TRAJETÓRIA
Guilherme Caribé revela segredos da carreira e vida longe do Brasil
Baiano prodígio na natação brasileira fala sobre carreira, desafios e sonhos olímpicos

Por Sandro Alex Farias

Guilherme Caribé é um dos grandes nomes da nova geração da natação brasileira. O Soteropolitano já tem grandes conquistas no seu esporte, como a medalha de prata nos 100m livre, com 45s47 — e também prata nos 50m livre (20s57), além da participação nos jogos olímpicos de Paris, em 2024. Tranquilo e extrovertido, ele falou sobre a vida longe do Brasil, as expectativas criadas sobre ele e sobre os objetivos que tem para o futuro, que variam entre curtir o carnaval de salvador e figurar no lugar mais alto do pódio em uma olimpíada. Hoje, vamos conhecer um pouco mais sobre o menino que vive na água mas sente saudades do mar.
Conte um pouco do seu início na natação e como descobriu que era algo que queria pra vida?
“Comecei muito novo. Meu pai era professor de natação em um colégio, então eu sempre nadei. Por volta dos 14, 15 anos, eu parei — fiquei um ano inteiro sem nadar. Perdi o gosto pela natação, enjoei um pouco .Dou graças a Deus que meus pais respeitaram esse meu tempo e me deixaram decidir. Então parei um pouco de nadar, fiquei esse ano parado, só estudando mesmo.Com 15 anos, decidi voltar. Desde então, resolvi me dedicar de verdade. No meu primeiro Campeonato Brasileiro, no Grêmio Náutico União, fiquei em sexto lugar. E minha primeira medalha em um Campeonato Brasileiro foi na piscina do Botafogo, no Rio de Janeiro .Quando fiquei em sexto, tive um sentimento meio ruim. Pensei: “É legal estar aqui, mas dá pra ir mais longe, dá pra ganhar.” Aí, no Botafogo, ganhei a primeira medalha. Falei: “É isso! Ganhar é legal, então vamos continuar fazendo isso aí. ”Depois disso, tudo começou a dar certo na carreira. Com 18 anos, me mudei para os Estados Unidos. Hoje estou em Tennessee, fazendo meu último ano da faculdade, o quarto ano. Estudo Comunicação”.
Você foi considerado um prodígio desde muito novo, como foi lidar com essas expectativas? Essa pausa na juventude se deve a isso?
“Acredito que, tipo... vamos lá. Como eu falei, né? Quando tinha 14 anos, eu parei de nadar. Porque, pra mim, até aquele momento, era um esporte no qual eu me divertia. Eu sabia que tinha talento, porque ganhava. Mas chegou num ponto em que começou a ficar chato, porque começou a virar meio que uma profissão. Aí eu optei por parar. Fiquei um ano inteiro parado. Ninguém falou nada comigo, e eu resolvi voltar por conta própria, entendeu? Foi uma decisão minha. Eu saí porque não sabia mais o que queria fazer. E depois disso, tudo se revelou. Nunca mais consegui parar. Até hoje, eu ainda me divirto. É claro que também é um trabalho — é assim que eu me sustento, né? Nadando. Mas levo tudo muito mais na base da diversão”.
Como é morar nos Estados Unidos e como foi que surgiu o convite?
“Em 2018, participei de uma clínica em Salvador, no Salesiano de Nazaré, com o César Cielo. A gente conversou bastante. Ele falou: “Quando se formar no colégio, entre em contato comigo.” O técnico dele, na época, estava dando treino no Texas. Ele disse: “Consigo te mandar para os Estados Unidos, isso mudou muito a minha carreira. ”O tempo passou... e um dia conversei com meu pai. A gente começou a pensar na possibilidade de ir pros Estados Unidos. Falamos: “Vamos ver as possibilidades e o que a gente consegue fazer.” Um monte de empresa entrou em contato com a gente. A Marina foi quem mais me ajudou nessa ponte — ela acompanhou todo o processo de recrutamento. Vim pra cá em agosto de 2022. Foi um choque de cultura muito grande, principalmente por causa da língua. Tive bastante dificuldade com o inglês no meu primeiro ano aqui. Mas fui muito bem recebido — pela comissão técnica, pelos colegas, todo mundo me ajudava. Foi algo muito legal .E isso fez total diferença na minha carreira. Mudar pra cá não só transformou minha vida profissional na natação, como também mudou muito minha vida pessoal. Morar sozinho, ter que resolver meus próprios problemas... Não dava mais pra ligar pra minha mãe e dizer: “Me ajuda aqui agora” — ela tava do outro lado do mundo. Então, cresci bastante com isso”.
Como você avalia seu momento atual e como você projeta esse ciclo até os jogos olímpicos de LA em 2028?
