RATEIO DA CONTA
Casa com pet ou pessoa de cabelo longo precisa pagar mais pela água?
Em prédios antigos, construídos antes da obrigatoriedade da individualização, a polêmica está instalada
Por Mariana Bamberg

A discussão sobre o que é e o que não é justo em um condomínio toma conta quando o assunto é o rateio da conta de água em prédios onde não há a individualização do consumo. Enquanto alguns moradores defendem a divisão igualitária entre as unidades, outros querem que seja considerado o perfil de consumo e até de formação das famílias - se há mulheres com cabelos compridos, crianças, pets. Nesta queda de braço entre os condôminos com opiniões divergentes, síndicos e administradores precisam de jogo de cintura para negociar o modelo ideal para seu condomínio.
Advogada especialista em Direito Condominial, Thallita Nobre explica que a individualização de água nos condomínios só é obrigatória em condomínios novos.
A legislação responsável por essa determinação entrou em vigor em julho de 2021, desde então todos os empreendimentos devem ser construídos com a medição individualizada de água nas unidades. Já os prédios erguidos antes disso podem manter a medição coletiva.
“Esses condomínios devem analisar de forma individualizada, se vale a pena, se a individualização vai elevar os custos. E, para fazer essa individualização, o síndico precisa levar para a assembleia, especialmente por se tratar de uma mudança de grande porte e custo elevado. A orientação é que antes de levar para a assembleia ele faça uma pesquisa, leve orçamento, cálculos e detalhes para os condôminos”, afirma.
Em um dos prédios da síndica profissional Raudecy da Silva, sócia da Razão Administração de Condomínios, a água não é individualizada. Por lá, o principal motivo é o custo para a instalação de medidores individuais. Segundo a síndica, um orçamento para um edifício de 16 unidades fica em torno de R$ 22 mil.
“Parece simples, a longo prazo traz benefícios para o próprio condomínio e para os moradores, mas aqueles que não têm recurso extra em caixa vão esbarrar na proposta financeira. Deve ser estudado muito, porque depende do perfil do condomínio. Naqueles, por exemplo, que têm uma inadimplência elevada, de 10% ou 15%, com certeza se deve pensar na individualização”, explica a síndica.
No condomínio de Raudecy, o total gasto com o consumo de água nas unidades e nas áreas comuns é custeado pela taxa condominial, junto a folha de funcionários, manutenção de elevador e demais despesas ordinárias. A síndica explica que para isso a despesa com água durante todo o ano anterior é incluída na previsão orçamentária, levando em conta todos os reajustes incidentes. No final das contas, todas as unidades, independente do consumo, acabam pagando o mesmo valor com a água.
“A individualização é uma forma para solucionar essa questão da conta de água, que costuma ser a segunda maior despesa de um condomínio, atrás apenas da folha de funcionários. Por aqui, nosso consumo é muito pouco, somos um prédio empresarial. Se a gente fosse avaliar, cada um, acredito que só três salões de beleza teriam um consumo mais elevado”, conta.
Já o administrador condominial Jorge Luiz de Oliveira sabe que o problema será grande se ele for abrir a possibilidade de discutir novos modelos para definir a proporção que cada morador deve arcar pelo consumo de água. No condomínio administrado por ele, também ainda não há medidores individuais. Das 80 unidades, apenas as quatro coberturas, que contam com piscinas próprias, pagam um valor a mais, que também é incluído na taxa condominial.
A advogada explica que para que Jorge e outros síndicos ou administradores pudessem alterar seus respectivos modelos de rateio da conta de água seria preciso uma aprovação em assembleia. Ainda assim, os critérios levados em consideração nesta divisão precisam ser plausíveis o suficiente para depois não acabarem sendo derrubados na Justiça.
“Essa é uma questão que traz muita dor de cabeça justamente por conta desses pormenores, que são muito específicos. Se tem pet, se tem mais mulher na unidade, nada disso é parâmetro. O consumo de água vai depender do comportamento de cada morador. Ele pode ter um pet, mas que só toma banho no pet shop e bebe água de bebedouro. É um tema muito sensível”, avalia a advogada.
“Em regra, a assembleia é soberana, mas não podemos violar direitos constitucionais. Com certeza, alguns desses pormenores devem ferir esses direitos. E, se um condômino conseguir comprovar que está tendo grandes prejuízos com este modelo, ele pode ajuizar o caso e a Justiça pode até barrar esse modelo”, completa.
Segundo Jorge, ainda existem reclamações em seu condomínio sobre o rateio da conta de água. “Temos apartamentos com três ou quatro mulheres de cabelo comprido, apartamentos que a pessoa mora sozinha e outros com família grande. Alguns não ligam, outros acham injusto”, conta o administrador
Mas, de acordo com ele, o que realmente acaba fazendo diferença e mobilizando ainda mais reclamações é a existência de vazamentos não comunicados pelo morador. Segundo Jorge, esse tipo de ocorrência acaba majorando uma conta de água que varia entre R$ 16 mil e R$ 17 mil para R$ 25 mil. “Temos um sistema de GPS no tanque superior que consegue identificar um vazamento. Quando comunicamos que alguma unidade está com vazamento, aí sim tem muita reclamação, acham injusto terem que pagar por isso”, relata.
Sem quebra-quebra
No condomínio de Jorge a individualização ainda é uma possibilidade, mas não por agora. Segundo o síndico, o prédio chegou a fazer um orçamento para medições individualizadas por rádio frequência, o modelo não iria precisar de obras dentro dos apartamentos, mas o orçamento ficou em torno de R$ 476 mil. Valor considerado alto para condomínio.
Síndico profissional e CEO da Smart Síndicos Profissionais, Acássio Almeida tem seis condomínios, três deles sem a individualização de água. Mas ele é a favor dessa mudança e já conseguiu implementar em alguns deles. Almeida acredita que até faz sentido levar em conta a quantidade de pessoas e pets para definir a proporção de cada unidade na conta. Mas, por outro lado, ele defende que essa ainda não é uma forma segura de mensurar o consumo de cada apartamento.
“Como o consumo é geral, as unidades que têm seu consumo reduzido acabam pagando pelo consumo do vizinho que desperdiça ou tem alto consumo de água [...] Quando não existe a individualização não tem o que contestar, não vai existir um padrão de quanto se gasta por unidade. É nesse caso que entra a visão de um gestor condominial com experiência para levar a solução para aquele empreendimento que é a individualização”, afirma o síndico, pontuando, inclusive, que, sem a individualização, muitos moradores acabam perdendo o controle do consumo e onerando as contas para o condômino.

Um dos prédios de Acácio já está orçando a instalação de medidores individuais. O objetivo é tentar aliviar as contas do condomínio, que tem um custo muito elevado com água. A cotação, para um edifício com 52 unidades, ultrapassou os R$ 90 mil. Para chegar nesta fase, foi preciso antes tentar conscientizar condôminos sobre o consumo total e convencê-los que a forma mais justa seria a individualização. O próximo passo do síndico agora, após elencar os orçamentos, será apresentar as propostas e decidir ou não pela individualização em assembleia.
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