ESPORTES
Futebol feminino: veteranas, Meg e Solange falam de desafios
Por Juliana Lisboa

Já faz o quê, 19 anos que a gente não se encontra?", pergunta Meg, primeira goleira da seleção feminina de futebol do país, ao abraçar a ex-zagueira e colega de time Soró. "Por aí... Tem pelo menos 15, porque acho que a gente se viu depois da Olimpíada de Atlanta, em jogos aqui no Brasil"
Estava claro que as duas queriam conversar, mas, por causa das fotos para A TARDE, tiveram que segurar a ansiedade. Terminados os cliques na orla do Rio Vermelho, o reencontro seguiu para o prédio em que Meg mora. Longe das câmeras e mais à vontade, elas, enfim, voltaram a se tratar como meninas.
A partir daí, a conversa girou entre números e lugares que movimentam as memórias das ex-colegas. Há 25 anos, a baiana Solange Bastos, de 46 anos, e a paranaense Margarete Pioresan, de 59, se conheceram no Rio de Janeiro, quando foram chamadas para integrar a primeira seleção brasileira da modalidade.
Na época, Soró estava com 20 anos, e foi a primeira vez que ficou tão longe da família e da cidade natal, Feira de Santana. Ela nunca tinha viajado de avião. Meg, por outro lado, já tinha passado pela seleção de handebol, também como goleira, e viajado pelo mundo para realizar jogos. Estava com 34 anos.
Uma das primeiras coisas que Meg quis deixar claro sobre a seleção feminina de 1990 é que, além de ter sido a primeira, essa foi uma das melhores que o Brasil formou.
"A nossa era uma super geração. Eram muitas meninas talentosas. Outra seleção assim, só a que disputou o Mundial em 2007 e a Olimpíada em 2008. Aí eu pensei: 'Quando é que vamos ter uma safra de jogadoras como essas?' ", alfinetou, dando a entender que o sucesso da equipe brasileira depende muito do talento individual.
As duas ex-jogadoras citaram o falecido Eurico Lira, dono do famoso clube carioca Radar - que representou a seleção brasileira em 1989 -, como principal incentivador do esporte no Brasil. Solange confessa que, logo que chegou à concentração no Rio de Janeiro, em 1990, ficou com tanta saudade de casa que pediu para ser cortada. Foi o apoio psicológico do dirigente que a impediu de desistir do futebol.
"Eu sonhava com tudo que todo jogador de futebol sonha, mas eu não me via como atleta da seleção. Nunca achei que eu tinha a mesma qualidade que Meg, por exemplo. Mas ele viu que eu tinha potencial. E, quando eu fui convocada, ganhando de um monte de menina de Salvador, achei que ele tinha se enganado", lembrou. Esse foi o primeiro corte na peneira da seleção brasileira, que, até então, contava com 30 jogadoras.
"Fui a última a ser chamada. Quando ele me chamou, todo mundo olhou para mim. Eu falei: 'Eu?'. E ele: 'Por que não?'. Achavam que eu, por ser do interior, não tinha capacidade para estar lá. Eu me sentia muito sozinha, demorei a fazer amizade e quis ir embora. Cheguei a pedir para ser dispensada da seleção. Foi por causa dele que eu fiquei", recordou Soró.
Ela vai além: "Tenho certeza de que, se ele ainda estivesse vivo, nunca teria deixado as atletas dele sem trabalho. Nós, que jogamos em Olimpíada, que passamos pelo Mundial, nunca seríamos deixadas de lado", completou a baiana.
Ela está desempregada, como muitas das ex-jogadoras brasileiras que não saíram do país. Meg vive de forma mais confortável, porém graças à aposentadoria da Prefeitura do Rio de Janeiro, e não ao esporte.
Sem lero-lero
De acordo com Meg e Soró, a situação não deve melhorar num futuro próximo. Elas não acreditam que o futebol feminino pode se desenvolver no país mesmo que a seleção vença alguma competição importante, como a Olimpíada no ano que vem.
"A gente ouviu essa conversa em 1991, em 1996, quando disputou o Mundial e a Olimpíada. Era sempre assim: 'Se vocês ganharem o campeonato, o futebol feminino vai se profissionalizar' ", disse Meg. "Tenho certeza de que as meninas que disputaram a Copa do Mundo, agora, ouviram a mesma coisa", ironizou.

Meg e Solange falam sobre carreira em um "esporte masculino" (Foto: Mila Cordeiro | Ag. A TARDE)
"A gente jogava pelo futuro do esporte: 'Se vocês ganharem, o futebol feminino no Brasil vai explodir'. Mas não explodiu nada", lamentou Soró. "Nos clubes aqui do Brasil, a gente chegava nas finais dos campeonatos sem saber se ia continuar empregada. Se a gente perdesse, o time acabava. Continua sendo assim em muitos clubes", relatou a ex-zagueira.
No entanto, a situação financeira das atletas da seleção melhorou bastante. De acordo com dados do livro "Fazendo Gênero e Jogando Bola", da baiana Enny Moraes (leia entrevista com ela nas páginas 4 e 5), o valor da diária das convocadas, em 1994, era de R$ 20, pagos pela CBF quinzenalmente. Hoje, atletas do selecionado permanente recebem, no mínimo, R$ 9 mil por mês.
Mais reencontros?
No final da conversa, números e nomes voltaram à tona. Há 24 anos, Meg e Soró disputaram - e ganharam - o Sul-Americano, em Maringá-PR, e, depois, o primeiro Mundial Feminino, na China. Na Olimpíada de Atlanta, 19 anos atrás, conquistaram o quarto lugar. Desde então, nunca mais jogaram juntas.
"Aquele grupo... Aquele grupo era muito unido. A gente fazia tudo juntas. É uma pena que a gente nunca mais viu as meninas. Mas a saudade é infinita", comentou Soró. "Desde 2000, a gente não vê mais ninguém. Eu saí do Rio, Pretinha ainda está na Coreia do Sul, Sissi nos EUA...", listou a ex-goleira.
O reencontro foi breve - uma tarde -, mas serviu para colocar em dia projetos antigos, dividir frustrações comuns e planejar mais reuniões. Desta vez, maiores - "Quem sabe no final do ano, quando Sissi vier?", sugeriu Meg - e com uma cervejinha para acompanhar as histórias. Porque são muitas.
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