CRÔNICA DO JAGUAR
Uma vez lá em Cuba (Final)
Por Cartunista
Até que os brasileiros que mandaram trabalhos para a Bienal de Humor de 1981 se deram bem. A maioria do júri era do bloco socialista e a tendência era premiar o tipo de humor lá deles, ou seja, a favor. Concorriam a três categorias: humor político, humor geral e gráfica militante (nunca entendi bem o que era). No humor político Nilson chegou a disputar a medalha de prata, indicado por mim. Mostrava um árabe junto a uma torre de petróleo e Tio Sam junto à estátua da Liberdade, nas duas escritas a palavra “Escassês”. Ali, o jurado palestino, vetou o Nilson porque, na sua opinião, mostrava um palestino cúmplice do imperialismo ianque. Krilov, o poderoso chargista oficial do Krokodil, presidente do Júri, também foi contra. É que eu tinha vetado uma indicação dele porque tinha um troço escrito em russo e eu não entendi. Pela mesma razão ele cortou a medalha de prata do mineiro apesar do voto de Armando Hart, ministro da Cultura de Cuba. Os jurados da América Latina escolheram Luiz Gê para o prêmio Casa das Américas, que era ótimo: uma semana de boca livre em Havana. Glauco ganhou o prêmio oferecido pela revista Palante, o Pasquim deles. Era uma estatueta em metal de Dom Quixote, que me deu um trabalho danado para trazer de Cuba até o Rio. Os cubanos procuram esconder, mas falta muita coisa, a vida é dura . Sabonete, por exemplo. Segundo me disseram, cada família só tinha direito a um por semana (lembro ao leitor que isso foi há 37 anos). Mas no quarto do hotel sempre tinha meia dúzia de sabonetes. Mal eu desembrulhava um para lavar as mãos e deixava em cima da pia, sumia. Depois saquei: os empregados do hotel levavam para casa. A vida é dura, vão tocando pra a frente sua revolução. São duros na queda. Nas horas vagas, cantam, dançam, bebem e namoram. Visitei o Museu do Humor, há uma tradição de bom desenho. Curti a exposição de Juan Davi - decano dos caricaturistas cubanos – na época com 70 anos de vida e 50 de luta contra o imperialismo, um artista de traço excepcional. Outro museu interessante é o das bonecas (nenhuma do Brasil). Com eles, tudo é sempre muito formal. De um lado os cubanos, do outro os convidados e suas intérpretes. Quando chegou minha hora de discursar, me senti ridículo: “Companheiros, estou há uma semana em Cuba” e Georgina traduzia: “Compañeros, estoy hace uma semana em Cuba”. Resolvi bagunçar: “e até agora não vi nenhum viado”. E Georgina, aflita: “que es viado?”. “Maricón, Georgina”. Ela ficou vermelhinha e disse que não tinha coragem de falar isso para o auditório. “Então eu digo “. Nuez, um gozador, perguntou se eu estava interessado em algum. “Quero entrevistar um viado cubano para o Pasquim”, respondi. Desconversaram e achei melhor não insistir. Já estava na hora de voltar. A última encrenca foi sair de Cuba, com o prêmio do Glauco na mão. Ao entrar no avião apontei a espadinha do Dom Quixote para o piloto e disse “Desvia para Cuba”. Queriam me prender de novo. Como pode desviar se o avião está em Cuba? Só viajei porque o ministro da Cultura conseguiu me liberar.
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