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'A realidade do Brasil é transitar entre repescagem e o Grupo Mundial', diz Guga

Publicado sábado, 19 de setembro de 2015 às 23:37 h | Atualizado em 19/11/2021, 07:03 | Autor: Estadão Conteúdo

Da arquibancada, ele grita, gesticula e sofre. Há 15 anos, nas quadras, chegava ao topo do mundo do tênis, por onde permaneceu durante 43 semanas como melhor do mundo no ranking ATP. Consagrou-se tricampeão no saibro de Roland Garros, e aflorou o gosto pela prática do seu esporte no chamado País do Futebol.

Literalmente em casa, na arena que leva o seu nome, Gustavo Kuerten acompanha de perto a derrota parcial do Brasil para a Croácia na repescagem da Copa Davis, em Florianópolis. Com as vitórias de Borna Coric sobre João "Feijão" Souza e da dupla Ivan Dodig e Franko Skugar sobre Marcelo Melo e Bruno Soares, a equipe brasileira se encaminha para o rebaixamento, mas o "manezinho da ilha" demonstra otimismo e esperança de uma virada no último dia da competição.

Segundo Guga, o favoritismo pode ter atrapalhado o desempenho da equipe até aqui. "Jogar como favorito é diferente. A equipe em si está caminhando como o tênis, evoluindo. Mas a realidade do Brasil ainda é essa, transitar entre repescagem e Grupo Mundial", disse o ex-tenista, em entrevista exclusiva à reportagem do Estado, concedida no local do confronto entre brasileiros e croatas.

"Desde o início eu falei que com a ausência do Cilic (14º do mundo) a gente é favorito. O que é antagônico. Nossa dupla era o ponto mais forte, fora o Bellucci, mas perdeu. Então, tem o peso de lidar com isso. Nossa equipe normalmente não entra como favorita, mas sim como franco-atiradora. Foi assim que ganhamos da Espanha e quase ganhamos da Argentina", emendou.

Guga avaliou o atual momento do tênis brasileiro, que hoje conta com Thomaz Bellucci de volta ao Top 30, Marcelo Melo, que ganhou Roland Garros nas duplas neste ano, com o croata Ivan Dodig, além de jovens valores como Orlando Luz, que vem se destacando em torneios juvenis de nível mundial.

"Eu vejo que o Brasil vem crescendo nos últimos cinco anos. A Copa Davis representa um pouco do resultado dos profissionais, mas acho que o tênis é muito mais do que isso. A gente já teve o máximo do resultado profissional, que é ter o tenista número 1, mas quando eu digo que o esporte vem crescendo é mais no apoio aos juvenis, uma condição mais favorável de locais de treinamento. Não existe ainda um tênis brasileiro definido. É difícil um Orlandinho prevalecer, mas, de seis Orlandinhos, um ou dois vão prevalecer. Se tiver um só, a chance de ficar pelo caminho é maior. Porque o funil do juvenil para o profissional é assustador", ponderou.

A competição entre países do tênis, inclusive, tem um significado especial para Guga. Em 2007, no último confronto da Davis na capital catarinense, o ex-tenista fazia parte da equipe brasileira que venceu o Canadá. "A sensação é gostosa porque aqui estou praticamente em casa. Mato um pouco da saudade também de jogar Copa Davis, ajudo um pouco, contribuo. Aqui posso envolver os outros jogadores e, de forma mais exponencial, toda a população em geral, o nosso país. É uma relação íntima por completo, porque estão jogando dentro de um estádio com meu nome. Ainda soa um pouquinho estranho, mas hoje já estou mais acostumado", contou.

No primeiro dia do confronto com a Croácia, na sexta-feira, Thomaz Bellucci disse que Guga trouxe sorte, quando o brasileiro se recuperou de uma queda e fechou a partida contra Mate Delic por 3 sets a 1 na abertura da competição. No entanto, Feijão, Melo e Soares não tiveram a mesma sorte.

"Como eu conheço um pouco da situação e não estou envolvido no dia a dia, eu procuro também respeitar o espaço, todos os componentes, eu acho que é deselegante chegar ali e querer ser o protagonista, falar mais que o necessário, mas nessas horas é importante uma palavra-chave. Ali com o Bellucci falei para ele prestar mais atenção nas pernas, na intensidade do que no próprio jogo em si e funcionou, ele acabou tendo um bom resultado e finalizando o jogo naquele quarto set. Às vezes, um incentivo salva uma partida", ressaltou.

O primeiro feito de expressão como profissional de Guga foi na Davis, em 1996, quando ajudou o time brasileiro a derrotar a Áustria e alcançar a primeira divisão do Grupo Mundial. Em dezembro, Guga celebra os 15 anos que ocupou o topo do ranking da ATP, onde permaneceu por 43 semanas, sacramentando-se como o maior tenista da história do Brasil.

"Foi o maior momento da minha carreira, sem sombra de dúvida. Relembrar a situação parece que é entrar em uma novela das oito, porque hoje é muito bacana investigar aquele enredo todo em que aconteceu. Torna ainda mais especial e, realmente, uma façanha meio improvável, praticamente impossível, pensando na saída da quadra no primeiro dia contra o Agassi (no Masters Cup, hoje chamado de ATP Finals), meio que machucado, com as costas toda quebrada e indo dormir, não sabia nem se ia conseguir voltar para a quadra ou não. Hoje é fácil olhar porque no final deu tudo certo. Mas foi um enredo extraordinário, finalizando com a vitória contra Sampras e Agassi, semifinal e final. Se eu puder escolher da minha carreira minha maior atuação nas quadras de tênis foram nesses cinco dias no torneio de Lisboa (o Masters Cup de 2000)", recordou.

Hoje o ex-número 1 do mundo aposta suas fichas no trabalho de base, como a Escolinha Guga. "Vejo que o tênis tem ainda vida depois desses 15 anos, tem muita unidade. É legal de ainda estar envolvido, nós temos projetos de desenvolvimento do tênis. Talvez, até hoje a participação seja mais importante do que ser número 1 do mundo. Eu nunca esperei que pudesse acontecer dessa forma, mas está claro para mim que ser número 1 do mundo contribui imensamente, mas não foi o suficiente para transformar o tênis brasileiro. Acho que hoje, do lado de fora, com bastante disciplina, compromisso, esse projeto da Escolinha Guga, acho que tem um potencial para daqui a dez, quinze anos transformar a realidade do nosso tênis", finalizou.

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