GASTRONOMIA
Comidas que aumentam o fogo
Por Vilson Caetano | Antropólogo [email protected]

Desde as primeiras civilizações tem-se notícias sobre comidas capazes de "despertar desejos e paixões". Rainhas conhecidas pela opulência de seus reinos como Cleópatra e a legendária Rainha de Sabá, dona do Egito, Etiópia e Arábia, são descritas como utilizadoras de plantas que provocavam paixões desenfreadas. A última teria entrado nas terras do Rei Salomão levando muitas delas.
Em todas as culturas e lugares vamos nos deparar com preparações, que mais do que receitas guardadas apenas na cabeça de algumas pessoas, são experiências humanas.
Informações sobre a arte sensual da comida e seus efeitos podem ser encontradas em trabalhos como o de Gil Felippe, No Rastro de Afrodite, assim como na obra intitulada Afrodite, Contos, Receitas e Outros Afrodisíacos, de Isabel Allende, sem esquecer do charmoso livro de Rosy Bornhausen, As Ervas do Sítio: História, Magia, Saúde, Culinária e Cosmética.
Controvérsias
Há quem afirme que o azeite de oliva extra virgem, um bom vinagre balsâmico, mel puro e mostarda sejam ingredientes fundamentais neste tipo de culinária, na maioria das vezes atravessada de controvérsias.
Os romanos, por exemplo, acreditavam que a salsa poderia causar esterilidade, mas já houve quem tenha saído em sua defesa, sobretudo no período em que era utilizada para realizar voos noturnos.
Quem, dentre nós, nunca ouviu falar em "banhar-se com salsa?". Acredita-se ser tão infalível que é tabu para os filhos e filhas de santo em alguns terreiros de candomblé da Bahia.
Outro ingrediente capaz de atiçar é o coentro, que já circulava no túmulo de nobres egípcios. Na antiguidade grega e romana, erva cidreira ou melissa colocada no vinho aumentava o prazer.
Manjericão, manjerona, açafrão, canela, cominho, cravo, cardamomo, orégano, pimentas, anis e gengibre, ao lado de outras especiarias, estiveram ao longo do tempo relacionadas com a busca incessante de novos estímulos pela humanidade.
O mesmo vale para frutas como a banana, a maçã, a uva, o morango, a framboesa, a romã e o figo, dentre outras. Das folhas, a alface, nem pensar, pois acalma os ânimos. Ao lado dela há uma lista de comidas que fazem o fogo cessar.
Do mar
Dentre as comidas afrodisíacas, destacam-se "tudo que vem do mar", como Afrodite, a deusa nascida de suas espumas, ou Vênus, retratada pelo pintor italiano Sandro Botticelli saindo de uma concha. Assim, peixes, moluscos e crustáceos têm o seu valor.
Dentre os peixes, o sashimi vivo japonês, ao lado de uma série de sopas, ocupa lugar privilegiado. Para nós, a ostra, oferecida crua nas praias acompanhada por gotinhas de limão, sal e azeite de oliva, degustada às pressas, considerada por alguns como "rainha da cozinha afrodisíaca", tem o seu lugar.
E o caldo da lambreta? A recomendação é que ele esteja bem alvinho, temperado com azeite de oliva, alguns pedacinhos de cebolas e tomates cortados bem miudinhos, um pouquinho de cheiro verde (coentro), delícia. É para tomar suando e aguardar.
Prestígio
A expressão "tomei caldo de mocotó e, aí ó, fiquei forte!" foi imortalizada pelo cantor Genival Lacerda. Além do úbere das vacas, a moqueca de ovo de boi já gozou de prestígio na nossa cozinha. Falando em ovo, os de pata e os de codorna possuem poder atestado pela cultura popular.
Das sementes, dentre nós, quem irá contestar o poder do amendoim? Sem falar em algumas larvas e insetos presentes nas cozinhas da região norte que privilegiam folhas como o jambu, que causa dormência na ponta da língua, mas "esquenta as partes de baixo".
Bebidas como o chocolate, o café, alguns chás, a tequila, a vodca, o absinto, espumantes e vinhos juntam-se a exemplos que compõem o complexo sistema classificatório das comidas que acendem o fogo que está permanentemente sendo redefinido por dizer respeito a experiências de pessoas concretas.
Algumas dessas vêm resistindo ao tempo, lugares e discursos, como o nosso caldo de sururu, que já foi considerado o principal vilão das comidas de rua. De poder afrodisíaco incontestável, "o caldinho", como é carinhosamente chamado, vem nos ajudando a pensar como a comida resiste à perda de seus mistérios e sua magia.
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