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CRÔNICA DO JAGUAR

Pausa para alienação

Por Cartunista

22/09/2018 - 15:48 h
“Botei um CD do Nelson Cavaquinho na vitrola e tirei do baú uma entrevista que fiz há 20 anos com seu parceiro Guilherme de Brito”
“Botei um CD do Nelson Cavaquinho na vitrola e tirei do baú uma entrevista que fiz há 20 anos com seu parceiro Guilherme de Brito” -

Rio de Janeiro - Nada que lembre eleições, jornal, TV. Botei um CD do Nelson Cavaquinho na vitrola e tirei do baú uma entrevista que fiz há 20 anos com seu parceiro Guilherme de Brito para um finado jornal. Poucos identificam esse autor nas conhecidas músicas de Nelson, como A Flor e o Espinho, Folhas Secas lembram? “Meu pai tocava violão, amadoristicamente, minha mãe foi aluna de Silval Silva. Eles juntavam amigos para fazer serestas. Era uma casa de vila. Eu muito pequeno, tinha 10 anos. Ele me deu um cavaquinho e comecei logo a tocar alguma coisa. Meu pai morreu, nossa vida degringolou. Ele era ferroviário e minha mãe levou dez anos para receber a pensão. O dono da casa era amigo da gente, não cobrou aluguel durante esse tempo. Mesmo assim foi um sufoco. Minha mãe conseguiu uma carta de recomendação para Office Boy na casa Edison, que vendia instrumentos. Eu fazia serenatas debaixo das janelas das namoradas. E me garantia como cantor, imitava Orlando Silva. A essa altura, eu cantava na rádio Vera Cruz. Eu e mais dez cantores participamos do Programa Aurora. Ninguém ganhava nada. Um dia dona Aurora me deu uma nota de dez mil réis. Guardo até hoje. Eu era casado, estava no maior aperto, mas não gastei o dinheiro. Tinha aquela panelinha de cantores de um lado e de compositores de outro. Hoje, todo mundo compõe e canta. Era muito difícil entrar naquele meio. Eu saía do trabalho e ia para a praça Tiradentes, que era perto. O ponto dos compositores era em frente ao Teatro Carlos Gomes. O Ataulfo Alves ficava no Café Nice, a elite dos compositores se reunia lá. A galera ficava na calçada do Teatro. Dava um giro pela rádio Mayrinck Veiga, pela Nacional, mas os seguranças não me deixavam frequentar o bar da rádio. Chegava tarde em casa, meio calibrado, e levava bronca da mulher. Estava quase desistindo de ser compositor. O que se bebia naquela época? Cachaça, conhaque, cerveja preta. Sul-Americana era o que Nelson bebia. Ademilde Fonseca e Roberto Silva cantavam minhas músicas, mas gravar que é bom... Na rádio Roquete Pinto, o cantor Augusto Calheiros gostou de uma valsa, prometeu gravar. Um dia me ligou: Passe na Todamerica para assinar o contrato. Os dois lados do disco eram valsas. Finalmente cheguei lá, fiz parcerias com os Vocalistas Tropicais e outros. Como meu caminho cruzou com o do Nelson? Eu morava em Ramos, ia de trem para o trabalho. Foi o único emprego que tive. Passei a frequentar o bar São Jorge, sempre cheio de gente em torno do seu violão verde. Eu ficava com Nelson uns minutos e depois pegava o trem. Às vezes voltava e o encontrava na mesma mesa. Um dia peguei a primeira parte de um samba e mostrei para ele. Era Garças. Ele fez a segunda e assim começou a parceria. Durou uns 40 anos, até a sua morte. Eu chegava em casa à meia-noite, era a hora que ele saía por aí. Ficamos amigos e ele fez uma proposta: não faria música com outros e eu também não. Pela minha parte o acordo foi cumprido. Ele prevaricou duas ou três vezes, sempre com a desculpa de que estava de porre”.

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