CRIME NO ESPORTE
Casos de racismo aumentam no futebol e preocupam entidades do Brasil
Preconceito na esfera esportiva se transformou em ferida aberta na Bahia e no país
Por Pevê Araújo
Nos últimos dias, o tema racismo ganhou uma nova página no futebol do Brasil. O atacante Vinícius Júnior, do Real Madrid, foi alvo de diversas ofensas preconceituosas na partida contra o Valencia, no Estádio de Mestalla, em 21 de maio. O jogo era válido pelo Campeonato Espanhol. Algumas horas depois, o goleiro Caíque respondeu a injúrias raciais no duelo entre Ypiranga-RS e Altos-PI, pela Série C do Brasileirão. Por meio da assessoria de comunicação do clube gaúcho, o defensor ex-Vitória lamentou os acontecimentos e citou o ponta da Seleção.
"No domingo, aconteceu também mais um episódio com o Vinícius Júnior. É algo que está acontecendo recorrente nos estádios e espero que esse seja o ponto final disso tudo. Eu fico muito triste de estar aqui falando essas coisas. As pessoas acham que a cor, a raça, definem quem é a pessoa, não importa isso. Todos somos iguais! O que basta é respeitar o próximo. Tanto no meio do futebol e fora também, a gente vê muitos casos acontecendo com negros nas ruas também. Espero que seja um basta, que pare. Dentro do estádio é para ser um espetáculo bonito do futebol, não temos que estar parando jogos e vindo falar sobre atos racistas. Fica aqui também a minha solidariedade com Vinícius Júnior, não é a primeira vez que acontece com ele, mas agora eu espero que as autoridades dêem um basta nessa situação", disse o goleiro.
O Vitória não se manifestou sobre a agressão racista sofrida pelo goleiro Caíque, mas o Ypiranga-RS pediu um "mundo mais fraterno, igualitário e sem discriminação" ao falar sobre o acontecimento. "O clube Ypiranga repudia veementemente este comportamento que não se alinha aos valores esportivos e humanos da nossa sociedade", publicou.
Com base no que aconteceu com Vinícius Júnior e com outros atletas que atuam no futebol brasileiro, o Portal A TARDE entrou em contato com fontes ligadas ao tema no país em busca de posicionamentos que tivessem o objetivo de coibir os crimes, que estão em crescimento em ambientes esportivos.
Segundo dados divulgados pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol até o dia 22 de maio de 2023, foram contabilizadas 20 denúncias de racismo no esporte do país. Em 2021, a pesquisa registrou 64 casos. O relatório de 2022, que ainda está sendo fechado pela entidade, destaca cerca de 90 denúncias envolvendo injúrias raciais na principal atividade esportiva do Brasil. Em entrevista com o diretor do Observatório, Marcelo Carvalho, ele deu detalhes de como a instituição funciona.
“O Observatório surgiu em 2014, logo após os casos de racismo com Márcio Chagas, Tinga e Arouca, era início do ano que o Brasil sediou a Copa do Mundo, então o Brasil sempre se vendeu como o país da democracia racial e naquele momento os casos de racismo chamaram muito a atenção de todos, inclusive do governo brasileiro, de todos que queriam esconder os casos. Eu fui pesquisar quantos casos de racismo aconteciam no Brasil e os desdobramentos desses casos. Aí eu não encontrei a informação. Aí nasceu a ideia de criar o Observatório, para criar, mapear e monitorar os casos de racismo. O Observatório também faz muitas ações junto aos clubes, empresas, que visam o combate ao racismo no futebol”, contou Carvalho.
Mesmo buscando aplicar medidas para coibir a ação de criminosos no futebol, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) não possuem regulamentos específicos diante de atos como injúria racial e outros preconceitos. Segundo explicou o diretor do Observatório, as entidades brasileiras aplicam as regras determinadas pela Fifa como protocolo.
“Não existe protocolo para casos de racismo no Brasil. Existe um protocolo da Fifa que o STJD uma vez determinou que ele deveria ser seguido no Brasil. A gente nunca teve um caso dessa maneira, com vários torcedores entoando cânticos racistas para isso ser aplicado. A gente teve alguns casos de cânticos homofóbicos, no caso do jogo São Paulo e Corinthians, que o juiz determinou que o jogo fosse paralisado, informou no sistema de som. O Brasil segue a determinação da Fifa”, contou Marcelo Carvalho.
Diversos clubes do futebol brasileiro se manifestaram contra os atos racistas sofridos por Vinícius Júnior. Entre as agremiações que condenaram os crimes, Bahia e Vitória representaram o futebol de Salvador pelas redes sociais. Logo após o acontecimento, o Rubro-Negro se solidarizou com o atacante e lamentou o fato. “Esperamos soluções para que o jogador volte a jogar com alegria e sem repetições desses casos, que não são isolados”, publicou o Vitória.
O Esporte Clube Vitória se solidariza com @vinijr após os atos racistas sofridos pelo atleta.
— EC Vitória (@ECVitoria) May 22, 2023
Esperamos soluções para que o jogador volte a jogar com alegria e sem repetições desses casos, que não são isolados. ✊🏿 pic.twitter.com/SiDtXtb3zT
Com o Bahia não foi diferente. O Tricolor manifestou solidariedade ao jogador e reafirmou o foco recente para combater o racismo. “O Esquadrão se junta ao coro do nosso país por ações concretas e mudanças. Seguiremos nesta luta”, compartilhou o Esquadrão no Twitter.
