MUITO
A Bahia e a Bahia de Caymmi

Por Daniel Telles

O compositor baiano faria 100 anos no próximo dia 30. Se estivesse vivo, cantaria uma Bahia diferente daquela que lhe deu fama, uma Bahia ainda viva, ainda lá, mas com outros encantos, novas sensualidades e diferentes ritmos
Já não há muitas jangadas no horizonte e, se elas sequer saem, como haveriam de voltar? Dora, Marina, Adalgisa e Anália trocaram o vestido rodado, as sandálias bordadas e os balangandãs pelo shortinho jeans e saltos altos. E nem mesmo Itapuã é a mesma. Só o mar continua quebrando na praia com seu murmulho indefectível. Mas a "Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu", como escreveu o compositor a Jorge Amado. Dia 30, Dorival Caymmi faria 100 anos. E se não inventou o baiano, talvez seja seu principal representante. Acontece que ele já não se localizava bem na Salvador dos anos 1990 e falava a amigos sobre a impossibilidade de se adaptar. O cenário mudou, e o autor, que "saía e via as coisas" para transformar em música, cantaria hoje uma outra cidade.
Ao contrário do que parte da crítica musical dizia, quando o baiano apareceu nos anos 1930 dando requebrados de baianas a Carmen Miranda, Caymmi "não era um representante típico da expressão do mundo nordestino litorâneo", escreve o pesquisador André Rocha Haudenschild em artigo de 2011. Suas canções praieiras e seus sambas baianos iam além do mito da sensualidade, da brejeirice das comunidades de pescadores e outros aspectos da vida litorânea. Ao cantar o mar, o pescador, os ritos da Bahia, o compositor traduzia experiências exóticas para um entendimento urbano, moderno, documentando aquela vida. Por isso, aparecem personagens reais, como Chico Ferreira e Bento, paisagens, cenários como o coqueiral de Itapuã e a areia branca de Abaeté. Hoje, talvez, tivesse personagens diferentes, mas o valor documental e social de suas canções segue preservado.
"Caymmi foi um cara que quis cantar especificidades na intenção de romper com a ideia do que é popular e povão. Essa atitude é necessária, esse desbravar de simbologias", diz o artista visual Pedro Marighella, que em Mata, conjunto de obras sobre "vegetação, paisagem, povão" de Salvador, fez como o compositor e saiu por aí para olhar a cidade. "A história da arte está aí, cheia de sucessos, gêneros, estilos. Esses dados estéticos guardam esse pedido [falar do povo, com Caymmi fazia]. O que seria essa bandeira hoje? Pensar a cidade, a participação das pessoas na construção da sociedade. Quando ele cantava sobre o pescador, falava do valor daquela pessoa, do seu jeito de viver, que é fantástico".
Confira a matéria na íntegra na Muito deste domingo
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