ESPORTES
Walter: "comia um pacote de bolacha em um minuto"
Por Diego Adans e Marcelo Machado

Walterror, Waltanque e Gordinho artilheiro são alguns dos apelidos dados ao atacante Walter, do Goiás. Aos 24 anos, com 1,76 m de altura e 93 quilos - não oficialmente declarados -, o pernambucano vive o melhor momento da carreira. Apesar do visível excesso de peso, ele ostenta a marca de 21 gols na atual temporada, seis deles no Brasileirão - está a quatro gols do artilheiro William, da Ponte Preta. Em entrevista exclusiva ao A TARDE, Walter confidenciou que os vilões de sua balança são bolachas recheadas e refrigerante. Por telefone, falou da árdua infância, que teve na favela do Coque, em Recife. E admitiu não ter a menor pretensão de disputar a Copa de 2014.
P - O Walter que vem se destacando no Campeonato Brasileiro tem alguma esperança de disputar a Copa do Mundo de 2014, no Brasil?
Walter - Sinceramente, não. Para estar nesta Seleção é preciso ter feito um bom trabalho há algum tempo. O grupo já está formado, seria muita pretensão minha querer fazer parte agora. Estou vivendo um momento especial, mas tenho os pés no chão.
P - Acha que merece ser convocado pelo bom momento que está vivendo?
Walter - Não. Tem muito jogador bom de bola na minha frente. Eu preciso é trabalhar muito e continuar a marcar meus golzinhos. Deus sabe o que faz. Tudo tem seu tempo.
P - Se pudesse falar com o Felipão, o que diria a ele?
Walter - Professor, se alguém se machucar e o jogador da lista de reserva não puder ir também, o Walter, humildemente, está a seu dispor (risos).
P - Ronaldo Fenômeno viveu uma fase como gordinho. Ele é uma inspiração para você?
Walter - Sem dúvida. Por tudo que ele passou, não é? Um cara que já sofreu várias intervenções cirúrgicas. Viveu dramas pessoais e apesar disso tudo deu a volta por cima. Não tem como não se espelhar nele. Todo dia eu treino almejando chegar ao nível dele.
P - Alguns narradores se referem a você como "Walter, o gordinho". Como encara isso?
Walter - É uma situação delicada. Tento encarar de forma tranquila, de boa. Penso assim: vou fazer meu trabalho e pronto. Mas ninguém quer ser chamado de gordo. É gol de Walter. Não precisa chamar de gordinho. Tenho família. É a mesma coisa que chamar de preto, sem preconceito por favor, ou então, baleia.
P - Já foi alvo de preconceito por conta disso?
Walter - Até agora, por enquanto, não. No futebol muita gente me conhece há um bom tempo. Jamais alguém chegou a sacanear. Até por que se sacanear, eles vão sobrar (risos). A vontade de vencer vai aumentar e aí, já viu, não é? Gooool do Walter.
P - Os torcedores adversários te provocam muito quanto a isso? Quais gritos você ouve sobre o assunto? Tem algum caso engraçado para contar?
Walter - (Risos) Basta eu pisar no gramado e tem aquele engraçadinho. Curiosamente, o gaiato tem uma barriguinha enorme. O cara de pau grita: Walter, chupeta de baleia! Já estou acostumado. Agora mesmo, quando perdemos para o Fluminense (dia 22 de agosto, em partida válida pela Copa do Brasil). Fomos ao Rio de Janeiro e teve um cara na arquibancada que levou cartaz. Ele estava perto do campo. Eu pegava na bola, ele xingava. Acabou o jogo, não sei como, ele estava perto do túnel, onde entrávamos para o vestiário. O cara só faltou chorar. Pedia para eu assinar com o Fluminense. Disse que me provocou só para aparecer na tevê. Iria fazer uma campanha no Facebook para formar a dupla Fred e Walter. Cada figura...
P - Isso te tira do sério? Já se irritou com alguém?
Walter - Já me desconcentrou. Hoje, não mais. Vira motivação para eu jogar o meu melhor futebol e sair com a vitória dentro de campo.
P - Acha que o fato de estar gordinho, pelo menos na aparência, acaba lhe dando mais destaque ainda pela boa fase?
Walter - A cobrança já é algo natural. Mas pelo fato de meu físico, piora ainda mais. É aquela coisa: se você faz gols, ok. É o cara, o gordinho artilheiro... Agora, vá perder (gols). Aí, meu caro... O bicho pega! É xingamento, cobrança da torcida. É um inferno!
P - Afinal, por que não consegue manter o peso ideal? É algum problema com alimentação?
Walter - Estou com o percentual (de gordura) adequado. Mas o formato da camisa do Goiás dá a impressão que sou mais gordo. Pessoalmente não sou tão gordo. A televisão engorda. Estou trabalhando para chegar no peso. Eu comia muita bolacha recheada, bebia refrigerante, antes de dormir. É difícil cortar. Antes comia um pacote de bolacha em um minuto, dois minutos. Hoje, eu como três e guardo o resto do pacote.
P - Faz algum tratamento?
Walter - Faço uma dieta balanceada agora aqui no Goiás. Acompanhamento de nutricionista, preparador físico, endocrinologista.
P - Qual seria seu peso ideal? Teria de perder quantos quilos?
Walter - Prefiro não falar. Até porque, o pessoal do Goiás (direção) pediu para que eu evitasse me expor. Mas não preciso perder muito peso, acho que uns quatro quilos. (extraoficialmente, fala-se que o peso de Walter é 93 kg).
P - Sente-se incomodado por tantas perguntas quanto a este assunto?