“No final do túnel, o objetivo são sempre os Jogos Olímpicos, mas ainda tem muito caminho pela frente. Como você falou, eu fui para o Mundial, que foi em Singapura este ano. Terminei em quarto nos 50 metros, e foi a minha terceira melhor marca pessoal em campeonatos de piscina longa, né? Realmente dava pra ter conquistado aquela medalha. Mas acontece, e a gente aprende com isso. Analisando todas as minhas participações em campeonatos mundiais, ser o 4º do mundo é algo que, pra muitos, é inimaginável. Mas nós, atletas de elite, sempre queremos um pouquinho mais. Saí de Singapura e fui direto para o Pan-Americano Júnior, uma competição que foi muito boa. Foi muito legal ver minha família — meus pais estavam lá, minha irmã, minha avó... Estava todo mundo me assistindo. Mas também foi uma competição muito intensa, e, mentalmente, eu já estava bem cansado. Singapura foi realmente uma competição bem difícil. Cheguei no Paraguai já exausto, sem muita vontade de competir. Com o tempo, fui me soltando, fui me divertindo, reencontrei amigos, competi em algumas provas e... acabou sendo uma competição bem legal. No 100 livre, fiz 47.5 — foi a minha segunda ou terceira melhor marca pessoal, se não me engano. Acho que foi a terceira. Então, foi uma experiência muito boa, com um aprendizado enorme. Tive também a honra de ser embaixador dos Jogos. Recebi esse convite da Panam Sports para representar os Jogos Pan-Americanos Júnior como embaixador. Tinha essa pressão também, mas foi algo muito divertido e um passo importante na minha carreira, representando o futuro. Foram duas competições muito boas, desgastantes, mas com muito aprendizado.
Você falou da alegria de nadar vendo sua família, como é competir na frente deles e como você lida com a distância?
“Faz bastante diferença ter meus pais e minha família por perto. Eles não têm tantas oportunidades de me assistir pessoalmente — não dá para estarem em todas as competições. Eu sempre fui muito próximo da minha família, né? Eu não estaria aqui sem todo o apoio que eles me deram no começo, e que ainda me dão até hoje. Quando as pessoas olham para atletas que já foram às Olimpíadas e tudo mais, geralmente enxergam só a parte do atleta. Mas eu passo 4 horas do meu dia dentro da água — e as outras 20, estou fora. Então o mental realmente é muito importante. Estar longe da família é bem difícil, mas a gente tenta se falar todos os dias, ligar, conversar... Passei praticamente 7 meses sem vê-los. Mas faz parte, né? É o preço que eu pago por morar nos Estados Unidos em busca do meu sonho no esporte”.
Você falou sobre a saudade de casa e outros desafios. Como você cuida da sua saúde mental?
“É algo muito importante, porque se a mente não estiver bem, o corpo não vai responder. Você precisa estar bem mentalmente para conseguir performar da melhor forma possível. Sim, eu faço acompanhamento psicológico. Sou uma pessoa muito tranquila, então, pra algo me abalar, tem que ser algo realmente forte. Tento levar as coisas de forma mais leve. Toda semana eu faço uma sessão, uma reunião. Acredito que, para um atleta de elite, isso não é algo negociável — tem que ter. É essencial”.
Do que você mais sente falta quando pensa em Salvador?
“Eu sinto falta da praia. Nasci e fui criado no bairro de Stella Maris, então sempre tive muito contato com o mar. Eu até surfava. Sinto falta desse contato com a natureza — e também dos meus amigos. E sabe o que é engraçado? Nunca fui muito de Carnaval. Quando eu morava em Salvador, não tinha vontade de ir. Mas hoje, tenho. Acho que valeria a experiência. Quero aproveitar também para agradecer aos baianos pela torcida. Uma parte do meu coração vai estar sempre reservada para a Bahia”.
O Brasil tem grandes nadadores em sua história e você tem relação de amizade com alguns deles. Queria que falasse um pouco sobre suas referências?
“Com certeza, o César Cielo e o Edvaldo Valério são grandes inspirações pra mim. Eu sou amigo do Edvaldo desde novinho — tenho até foto com ele. Hoje em dia, a gente se fala, ele torce por mim. Já o Cielo, eu conheci naquela clínica que comentei, e, dali pra frente, trocamos algumas ideias. As coisas que eles falam são bem parecidas, principalmente sobre abrir mão de muita coisa para chegar a um nível alto no esporte. Hoje moro em outro país. Não passo o aniversário da minha irmã com ela, não estou com a minha mãe no Dia das Mães, nem com meu pai no Dia dos Pais. São os preços que a gente paga. A gente abdica de muita coisa pra chegar nesse nível”.
O que você sonha dentro da natação?
“A carreira de um nadador costuma ser curta, então eu tento — e vou continuar tentando — impactar a vida de muita gente durante esse tempo. Quero seguir nadando e, ao mesmo tempo, compartilhar minha experiência com a galera mais nova. Ministrar clínicas, inspirar outros atletas... Assim, podemos formar ainda mais talentos. O ouro olímpico é, com certeza, um objetivo muito grande lá na frente. Mas acredito que o mais importante é continuar tentando, acreditando que é possível, e seguir firme na busca pelos meus sonhos. E, pensando nas Olimpíadas de Los Angeles, o meu foco é disputar as três provas da melhor forma possível”.
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