LIGA NESCAU
Do sonho ao pódio: os mini atletas da Bahia
As medalhistas olímpicas Raíssa Machado e Fabiana Claudino conheceram crianças do esporte na Liga Esportiva Nescau em Salvador
Por Marina Branco

“Eu sempre quis ter uma referência. Mas não tive, então precisei me tornar ela”. A frase da bimedalhista paralímpica no lançamento de dardo Raíssa Machado resume o processo de criação de paixões e referências que atingiu mais de 2.500 pessoas na Liga Esportiva Nescau, disputada no último sábado, 5.
A proposta é muito clara - o maior campeonato poliesportivo estudantil do país tem como principal meta a conexão entre crianças e o esporte, oferecendo inscrições gratuitas para jovens dos 7 aos 17 anos nas modalidades vôlei, futebol e judô, além de oficinas de futmesa, Twister, altinha, corngole, chute ao gol e capoeira. Já na décima edição, a Liga é responsável por encontros emocionantes entre crianças e ídolos, que se tornam referência de que o sonho do esporte é possível.

Se ela consegue, eu também consigo
Uma delas é a bicampeã olímpica Fabiana Claudino, que foi das Olimpíadas para a Associação Atlética Banco do Brasil, em Salvador, para disputar um jogo de vôlei especial - bater uma bolinha com as crianças que a têm como referência de vida. Conhecendo meninas que estavam nas quadras de vôlei da Liga Nescau, Fabiana pôde conversar com o futuro do esporte brasileiro, incentivando e aproximando as pequenas da modalidade.
“Fiquei muito feliz porque, quando eu tô no meio desse projeto, eu lembro muito de como eu comecei, de onde eu vim. Trocando essa experiência, estando ali, a gente dá uma esperança das meninas poderem olhar e pensar ‘se ela chegou, eu também consigo chegar’, e eu já estive no lugar delas. Foi um momento muito marcante para todo mundo”, conta.

Entre mil perguntas sobre como é jogar em uma Olimpíada e como fazer para chegar até o sonho olímpico, Fabiana encheu as meninas da referência que, na infância dela, foi Popó, atleta de vôlei que defendeu a Seleção Brasileira. “A gente se encaixa ali e fala ‘cara, a história dela parece com a minha’”, relembra.
É daí que vem o sonho olímpico - a vontade de alcançar o topo, se tornando referência para as que virão depois: “Quando você chega em cima do pódio, não tem como não lembrar das dificuldades, do que você teve que abrir mão, da resiliência. É incrível olhar a bandeira no pódio mais alto e saber que eu estava lá, é muito louco pensar que em uma Olimpíada são escolhidas 12 atletas e eu estou ali no meio. Me sinto muito abençoada”.
A Liga Nescau, então, é o momento que conecta o sonho com a referência, levando pequenos atletas para perto da crença de que é possível se tornar um esportista de alto nível, como conta Fabi.
“É transformador. Você vê verdade, olha pro olhar dessas crianças e sabe que elas têm oportunidade de estar perto do esporte, de estar perto de outra criança. Infelizmente, no nosso Brasil, a prática do esporte não é tão acessível, é difícil saber como começar, e iniciativas assim trazem carinho, cuidado”, explica.
Dentro da quadra, a emoção é ainda maior. Para as meninas Luiza e Raicca, de 14 anos, respectivamente líbero e capitã de uma das equipes que disputaram a Liga Nescau, conhecer Fabi foi ao mesmo tempo um sonho e um impulsionamento.