Walter - Um pouco. São sempre as mesmas perguntas. Mas é o trabalho de vocês. Quando a pergunta é bem feita, sem ofensa, respondo. Mas com ironia, piada... Fico mudo. Você teve uma infância dura. Nasceu e foi criado na favela do Coque, no Recife, que era marcada pela violência. Conte-nos sobre essa realidade. (Pausa, seguida de respiração profunda) Foi um momento difícil da minha vida. Mas passou, graças a Deus. Na favela, você passa por muitas coisas. Vi morte, vi roubo, vi gente matando, é muita coisa triste. Certa vez, estava parado num lugar e comecei a ouvir tiro. Corri feito um louco. Passaria fácil por Usain Bolt (risos) pelo pique que dei. Entrei na primeira casa que vi, nem sabia de quem era. Me salvei.
P - Quando pequeno, você ajudava sua mãe (Edithe) a vender perfume? Como era?
Walter - Na verdade, só ela vendia. Eu ajudava a arrumar a cesta que ela botava na cabeça. Ela não deixava eu trabalhar. Eu ficava em casa, cuidando de meu sobrinho ou então, estudando. Quando eu não aguentava, saía para jogar bola, deixava a casa toda aberta. Aí, à noite... Tomava bronca (risos).
P - Você é filho caçula de seis irmãos (Sueli, Suzy, Wandeork, Waldex, Waldemir). Infelizmente, assassinaram Waldemir. Como foi esta situação?
Walter - Eu era pequeno, tinha uns seis anos. Eu me lembro muito pouco. A família ficou muito abalada. Ele morreu com 18 anos, mataram. Sinto falta pela convivência, que praticamente eu não tive.
P - Numa entrevista, você disse que outro irmão seu está preso (Waldex). O que aconteceu?
Walter - Ele roubou um ônibus. Minha mãe o visita (no presídio) aos domingos. Sempre mando cartas e quando dá, também o vejo. Mas ele não quer que eu vá. Fica envergonhado. É uma coisa triste. Tem policiais que não respeitam a visita, já vi gente xingando minha mãe, e eu calado. Tem que tirar toda a roupa para entrar. É horrível. Quando o vejo, digo para não fazer o que fez de novo. Independente de qualquer coisa é meu irmão, o amo. Farei de tudo para ajudá-lo. Falta pouco tempo para ele sair, ainda vamos brincar muito. É uma pessoa boa, não precisava disso. Morava com minha mãe. Eu sempre ajudei a família. O dinheiro que mando é para não precisar roubar ninguém. Espero que tenha aprendido.
P - Diante de todo este cenário (instabilidade familiar), sua 'salvação' foi o futebol?
Walter - Sem dúvida. Nunca fui bom no estudo, tampouco trabalho. Minha mãe nunca deixava e eu também não sabia fazer nada. Ou iria trabalhar ou iria roubar, virar bandido. Deus é tão grande que me deu um dom, que foi o de jogar. Na minha família toda, ninguém nunca gostou de bola. Hoje, graças a ela, sou o que sou. Devo tudo ao futebol. Foi minha salvação.
P - Qual foi seu primeiro contato com a bola? E como foi sua trajetória até chegar ao Internacional (2007)?
Walter - Foi no Coque. Teve uma peneira do Santa Cruz (PE). Eu fiz, passei e fui jogar lá no infantil. Depois, aos 13 anos, passei aí pelo Vitória. E, em 2007, parei no Inter.
P - No Inter, viveu seu primeiro drama. Chegou a se negar a jogar e ficou recluso em casa. O que, de fato, ocorreu?
Walter - O Inter contratou muitos jogadores ganhando quase duzentos mil, e eu na base ganhando R$ 15 mil e jogando de titular. Aí, surgiu a proposta do Porto. Não houve entendimento no acordo salarial e resolvi sair.
P - Em Portugal, encarou seu segundo drama. O nascimento prematuro de sua filha (Catarina Vitória)...
Walter - Espere aí. (Walter chama a filha e a coloca no telefone). Diz um 'oi' para o tio: Alô? Oi.. (Walter volta a falar). Ouviu, cara? É minha filhota linda. Foi difícil, viu? Minha cabeça ficou pirada. Minha esposa (Vanessa) já tinha perdido um bebê antes e voltou a viver outro drama. Pouca gente sabia o que estava acontecendo. Meu rendimento caiu. Catarina ficou no hospital três meses. O médico disse que do jeito que ela nasceu tinha pouca chance de vida. Mas hoje ela é perfeita.
P - No retorno ao país (2012), seguiu para o Cruzeiro. Mas não permaneceu. Tem algo a ver com o excesso de peso?
Walter - Nada disso. Há atletas que dão certo num lugar e noutro, não. Não dei certo no Cruzeiro. Os atacantes estavam bem e eu na reserva. Pedi para sair do clube.
P - Ano passado, chegou ao Goiás e sua estrela voltou a brilhar.
Walter -A fase está boa! Devo ao grupo, treinador, que confiam em mim. Acho que o casamento deu certo.
P - Quais são suas ambições neste Brasileirão? Artilharia, título?
Walter - Minha meta é, sem dúvida, chegar à artilharia. Atacante vive de gols, já tenho seis.
P - Aponte um favorito ao título.
Walter - Cruzeiro. Contratou bons jogadores, está forte. O Corinthians também é candidato.
P - E na Copa do Brasil?
Walter - Conseguimos superar o Fluminense. Grande vitória nossa. Agora, quem sabe podemos ser campeões?
P - Por fim, deixe um recado a todos os gordinhos que sofrem com o preconceito.
Walter - Não abaixe a cabeça. Pratique um exercício físico e mude sua alimentação.
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