TECNOLOGIA
Uso de sistemas de reconhecimento facial cresce em condomínios de Salvador
Biometria é aposta para segurança e redução de custos, mas exige consentimento e proteção de dados
Por Joana Lopes

O uso de sistemas de reconhecimento facial tem se expandido entre os condomínios residenciais e empresariais de Salvador. Com promessas de mais segurança e economia, a tecnologia vem substituindo gradualmente a portaria tradicional, mas especialistas chamam atenção para os riscos à privacidade e os limites legais impostos pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
O cenário mudou especialmente após a pandemia. A síndica profissional Rose Smera explica que a crise econômica fez com que muitos moradores buscassem alternativas para reduzir a taxa condominial. “Adotamos medidas mais em conta, como a eliminação da portaria humana. Além disso, o reconhecimento facial nos dá uma segurança muito grande”, afirma.
Hoje, em muitos prédios, o rosto substitui as chaves ou tags de acesso. Mas o uso dessa tecnologia, mesmo em ambientes privados, está sujeito a regras claras.
A LGPD considera a biometria um dado pessoal sensível, que só pode ser coletado com consentimento explícito do morador e quando for estritamente necessário. Além disso, os dados devem ser tratados com transparência: os moradores têm o direito de saber como, por quanto tempo e para que fim suas informações estão sendo usadas, e também podem pedir sua exclusão quando não forem mais necessárias.
Assembleia aprova
Segundo Smera, o sistema só é implantado após aprovação em assembleia de moradores. “O morador que não quiser fornecer a biometria pode usar senha ou tag como alternativa. Nosso contrato com a empresa inclui cláusulas específicas de proteção de dados, conforme exige a LGPD”, detalha. Em casos de crianças, os pais têm a opção de não autorizar o uso da imagem, o que exige que o menor interfone para entrar no prédio.
O também síndico profissional Rildo Oliveira administra sete condomínios, dos quais dois já adotam o reconhecimento facial. Ele defende a ferramenta como forma de aumentar o controle de acesso e facilitar a gestão. “Os dados ficam restritos à administração, a gente só identifica face, nome e unidade em que a pessoa mora”, diz.
Com o avanço dessas tecnologias, no entanto, também aumentam os alertas sobre possíveis vazamentos de dados e usos indevidos. Em maio deste ano, a Polícia Civil de São Paulo investigou uma denúncia de que dados de moradores de condomínios da região de Jundiaí — incluindo documentos pessoais, fotos e contatos — estariam sendo vendidos na dark web e em grupos no Telegram.
O caso foi arquivado, mas reacendeu o debate sobre a segurança da informação nesses sistemas. Segundo especialistas, a coleta de rostos pode alimentar bases de dados que, se vazadas, abrem brechas para fraudes e golpes, inclusive com o uso de inteligência artificial para criar deepfakes (vídeos ou áudios falsos que simulam uma pessoa real).
“Já temos casos disso no Brasil e no exterior. Um golpista pode, por exemplo, usar a imagem de um morador para aplicar um golpe financeiro. É uma questão que precisa estar no radar dos síndicos e das administradoras”, alerta Rosana Sarmento, advogada especialista em privacidade e proteção de dados.
Do outro lado do balcão, empresas como a MyCond, especializada em gestão condominial, veem o reconhecimento facial como resposta à crescente sensação de insegurança nos centros urbanos. “Temos condomínios muito grandes que registram até 30 mil visitantes por mês. O sistema que criamos permite cadastrar visitantes com tempo limitado de estadia, criando um rastreio específico de quem entra e sai”, explica a CEO Ana Rita Oliveira.
Ela reconhece as preocupações com o vazamento de dados, mas argumenta que a tecnologia pode ser mais segura que métodos tradicionais. “Imagine que um funcionário, ao deixar o cargo, resolve divulgar placas de carro ou horários em que moradores chegam e saem. Isso também é um risco”, compara.
Ana Rita afirma que os contratos com clientes incluem cláusulas de conformidade com a LGPD e vedam o uso da imagem dos moradores para qualquer outra finalidade que não o controle de acesso.
Juristas e especialistas em proteção de dados lembram que o avanço dessas tecnologias exige uma postura mais proativa dos gestores condominiais. Isso inclui realizar um mapeamento do tratamento de dados, revisar os contratos com fornecedores, prever alternativas ao reconhecimento facial e garantir canais para que moradores exerçam seus direitos, como pedir informações, revogar o consentimento ou solicitar a exclusão dos dados. “Não é porque há demanda por segurança que se pode ignorar os direitos dos titulares. A proteção de dados deve andar junto com a inovação”, resume Sarmento.
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