CRÔNICA DO JAGUAR
Uma vez lá em Cuba (2)
Por Jaguar | Cartunista
Finalmente, depois de dois dias de sufoco no Panamá, consegui embarcar para Cuba, e lá estava eu no saguão do aeroporto de Havana, às voltas com minha amnésia alcoólica. Quem mesmo tinha me convidado? E agora? Depois que todo mundo foi embora, dei com uma negra bonita me olhando. “Você é o Jaguar? Pensei que era preto”. “Não tenho culpa. Depois explico”. Silvia Barbados (juro que não estou inventando o sobrenome) da Upec (Union de Los Periodistas Cubanos) virou minha intérprete e babá no meio dos barbados de farda. Me hospedaram no Habana Livre, ex-Hilton Hotel, junto com outro jurado da Bienal do Humor, o alemão Rainer Hagfeld. Era a quinta vez que visitava Cuba e falava um espanhol dez vezes melhor que o meu. Deixei a mala no hotel e desci para dar um bordejo. Filas enormes no Cine Yara, ao lado do hotel, para ver Gaijin. Ufanei-me, como faria qualquer brasileiro no exterior, menos Ivan Lessa, que odiava o Bananão. Em frente ao hotel, tem uma praça com um enorme bar redondo no meio. Mesas lotadas, com cubanos de bigodes e costeletas, tremenda pinta de machões, tomando, para meu pasmo, sorvetes e refrigerantes (bebidas com álcool são caríssimas). Paquera-se adoidado (paquera eles chamam de teropo). As pretas, para meu desgosto, usam bobs de papel higiênico e esticam o cabelo. Não vi mendigos, gays e cachorros. Para onde terão ido? O pessoal da Rádio Habana apareceu para me entrevistar. A quem eu atribuía a minha invitacion? A um engano. Não sou comunista e além disso pensavam que eu era preto. “No, no, os cubanos gostavam muito dos meus desenhos na (falecida) revista Cruzeiro”. Como nunca trabalhei no Cruzeiro, fiquei convencido de que eles queriam convidar o Ziraldo. Qual a diferença que eu via entre os dois povos, o cubano e o brasileiro? Aparentemente nenhuma: muito ritmo, negro, muita paquera. Mas, olhando mais de perto, fui descobrindo que os cubanos (1) todos sabiam ler e escrever; (2) tinham todos os dentes; (3) eram todos comunistas; (4) tinham o maior orgulho do seu governo. No Bananão, tudo muito pelo contrário. Dei algumas festas no hotel, levei tamborim, agogô (aprenderam rapidinho), discos de Martinho da Vila, Bethânia (adoram ela), João Nogueira, Wilson Moreira, Candeia e outras feras. Os compañeros me chamavam de Jaguar y sus fieras. Eu entrava com as bebidas porque, com os traveller’s checks, comprava cerveja e rum muito mais barato na tienda internacional do hotel. Mais duas semanas eu fundaria a Banda de Havana, filial da Banda de Ipanema. Pelas quatro da manhã todo mundo estava de porre. Eu dava broncas: “Capitalista decadente posso beber até cair, mas vocês têm que tocar essa revolução para a frente! Olhem-se no espelho, tá todo mundo mamado!”.
Sempre tinha alguém que protestava: “Compañero, mañana a las ocho estaremos en la oficina!”. E capotava depois da penúltima dose. Mas o fato é que às oito estavam todos dando duro no trabalho. Pátria o muerte!
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes