MADE IN CAPÃO
Ciclista baiano representará o Brasil no Mountain Bike em Paris
Ulan Galinski estará na prova de Cross Coutry Olímpico, no Mountain Bike
Por Luiz Teles
Difícil imaginar, mas o 15º baiano classificado para a Olimpíada de Paris é um atleta fruto do pacato e místico Vale do Capão. Foi lá que nasceu e foi criado Ulan Bastos Galinski, 25, filho de uma brasileira e um francês (Maryanne Bastos e Jean Paul Galinski, donos do Circo do Capão), e que fez do seu habitat natural a principal ferramenta para se tornar o principal ciclista de Mountain Bike do país na atualidade.
“É com muito orgulho que eu falo que eu sou do Vale do Capão e que um chapadeiro da Chapada Diamantina está chegando hoje em uma Olimpíada. Sempre pratiquei muitos esportes e tive bastante contato com a natureza. A bicicleta sempre foi o meu meio de transporte para ir à escola, à casa de amigos, que também só rodavam para cima e para baixo de bike. Quando vi pela primeira vez uma competição grande [a Ultramaratona de Mountain Bike Brasil Ride, com passagem por Mucugê, em 2013], percebi que aquele era um esporte que gostaria muito de desenvolver”, explicou Ulan Galinski à reportagem de A TARDE.
Para começar a disputar competições no Mountain Bike, Ulan teve que ‘abandonar’ o sonho de ser jogador de futebol (chegou a passar em uma peneira do Bahia) e lutador de Jiu Jitsu. “Era coisa demais. Sou um apaixonado por esportes. Mas um professor da escola me disse que, se quisesse realmente alcançar o sonho de viver do esporte e disputar grandes competições, teria que escolher um e me especializar. Foi justamente quando conheci o ciclismo profissional”, explica o atleta.
“Virou uma febre para mim, porque meus melhores amigos também passaram a competir em algumas provas e os dois melhores atletas da Bahia naquela época eram também do Capão. Gostei bastante da experiência de competição e sempre gostei de testar meus limites. Mas é algo que me chamou a atenção no Mountain Bike e que tem tudo a ver comigo e com os valores da minha criação, foi o respeito e a união que os ciclistas tinham um pelo outro. Ali, naquele ambiente, tudo o que eu aprendi no Vale do Capão fazia muito sentido. Me apaixonei”, concluiu Ulan.
Virada de chave
O início das competições locais aconteceu em 2014, mas foi com a chegada ao Capão do estadunidense Rolf Rimrot, que Ulan Galinski passou a se dedicar quase que integralmente ao ciclismo e às planilhas de treino. “Em 2015, por coincidência mágica, me mandaram um anjo da guarda dos Estados Unidos para morar no mesmo lugar que eu e então a gente começou um trabalho ali juntos, e eu passei a realmente entender a importância da disciplina no esporte. Conquistei o meu primeiro título baiano na categoria Júnior e depois dali, daquela alegria gigante e inexplicável de ser campeão, nunca mais parei de buscar voos mais altos”, conta.
Em 2016, Ulan Galinski passou a fazer parte da equipe TSW Team Bahia, comandada por um de seus principais mentores, Maurício Cruz. Em 2018, aos 19 anos, ele deixou o Capão com um contrato com a equipe nacional da TSW, com base em Governador Valadares, em Minas Gerais. Em 2020, o baiano estreava na Áustria em um Campeonato Mundial, e terminou em 14° lugar entre os atletas sub-23, melhor resultado de um brasileiro na história da categoria.
Ulan já havia conquistado então o prestígio de competidor de nível internacional e passou a fazer parte do Caloi Team, comandado pelo maior atleta da modalidade do país, Henrique Avancini, que passou a ser, ao mesmo tempo, tutor e concorrente por uma vaga olímpica. “É um privilégio sem tamanho pode participar dessa equipe. Cresci muito e em 2021 consegui vencê-lo pela primeira vez numa prova. Tínhamos grandes chances de irmos os dois a Paris, mas infelizmente o Brasil ficou com apenas uma vaga e o Avancini deixou as competições no fim de 2023”, explica Galinski, que conquistou seu passaporte para os Jogos como primeiro colocado do ranking olímpico de Mountain Bike XCO (cross country olímpico) da Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC).
Paris é logo ali
Sobre a expectativa para Paris, Ulan Galinski firma os pés no chão e não prega favoritismo às primeiras colocações. “O circuito da prova é técnico, rápido e com bastante cascalho. Não tem muitas raízes, como gostam os europeus e que é algo que nós brasileiros temos dificuldades. Isso pode ser uma vantagem interessante e chego em Paris fora do radar dos principais atletas do mundo, o que também pode ajudar. Contudo, que deixar claro que essa é uma ‘vantagem’ que eu não quero ter no próximo ciclo olímpico. Que chegar em Los Angeles como um dos favoritos, para medalhar. Hoje, não tenho pressão, mas quero surpreender o mundo”, finalizou.
As provas de Mountain Bike XCO em Paris acontecerão nos dias 28 e 29 de julho, na Colina de Élancourt, que fica a cerca de 40 minutos de Paris, no parque Saint-Quentin en Yvelines.
Minientrevista
Como é para você, hoje, olhar para trás e ver a jornada que percorreu até a Olimpíada?
Primeiramente, é com muito orgulho que eu falo que eu sou do Vale do Capão e que um chapadeiro da Chapada Diamantina está chegando hoje em uma olimpíada. Comecei tardiamente no esporte. Pensava em ser jogador de futebol e depois lutador de Jiu Jitsu, mas quando me encontrei no Moutain Bike, tudo fez sentido para mim, porque o espírito de equipe, as amizades, a maneira de um apoiar ao outro, mesmo em competição, tem muito do que carrego do Vale do Capão comigo, da minha formação, de como eu enxergo a vida. Então, vejo a vaga hoje, depois de tanta luta e conquistas, com tantas pessoas importantes nesse caminho, como a realização de um sonho que não é só meu, mas de um bocado de gente importante para mim.
Como foi concorrer com o Henrique Avancini, uma lenda do esporte nacional, por uma vaga? Como é tê-lo hoje como mentor?
Em 2020, quando eu entrei na Caloi Team, eu ainda era um atleta sub-23, e estava no meu último ano de categoria. Eu não enxergava o Henrique como um rival. Naquela época, foi exatamente o ano que ele assumiu a liderança do ranking mundial pela primeira vez. Em 2021, consegui ter alguns bons resultados na categoria elite, mas 2022 não tive um ano tão bom. Em 2023, a gente começou o ciclo olímpico juntos, no mesmo projeto, na mesma equipe, a ideia era a concretização das duas vagas para o Brasil, mas tivemos apenas uma e ele também decidiu não mais disputar competições. Consegui a vaga e tenho nele, em seus ensinamentos e em sua carreira, um referencial enorme para seguir crescendo no esporte. É um ídolo que se tornou meu mentor e hoje é também meu chefe (risos).
Em algum momento você duvidou da vaga olímpica?
Não foi fácil conseguir a vaga. Eram dois anos de pontuação e não tive um 2022 muito bom. Terminei o primeiro ano do ciclo olímpico como o quarto melhor pontuador do Brasil. Lembro que eu voltei para casa e tive um momento muito especial, no Capão, em família. A gente está passando por um momento delicado, meu pai está um pouco, meu pai está adoentado. Mas isso me deu uma força muito grande, pois tive várias conversas superprofundas com meu pai e aquilo virou uma chave dentro de mim. Então a gente já começou o segundo ano de ciclo olímpico na frente e consegui manter isso de forma crescente, até tirar a diferença. Fechando 2023, já bem próximo dos dois primeiros atletas, eu pensei: ‘Agora é voltar para casa, descansar. É ver o que está nas cachoeiras, nas montanhas do Capão’. E só dependia de mim, o quanto seria capaz de me desenvolver. Uma força que você não se constrói apenas com preparação física, mas que vem de dentro do coração. Que bom que deu certo!
Quer deixar um recado final para quem torce por você, antes da Olimpíada?
Queria agradecer a todos que tiveram e fazem parte da minha história. Todos que me ajudaram lá no início, todos que acreditaram quando nem eu mesmo acreditei q ue seria possível. Todas as pessoas que tiveram do meu lado, todos os profissionais que trabalham no time. E eu tive a sorte de ter vários anjos da guarda, que Deus mandou para mim em todo esse processo. Obrigado a todos os bons profissionais que trabalham no meu lado, aos patrocinadores, à Caloi, toda equipe, Henrique Avancini e todas as pessoas da Chapada Diamantina, do Vale do Capão, que são a minha maior força. Sempre falo que cheguei aonde eu cheguei, graças ao lugar de onde eu vim. Para todas as pessoas que sonham, digo o quanto que poderoso realmente é sonhar. A minha história é só mais um exemplo.
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