CADERNO IMOBILIÁRIO
Arrecadação com IPTU na capital quase dobrou em sete anos
Majoração no preço do imposto pesa no bolso do contribuinte e afeta venda e aluguel de imóveis em Salvador
Por Mariana Bamberg

De 2015 até agora, a receita arrecadada pela Prefeitura de Salvador com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) quase que dobrou, saltando de cerca de R$ 472 milhões para R$ 712 milhões. Nesse mesmo período, a preocupação do contribuinte também multiplicou, já que para chegar a esse montante o tributo passou a pesar ainda mais no bolso dos proprietários de imóveis.
Um dos resultados foi o inevitável impacto no mercado imobiliário, que passou a ver locatários desfazendo negócios e compradores desistindo de imóveis novos por conta da majoração do preço do imposto.
No início do ano, os contribuintes de Salvador se depararam com um aumento de 10,7% no IPTU. A Secretaria Municipal da Fazenda alega que não houve reajuste, mas sim “recomposição” com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
As sucessivas altas sobre o tributo, contudo, começaram em 2013, no primeiro mandato do então prefeito ACM Neto. À época, a gestão municipal alterou a Planta Genérica de Valores (PGV) de Salvador, que é um dos instrumentos utilizados para determinar o preço do metro quadrado das regiões da cidade e consequentemente o valor cobrado pelo imposto. O problema é que essas mudanças vieram com o que os especialistas classificam como distorções e aumentos exorbitantes.
A professora de direito tributário Karla Borges explica que, diante da exagerada majoração, foram criadas travas para frear a elevação do tributo. Uma delas determinava que o aumento não poderia ser superior a 35% do valor pago no ano anterior. A trava não inclui, portanto, imóveis novos, por não possuírem referência prévia. O resultado foi um aumento significativo no caso dos imóveis construídos antes de 2014 e valores ainda mais majorados, seguindo a nova PGV, para os empreendimentos novos.
“Essa trava acaba ferindo o princípio da isonomia tributária, uma vez que deixa de fora dessa limitação de aumento os imóveis novos. Essa tributação diferenciada para os imóveis novos traz como resultado a inibição do mercado imobiliário, porque deixou de ser interessante promover novos empreendimentos por conta do IPTU”, afirma Karla.
Lineia Ferreira é advogada e colaboradora do “IPTU Justo”, um movimento composto por moradores de cerca de 40 empreendimentos, que questionam as mudanças no imposto. Ela conta que no grupo há proprietários de imóveis, por exemplo, nos bairros de Narandiba e Itapuã pagando em torno de R$ 4 mil de IPTU, enquanto outros contribuintes que moram no Corredor da Vitória, um dos mais nobres de Salvador, cerca de R$ 400.
“Temos casos de imóveis que a metragem foi modificada no registro que o município tem, casos de imóveis na mesma rua, mas cada uma registrada em um bairro. Tudo isso para aumentar o IPTU. O que queremos é a correção dessas discrepâncias, desses valores absurdos. Enquanto isso não acontecer, as pessoas não vão comprar imóveis e vamos continuar vendo essa evasão de pessoas indo morar em Lauro de Freitas e Camaçari, porque são cidades com legislações mais favoráveis para o contribuinte”, afirma Lineia.
A professora de direito tributário defende que é preciso um cálculo mais transparente e compreensível para o contribuinte. “Hoje, o cálculo do IPTU de Salvador é uma colcha de retalhos, com parâmetros muito frágeis, pouco objetivos e que não traduzem a realidade”.
“Temos caso de imóveis no bairro de Narandiba com padrão construtivo B5, um dos parâmetros para o cálculo, que é encontrado em imóveis no Corredor da Vitória e em Patamares. Não faz sentido. Salvador hoje tem hoje IPTU mais caro que o Leblon (no Rio), e a Oscar Freire (em São Paulo), onde estão os metros quadrados mais caro do Brasil. Se tornou algo confiscatório”.
O IPTU também tem impactado nas relações de locação. Dono de uma imobiliária especializada em administração de imóveis, o corretor Robson Silva conta que, entre 2019 e 2020, 18 de seus clientes romperam contrato ou não deram prosseguimento. Entre eles, sete usaram o imposto como justificativa.
Pedido de impugnação
“Recentemente um conhecido me deu o imóvel dele para tentar alugar, porque a imobiliária que ele estava disse que não conseguia locar por conta do IPTU. Para nós, empresários da área, tem sido muito frustrante desde 2014, mas com a pandemia tudo piorou”, conta.
Um dos clientes de Robson já o avisou que precisará entregar o imóvel após o final do contrato. Uma das reclamações dele é exatamente o IPTU.
Pagando R$ 1,7 mil de aluguel, o cliente viu o tributo sair de R$ 900 em 2013 para R$ 2,8 mil neste ano. “Tentamos convencer, mostrar que é algo que está acontecendo em toda a cidade, mostrar os benefícios do imóvel, mas o que pesa para o cliente é o valor total que ele vai pagar”, fala Robson.
O advogado e assessor jurídico do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da Bahia (Creci), Wendell Leonardo, não tem dúvidas que essas mudanças acabam afetando o relacionamento do inquilino com o proprietário. Mas ele lembra que o IPTU é uma obrigação do proprietário. “Na relação de locação, as partes podem negociar e repassar para o inquilino, mas se for o caso de ser cobrado pela municipalidade, quem vai ser é o proprietário”, afirma.
O proprietário, contudo, pode solicitar a impugnação do valor do tributo. O advogado explica que para isso “é preciso justificar o pedido com documentos que comprovem o equívoco”. Ele vai precisar, por exemplo, contratar um engenheiro para fazer um laudo e a planta baixa do imóvel, que devem ser anexados no pedido de correção.
Segundo Lineia, do “IPTU Justo”, no entanto, o processo é burocrático. De acordo com ela, 95% dos casos acabam sendo julgados como improcedentes, e, normalmente, os casos que conseguem êxito precisaram ser judicializados.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes