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“A Balada Literária sempre teve essa cara de festa”

Confira a entrevista com o escritor pernambucano Marcelino Freire

Por Gilson Jorge

01/12/2024 - 5:00 h
Marcelino Freire
Marcelino Freire -

O escritor pernambucano Marcelino Freire, 57 anos, tem estrada. Conquistou o Prêmio Jabuti de Literatura em 2006 com Contos negreiros e, em 2014, foi finalista na categoria Romance com o livro Nossos ossos. Mas apesar de ter chegado ao topo do universo literário nacional, Marcelino não gosta do elitismo, dos egos inflados. Desde que criou a Balada Literária, em 2006, o escritor se esforça por aproximar os livros da cultura popular, da vida que corre nos botecos, prostíbulos e de qualquer lugar onde pulse uma história pronta para ser contada. Marcelino vai estar em Salvador nesta semana para versão baiana da Balada, com produção e curadoria do escritor e performer Nelson Maca, que acontece de amanhã a quarta no Ogodô Music Dance, no Pelourinho, com uma programação gratuita [confira no Instagram: @baladadabahia] que inclui o lançamento de seu romance Escalavra (Amarcord) e a sua famosa e concorrida oficina de escrita. Bem-humorado, Marcelino diz que a vantagem de ir a lançamentos de livros é a oportunidade de levar o autor bêbado até a casa dele ou o hotel onde está hospedado. "De lá a gente já se abraça. O afeto está fazendo falta", declara. Nesta entrevista, o escritor fala sobre a beleza de escrever e critica a noção de alta literatura.

Você promove baladas literárias em cinco cidades, Salvador, Recife, Garanhuns, Teresina e São Paulo, que acontecem em períodos próximos do ano. Quanto tempo você fica em trânsito?

Sábado teve a pré-balada em São Paulo, hoje [última segunda-feira, 25/11] estou em Teresina, daqui a Balada vai para Garanhuns, depois Recife, Salvador e São Paulo. Eu fico até o dia 5. Dia 6 eu viajo para outro compromisso. Nem sempre eu vou a todas as baladas, às vezes é o Nelson Maca que vai. Este ano, eu estou viajando porque também estou lançando livro. Às vezes, Maca faz em Salvador e eu não consigo ir. Desta vez, sim. Mas, olha que curiosidade. Em São Paulo eu não estarei, porque vou a Vila Velha, no Espírito Santo. Nem sempre eu posso estar. Eu adoraria ficar zigue-zagueando, mas também é muito cansativo.

Mas além de Maca, você conta então com produtores locais em cada cidade...

Claro, tem a Patrícia Ioco que me ajuda em São Paulo, tem o Jarbas Galhardo, as filhas de Maca, Luiza e Lúcia, ajudam muito na produção. A gente não tá sozinho, não. Senão, não aguenta.

Este ano, o tema central da Balada Literária da Bahia é a música brega. Por que vocês escolheram homenagear em Salvador o carioca Evaldo Braga?

Porque a literatura é muito chata, né? (risos). Na literatura, tem a sofrência com estilo. A gente só quer a sofrência mesmo. Dançar agarradinho, a poesia dos salões, a poesia da BR 101... não, na verdade a Balada Literária tem essa cara. A gente homenageou o samba, depois de duas edições remotas por causa da pandemia. Passou pelo gênero musical, mas também as autorias. A gente homenageou João Antonio, Plínio Marcos. Agora, o brega veio de um encontro aqui em Teresina, no ano passado, com a rainha do brega aqui no Piauí, Nayara Lima. Ela é um fenômeno aqui, uma senhora, com estrada. É uma grande cantora, que tem um músico que a acompanha no teclado. Com ela, ninguém consegue ficar parado. O povo dança, aplaude. Eu fiquei tão encantado que pensei que a literatura precisa desse estímulo, desse gás, dessa energia. Aí, imediatamente, eu falei com o professor e escritor Wellington Soares, que comanda a Balada em Teresina: "que tal a brega literária, em vez de balada?". A gente riu durante a noite toda, mas era sério. Essa energia de coletividade. Tem uma coisa que se discute muito na literatura que é essa coisa do gênero maior, que a crônica é um gênero menor... De poesia, ninguém quer saber. E, no entanto, tem muita gente circulando com outras literaturas, outras frentes de batalhas literárias. Então, a gente disse que é esse tema mesmo e vamos. A Balada sempre teve essa cara de festa. Todo mundo reunido a partir da literatura, mas com outras ramificações.

Por falar nisso, o Prêmio Jabuti criou recentemente essa distinção entre romance e romance de entretenimento. O que você pensa sobre isso?

