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"Eu sou o Evaristo do Bahia": a história de um ídolo do futebol
Por Levy Teles | Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE
A história de Evaristo de Macedo transcende barreiras de clubes e até mesmo barreiras nacionais. Herói por onde passou, o ex-jogador e treinador de 85 anos foi ídolo no Flamengo, seu clube de coração, jogou na Seleção e foi o primeiro brasileiro a jogar no futebol espanhol, no Barcelona. Na Catalunha, é um ídolo imortal – foi multicampeão pelos Azuis-grená, fez gol na inauguração no Camp Nou e até hoje é o maior artilheiro brasileiro da história do Barça.
Evaristo ainda chegou a ter passagem no Real Madrid de Puskás e Di Stéfano e é um dos poucos que reúnem madridistas e blaugranas na idolatria.
Como treinador, chegou à Seleção e se tornou ídolo no Qatar. Mas não tem dúvida ao apontar seu maior feito na carreira de técnico, e pelo qual ele é mais conhecido: o título brasileiro de 1988.
Em entrevista ao Jornal A TARDE, Mestre Evaristo recorda aquele tempo e discute o futebol de hoje.
Trinta anos depois do título de 1988 com o Bahia, qual a memória mais valiosa?
É uma coisa que fica guardada dentro da nossa alma, do nosso ser. Eu acho que essa conquista foi muito difícil, muito buscada, muito brigada, com muita dificuldade. Superamos muitas coisas – por isso, quando a gente se lembra de tudo o que aconteceu, as coisas que nós passamos, as angústias, as alegrias, as tristezas, vem uma compensação muito grande que é o título.
Durante a primeira fase, o Bahia passou por percalços, críticas da imprensa e da torcida. Como foi esse momento inicial na sua perspectiva como treinador?
A gente sabe que é normal, pela experiência de jogador e treinador. A gente sabia das dificuldades que existiam. Entendíamos a angústia, o nervosismo e insatisfação da torcida, mas isso faz parte do futebol – ninguém vai mudar isso, nem naquela época nem hoje. Não existe isso de que uma derrota seja bem assimilada, seja bem aceita. Futebol é sobretudo paixão. A paixão não permite isso.
É fato que o Bahia fez uma boa segunda fase – apesar de alguns momentos dramáticos. Durante o percurso, fala-se da importância da preparação durante a pausa entre as fases. O quão importante foi ela? Como você planejou?
O meu maior título foi o Brasileiro com o Bahia – até porque não era o favorito
Nós fizemos um estudo da capacidade, não técnica, mas do condicionamento físico deles. Então, nós sabíamos que para chegar bem lá na frente tínhamos que ter alguma vantagem em termos de condicionamento físico e, para isso, era preciso um pouquinho de sacrifício. Os jogadores têm de deixar de fazer certas coisas e conseguimos isso porque eles ficaram cientes das necessidades e se superaram.
Qual jogo mais te marcou nesta campanha?
Acho que o grande jogo, na realidade, é a final. Na final está se jogando todo o trabalho que se realizou durante muito tempo. O jogo de Porto Alegre foi um jogo fantástico. Fomos buscar o campeonato dentro da casa de uma das maiores equipes do futebol brasileiro.
Você estava crente no título no começo da campanha?
Não. A gente sabia que teríamos dificuldades na formação da equipe, até porque tem um problema de ordem financeira. Você não faz o que você quer, faz o que você pode. Tivemos sorte na escolha dos jogadores e isso foi importante, tivemos muita sorte porque todos os jogadores que lançamos corresponderam plenamente às necessidade que tínhamos.
Foi o maior troféu que você conquistou na carreira?
Evidente que o meu maior título foi o Campeonato Brasileiro com o Bahia – até porque não era o favorito. Quando você pega uma equipe favorita é uma coisa, mas o Bahia não era. Ninguém esperava que o Bahia fizesse essa campanha.
Não penso mais [se ainda poderia ser técnico]; só assisto aos jogos, torço pelos clubes onde trabalhei
Como era a sua relação com o elenco?
Sempre tive uma boa relação com os jogadores. Eu não era um paizão, mas eu era um cara que entendia a necessidade de todos, as dificuldades. Não queria que o sujeito fizesse o impossível. Sempre aceitei as limitações, as virtudes. Também fui jogador, tive treinadores que me cobravam demais, outros que me cobravam de menos, então, já trouxe essa experiência.
Há quem defina você como rígido, disciplinador, e há quem diga que você era um brincalhão. Como você se definiria?
Sempre fui um treinador que procurou não cometer injustiças e buscou dos jogadores que fossem profissionais. Eles tinham obrigações a cumprir – sempre exigi que cumprissem obrigações. E tenho que dizer que eles entendiam que era minha obrigação como treinador.
Você teve a oportunidade de fazer uma carreira de impacto em tantos clubes no Brasil e no mundo. Como é ser ídolo de tantas equipes ao mesmo tempo? Dá para administrar bem?
[Risos] É difícil, é muito difícil. A realidade é que o que fizemos, tivemos muito carinho, muita vontade, muita determinação e também tivemos sorte, porque ninguém consegue sem uma ajuda. Eu fui campeão em praticamente todas as equipes que passei, fico muito feliz e muito satisfeito.
Com tantas passagens por outros clubes, cabe a pergunta: o quanto você guarda o Bahia no coração?
Com o Bahia, eu comecei há muitos anos na Fazendinha e aí eu aprendi a querer bem o Bahia. Eram muitas dificuldades, tínhamos que superar as coisas e conseguimos. Então, todas as vezes passei no Bahia, não passei apenas como um profissional, passei como uma pessoa que tinha uma dedicação e uma relação sensacional – Eu com o Bahia. Eu também sou o Evaristo do Bahia, certamente.
Você jogou com Kubala, Kócsis, Czibor, Suárez, no Barcelona; Puskás, Gento, Di Stéfano, no Real, lá pelos anos 1960. Jogou com Zizito, Didi, na seleção. Pôde ver Pelé, Maradona, Cruijff e seguiu vendo Messi, Cristiano Ronaldo. O que você vê de maiores mudanças nessas eras?
Muita coisa mudou, não resta dúvida. O país não mudou? Muitas coisas mudaram também no futebol. O material esportivo ficou mais cômodo, os gramados ficaram mais bem cuidados e os clubes têm melhores condições. A vida é mais fácil e, sobretudo com o que os jogadores ganhavam naquela época, tinhamos uma preocupação com o futuro. Hoje, o jogador não pensa no futuro. O futuro dele é o presente. O futebol sofre mudanças como sofre a política do próprio país. Hoje há o interesse muito grande de empresas. Com o marketing, o futebol ganhou muita coisa e eu acho que a tendência é se manter assim. Ninguém vai mudar mais isso.
Você pensa que ainda daria um caldo como treinador?
Não penso mais, não [risos]. Depois que me aposentei, só assisto aos jogos, não faço julgamentos, não faço nada. Apenas sou torcedor. Torço pelos clubes onde trabalhei.
Olhando para trás em sua carreira, o que você mais guarda com carinho?
Olha, o bom do futebol é que você ganha amigos, você conquista alguns, outros te conquistam. O bom do futebol é você ter as boas lembranças. A gente quando deixa de trabalhar não se preocupa com o que não conseguiu, a gente fica feliz com o que nós conseguimos, com as amizades que nós fizemos, com tudo isso.
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