CRÔNICA DO JAGUAR
Achado o perdido
Por Cartunista
“Ao todo, contabilizei 42 fotos de mulher nua. A censura acabou com a revista”
Rio de Janeiro - Num beco em Copacabana, ao lado da barbearia do Edmilson, tem um sebo da antiga. Não vou dar o endereço para não perder o charme do mistério. Na última vez em que fui podar meus pelos dei uma geral no sebo e achei uma preciosidade: um exemplar encardido da revista Fairplay, cujo slogan era “a revista do homem”, datado de janeiro de 1969. E mais surpreso fiquei ao deparar com meu nome nas chamadas de capa, junto aos de Glauber Rocha, Wurlitzer, Darcílio Lima, Darlene Glória, Elvira Vigna, Marly e Crazy Horse, uma salada completa. Com a advertência na capa: “Para adultos”. Nos créditos consta que é uma revista da Editora S.A (?). Segundo Chico PF, foi a primeira revista do Brasil a publicar fotos de mulher pelada. Ziraldo era do conselho editorial. Imagino que foi ele quem sugeriu a minha entrevista, que foi feita por Marina Colasanti, titular do time das garotas de Ipanema, junto com Leila Diniz, Yonita, Tânia Scher, Ira Etz, que lembrava o Santos de Pelé e Coutinho, só que de moças bonitas e audazes, que lançaram o biquíni no Rio. E Marina ainda se dava ao luxo de ser ótima jornalista. Mesmo assim eu disse tanta besteira que a entrevista ficou ilegível. Duplamente ilegível pois foi publicada em letras minúsculas (acho que corpo 6). Só consegui ler com ajuda de uma lupa que também usei para ler um curioso texto de Glauber, meio delirante: me deu a sensação que escreveu de um jato, sem reler, o que ficou bastante glauberiano, quero dizer, caótico. Ele transcreve o longo monólogo que ouviu de “Uma brasileirinha que venceu em Paris´” (título do artigo). A monólogo (Glauber só ouviu, não falou nada) deu-se numa mesa do “La Coupole”, um dos melhores botecos de Paris e do mundo. Eis um trecho das bobagens que a brasileirinha (não identificada) falou e Glauber memorizou e mandou: “Você sabe, o Brasil é uma merda, eu não ia aceitar fazer na TV umas novelas subliterárias ou filmes comerciais, ainda mais sendo do cinema novo. Vi logo que o diretor estava por fora, aí voltei porque recebi uma carta da TV francesa para fazer um programa genial sobre turismo literário no terceiro mundo e o mais bacana é que o Zé Sanz (crítico de cinema – nota de Jaguar) me apresentou a Orson Welles, divino! O Orson deu uma gargalhava, fiquei com vontade de dar uma dentada na barriga dele. Tirou uma foto minha e levou para a Espanha. Ele quer que eu faça o papel de uma espanhola que se apaixona por Hemingway” – obviamente, isso tudo pode ter sido inventado por ele, Glauber. Como você vê, a Fairplay era um barato. Tem cartum e texto de Vagn, nascido, como Ziraldo e Ruy Castro, em Caratinga. Surgiu com aura de gênio do humor no suplemento O Centavo, da maior revista da época, O Cruzeiro, mas acabou se matando pouco depois, como num cartum de Borjalo: sem palavras. Ao todo, contabilizei 42 fotos de mulher nua. A censura acabou com a revista. Mas imoral mesmo foi o AI-5, três meses depois.
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