em setores atrelados à faixa oceânica, que representam 13% do Produto Interno Bruto brasileiro (PIB), e a economia costeira e litorânea, que se associa indiretamente ao mar, por ser desenvolvida nos municípios adjacentes ao Oceano Atlântico, representando 16% do PIB.
Existe atualmente um grupo técnico interministerial para identificar setores e atividades que integram a economia azul e seus aportes para o PIB do mar. Eles também irão elaborar a proposta de metodologia que permita mensurá-lo para possibilitar o avanço das discussões da exploração sustentável de recursos marinhos.
O doutor em Planejamento Energético da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente, Ricardo Baitelo, acredita que o potencial de geração de energia do mar equivale a quase metade de todo o sistema elétrico brasileiro instalado hoje, (que é majoritariamente renovável, mas com 8% de termelétricas fósseis e energia nuclear), é de 240 GW. "Essa média de energia que pode ser gerada através da Amazônia Azul atenderia metade da população brasileira e isso é bom para toda a sociedade", afirmou.
Enquanto estão em andamento a avaliação de potenciais estoques de riquezas e de possibilidades de extrativismo mineral marinho, além da geração de energia limpa no mar, os ecossistemas marinhos e costeiros geram biologicamente um sequestro e armazenamento de carbono que estão mitigando as mudanças climáticas de modo mais expressivo do que a própria floresta Amazônica. Os estudos subsidiarão a participação brasileira na formação de um novo mercado global de "Carbono Azul" para se somar ao atual mercado de créditos de carbono.
Segundo explicou a doutora em Direito Internacional do Meio Ambiente, Tarin Frota, além de auxiliar no processo de descarbonização do país, recursos extraídos sustentavelmente da Amazônia Azul devem garantir no futuro não só o desenvolvimento de medicamentos, cosméticos e produção de energia eólica offshore, mas a própria segurança alimentar do país.
Atlas do Mar
Atento aos efeitos negativos que o processo de mudanças climáticas está gerando tanto no meio ambiente quanto na socioeconomia estadual, o governo do estado está dando continuidade às pesquisas e estudos para mapear o potencial econômico de todas as suas riquezas naturais, incluindo a participação baiana na Amazônia Azul. O que se sabe até agora é que os ecossistemas marinhos e costeiros movimentam cerca de R$ 80 bilhões anuais no estado.
Na Bahia, está sendo desenvolvido pelo governo do estado, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem (Senai) através do Campus Integrado de Manufatura e Tecnologia (Cimatec Mar) e a Marinha do Brasil, um novo Atlas do Mar e Bioma Costeiro da Bahia para que se possa conhecer e dimensionar o celeiro de oportunidades econômicas associadas ao uso responsável e sustentável dos ecossistemas costeiros e marítimos.
Dentro desse conceito, foi criado também o campus do Senai Cimatec Mar, localizado no porto de Salvador, que está sendo implementado para apoiar atividades marítimas industriais e comerciais, com forte ênfase em inovação e sustentabilidade para atender as demandas da Economia Azul.
Ele contará com infraestrutura para testes e pesquisas em setores como engenharia submarina e offshore (no mar), logística portuária, engenharia naval, defesa e segurança. Suas áreas de atuação incluem sustentabilidade socioambiental, tecnologias submarinas, tecnologia portuária, energias oceânicas, desenvolvimento náutico e naval, além de ações para a proteção, preservação e exploração sustentável da Amazônia Azul.
Segundo o consultor de meio ambiente do Senai Cimatec, César Roberto Carqueija, o objetivo é trazer soluções tecnológicas, projetos e capacitação para apoiar a indústria que tem investido no mercado de créditos de carbono como medida compensatória para a emissão de gases poluentes de efeito estufa.
Ele explicou que o "carbono azul", sequestrado e armazenado em ecossistemas costeiros e marinhos, tem movimentado a economia e se apresenta como uma oportunidade de negócios. "A exploração da Amazônia Azul deve vir imbuída de conceitos e práticas da economia circular, reduzindo, reutilizando, reciclando e repensando os seus usos e processos para se obter a máxima eficiência com energias mais limpas e menores impactos para o meio ambiente", explicou o biólogo doutor em Biotecnologia de Recursos Naturais.
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