O racismo é uma ferida no futebol da Bahia
Mesmo com uma postura combativa com relação ao racismo dos principais clubes da Bahia, o estado foi palco recente de atos criminosos contra jogadores negros. Em vídeo que foi divulgado na internet, um torcedor do Tricolor apareceu falando sobre o cabelo do lateral-esquerdo Luiz Henrique. A conduta criminosa aconteceu na partida diante do CSA, na Arena Fonte Nova, no dia 16 de fevereiro de 2022. Na ocasião, o clube também lamentou o acontecimento. Procurada pelo Portal A TARDE para comentar sobre racismo no futebol, a assessoria do Esquadrão afirmou que "ultimamente está com mais dificuldade de atender pedidos de exclusivas". A postura mudou após a venda da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do clube para o Grupo City.
Quase um ano após os atos racistas contra Luiz Henrique, dois torcedores do Bahia foram julgados pela corte especial do Conselho Deliberativo do clube e pegaram uma pena de seis meses de suspensão, o tempo máximo previsto no estatuto tricolor. Também no início de 2023, novamente na Arena Fonte Nova, um funcionário do Bahia foi vítima de racismo. O profissional de comunicação do clube, Antonio Muniz, da TV Bahea, sofreu injúria racial por parte de um torcedor, que foi encaminhado para a delegacia do estádio para realização de boletim de ocorrência.
O Bahia se manifestou novamente para condenar a postura do torcedor. "O Esporte Clube Bahia vem a público repudiar episódio lamentável contra o jornalista Antonio Muniz, da TV Bahêa, durante o jogo desta noite na Fonte Nova. Toni, como é mais conhecido, foi alvo de injúria racial por parte de um torcedor enquanto exercia a sua profissão na beira do gramado. Acionada pelo clube, a Polícia Militar conduziu o acusado à delegacia do estádio e foi realizado boletim de ocorrência. O departamento jurídico tricolor acompanhará o caso e prestará todo o apoio necessário a Muniz", disse o Tricolor.
Também em Salvador, mas desta vez no Barradão, o goleiro Rodolfo, que atuava pelo Doce Mel, foi vítima de injúria racial proferida por um torcedor do Vitória. O crime aconteceu no Campeonato Baiano de 2023, na partida do clube do interior diante do Rubro-Negro. Uma pessoa que estava na arquibancada chamou o defensor de "macaco". Em áudio divulgado na internet, é possível ouvir o insulto.
O Vitória emitiu uma nota de repúdio e prometeu trabalhar para identificar o criminoso. "Esse ato não representa nosso clube e muito menos a nossa torcida, que é a torcida mais negra do Brasil. O clube já está trabalhando para identificar o criminoso e não medirá esforços para isso. Estaremos à disposição das autoridades responsáveis para cooperar na resolução do caso", publicou o Rubro-Negro.
O Portal A TARDE entrevistou o presidente da Federação Bahiana de Futebol (FBF), Ricardo Lima. Sobre o caso envolvendo o goleiro Rodolfo, o mandatário afirmou que existiu uma apuração da entidade, mas o fato não foi confirmado.
“A FBF apurou minuciosamente os fatos e ouviu o atleta, árbitros, delegados e autoridades presentes. Não houve qualquer relato na súmula e tanto o atleta quanto às demais pessoas ouvidas pela FBF não confirmaram a ocorrência desses supostos atos. Também não conseguimos outras provas suficientes para prosseguir com qualquer medida”, destacou.
Lima disse também que a entidade repudia e se manifesta contra o racismo de diferentes formas, apoiando a “garantia dos direitos humanos” em diversos espaços sociais e nos ambientes relacionados ao futebol.
“A FBF atua com firmeza no combate à violação de direitos fundamentais e à discriminação de qualquer natureza, promovendo inúmeras campanhas educativas e de conscientização, reforçando a vocação do futebol como ferramenta para o desenvolvimento humano, econômico-social e para a construção de um mundo melhor”, pontuou Ricardo Lima.
Até o momento da publicação desta reportagem especial, o Vitória não tinha se manifestado oficialmente sobre o assunto.
No dia 23 de maio deste ano, o atacante Hugo Rodallega, que vestiu a camisa do Bahia em 2021 e 2022, relatou ter sido vítima de racismo na partida entre Santa Fe, clube que defende, e Gimnasia La Plata, pela Copa Sul-Americana. O crime aconteceu no Estádio Juan Carmelo Zerillo, na Argentina. O jogador de 37 anos comentou sobre o assunto.
"Nós não melhoramos como humanidade. É um desastre o que acontece no mundo todo. É uma tristeza vir até aqui - não estou dizendo que perdemos por conta das ofensas -, mas o racismo cansa. Que te chamem de 'macaco', 'negro', é uma falta de respeito. Que tristeza", disse ao canal ESPN.
"Problemas acontecem dentro do campo. Podemos discutir, brigar, podem haver expulsões, é normal, mas falar da raça, isso, em vez de raiva, me dá tristeza. Você pode perder no último minuto, em Bogotá também ganhamos no último minuto, mas o que me dói é o que acontece no estádio, no entorno. Nós o tratamos bem em Bogotá, os respeitamos, e, hoje, não nos respeitaram", completou o ex-jogador do Bahia.
O Tricolor se manifestou nas redes sociais e repudiou o crime ocorrido contra Rodallega. "Estamos contigo, Hugo, e contra o racismo ao redor do planeta. Não aguentamos mais", publicou o Bahia.
Estamos contigo, Hugo, e contra o racismo ao redor do planeta.
— Esporte Clube Bahia (@ecbahia) May 24, 2023
Não aguentamos mais.#ChegaDePreconceito https://t.co/xsxDhHNEfP
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