“Quando eu vi, meu coração disparou. Se eu toquei nela, eu toquei na Seleção inteira! É um incentivo, porque se ela veio aqui, a gente tem que dar o nosso melhor. Eu acompanho o vôlei, meu mundo gira em torno do vôlei, eu já assisti ela em documentários, e quando eu vi, fiquei pensando em toda a história dela, sentindo que eu tava vendo a história na minha frente. Eu joguei com uma campeã olímpica!”, se emociona Luiza.
Acostumadas a competir em cidades como Candeias, Santo Antônio de Jesus e Mata de São João, as duas viajaram para Salvador para jogar a Liga, e venceram diversos times que nem mesmo conheciam a equipe pela qual as amigas jogam. “A gente veio mais no intuito de diversão, mas melhora muito a nossa autoestima saber que a gente consegue jogar tão bem assim, até quando a gente está brincando”, comenta Raicca.
“Vôlei é terapêutico! Então estar na Liga, jogar de um jeito leve, sem a cobrança de um Campeonato Baiano, por exemplo, faz com que a gente crie novas amizades, reforce as nossas em quadra e ganhe confiança. O que mais move o nosso time é a confiança, porque a gente treina bastante, já se conhece muito bem e confia muito uma na outra. Se eu vejo alguém desestabilizada, eu digo que confio nela, que sei que ela vai conseguir porque a gente tem que ter presença na quadra, independente de ganhar ou perder”, diz a capitã.
Apaixonadas pelo esporte, Luiza e Raicca se conheceram em quadra aos 11 anos, quando começaram a treinar, e levaram a amizade para a vida. “O vôlei é capaz de transformar a sua vida por inteiro. É uma forma de te motivar, te alegrar, descarregar sua energia e fazer amizades. Às vezes, estou sem vontade de treinar, mas como só vejo ela (Raicca) nos treinos, eu vou. É uma forma de melhorar a minha vida por completo”, conta a líbero.

Quebrando recordes e barreiras
Se a proposta da Liga Nescau é levar o esporte para perto das crianças, a missão não estaria completa se não abarcasse todas as crianças. Por isso, o torneio tem modalidades disputadas por atletas e paratletas, cuidando do esporte paralímpico com o mesmo cuidado e referência.
Para os pequenos paratletas, a visita especial veio de Raíssa Machado, bimedalhista no lançamento de dardo em Tóquio 2020 e Paris 2024. “Eu sempre quis ser inspirada e hoje ser uma inspiração para essas crianças, especialmente sendo da Bahia, é incrível. Eu sempre quis ser reconhecida pela Bahia”, conta a baiana.

“O esporte aqui ainda falta muito… metade dos baianos medalhistas estão fora (da Bahia), e a gente podia estar treinando aqui, representando o estado também. Projetos assim abrem portas, abrem a cabeça das pessoas”, explica.
Além da regionalidade, o esporte paralímpico se destaca para Raíssa, que enxerga campeonatos do tipo como algo que “permite que a criança com deficiência se sinta normal”, com a presença de referências como ela própria.
Conhecendo o futuro do esporte baiano nas quadras da AABB, Raíssa contou a muitos pequenos sobre o futuro de sua carreira, que agora mira nas Paralimpíadas de Los Angeles, na conquista do primeiro ouro paralímpico e na quebra do recorde mundial que já foi superado por ela.

“Quebrar um recorde mundial dá a sensação de que você vai ter que treinar de novo pra quebrar de novo, e eu estou preparada. Hoje, ser uma referência é o que me dá força para continuar e ajudar outras mulheres, outras baianas, outras pessoas com deficiência”, projeta.
Futuro do esporte baiano
Nas quadras, os pequenos sonhadores vão conquistando seus primeiros momentos para relembrar na vida de atleta. É o caso de Luciano, futebolista de nove anos que venceu uma partida pela equipe Boca Juniors na Liga Nescau marcando um gol no final do segundo tempo e animando toda a torcida ao redor.
“Estou muito feliz! É muito legal jogar no Boca porque eu tenho muitos amigos e o time é muito forte. Na hora que eu fiz o gol, meu amigo passou, eu chutei, fiquei feliz e fui comemorar. Depois fui buscar a bola pra gente jogar mais. Foi muito legal, e na próxima (Liga Nescau) eu vou voltar de novo!”, conta.

A mesma emoção foi vivida por Bernardo, judoca de nove anos que competiu na Liga Nescau. Lutando e conquistando o terceiro lugar, o mini atleta contou com o apoio e torcida da família, presente no evento para assistir ao pequeno.
“A luta foi muito legal, muito densa. A minha mãe acha que eu fui muito bem mesmo, e disse que não importa a posição, o que importa é competir, se divertir na altinha, no futmesa, e aprender a se defender também, que o judô ensina bastante”, explica Bernardo.

Entre bolas, quadras, idades e modalidades, mais de 70 mil crianças se aproximaram do esporte ao longo dos dez anos de Liga Nescau, de maneira gratuita e adaptada às necessidades de cada um. Conhecendo ídolos, os pequenos caminham a passos, pontos e partidas de se tornarem as futuras referências, levando o esporte baiano adiante e encontrando no esporte tanto saúde, quanto diversão.

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