É exatamente porque se tem a ideia de alta literatura. Os livros que são considerados best-seller parece que não tinham lugar de aprovação ou de premiação no Jabuti, que cria a categoria Romance de Entretenimento. Eu acho que o romance de entretenimento é literário também. Existe livro que você gosta muito e livro que você não gosta tanto. Acho que é literatura de qualquer jeito para todos os gostos. Na Balada, a gente vai falar da literatura de rua, do slam, dos poetas que vendem os seus próprios livros. Agora mesmo a poeta baiana, de Paulo Afonso, Jô Freitas, que mora em São Paulo, teve o único livro finalista do Jabuti que foi publicado por conta própria, o Goela seca, uma edição independente, na categoria Contos. Entende o que eu estou falando? Às vezes, há muito preconceito com a literatura que o próprio autor publica. Será que é tão boa? Mas tem tanto livro publicado pelas grandes editoras que as pessoas não falam nada... a Balada vai tratar desse assunto. A gente tá aí pra isso.

Outra coisa é que sempre se fez a distinção entre a literatura e a literatura regional, que é basicamente tudo o que não é escrito em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Com o fenômeno Torto arado, de Itamar Vieira Junior, escritores nordestinos têm conquistado mais espaço nas grandes editoras. E tivemos Luciany Aparecida e o próprio Itamar entre os cinco finalistas. Você vê as coisas assim?

Eu vibro demais com Luciany Aparecida. Há uma curva nessa vida literária. Itamar Vieira Junior não é de hoje que escreve e hoje publica. Eu o conheci em Salvador já tem um tempo. Esse sucesso na figura de Itamar, um autor nordestino, negro, ganhou um prêmio internacional (Prêmio LeYa, 2018), o livro é um best-seller, um dos mais vendidos da literatura contemporânea. Fez história. É a coisa mais linda do mundo ver isso acontecer. Luciany Aparecida eu também conheci em Salvador, em uma Balada Literária. Ela vendia os próprios livros. Ela tem uma coisa interessante, de ter publicado livros com outros nomes [Florim e Contos ordinários da melancolia, por exemplo, foram assinados com o pseudônimo Ruth Ducaso]. Ela ganhou agora o Prêmio São Paulo de Literatura, eu só vibro com a literatura que está sendo produzida no Nordeste, a literatura não está só presente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Tem muita gente produzindo coisa boa no Brasil inteiro. Inclusive depois do sucesso de Itamar Vieira Júnior as editoras passaram a ter interesse em ver originais de outras partes do País. Estão com os ouvidos mais atentos. Eu vibro demais. Acho que tem muita dor de cotovelo. Gente que diz "peraí, e meu livro, como é que fica?". Quando o sucesso de um autor como Itamar Vieira Junior faz bem à literatura brasileira contemporânea, faz bem a todo mundo que produz literatura nesse país.

E durante a Balada Literária Luciany Aparecida vai estar na mesa sobre o seu novo romance, Escalavra. Sobre o que é livro?

Eeeitaa... ô romance louco! Esse romance é um mistério para mim. Eu digo que sempre que você publica um livro é uma entrega espiritual que você faz. Eu estou fazendo uma entrega para o leitor, para a leitora, para quem vier. Eu convivi com esse livro por um bom tempo. Eu fiz duas versões antes da versão que foi publicada. Mas essas versões não me emocionavam. E também quando eu as lia eram versões e tudo o que estava ali eu sabia o caminho que estava tomando, o destino dos personagens. Essa nova versão, além de me emocionar, é um livro muito misterioso para mim, porque eu não sei tudo o que ali está, mas estive muito envolvido com essa versão que foi publicada. Eu estou muito feliz com o livro, fiz um lançamento incrível agora, em São Paulo. Em Porto Alegre, também. Em Tiradentes, Minas Gerais, e Teresina.

E qual é a história?

É um livro que eu chamo de romance megalítico. Em que eu conto a história de um pai, de um filho, de um silêncio sepulcral entre os dois, em meio a uma paisagem que eu sei que é o sertão pernambucano, mas eu não digo. E é uma paisagem muito precária. Seca dura. Cheia de torres eólicas. O sertão está sendo tomado por torres eólicas, que eu chamo de torres diabólicas roubando vento. Eu vejo a vida sempre pelo prisma poético. Acho que a próxima revolução também será poética. Então, eu vou enganchando uma palavra na outra, como aquelas pedras megalíticas foram enganchadas para levantar uma estrutura, um túmulo, ou seja lá o que fosse. No livro, eu vou enganchando uma palavra na outra para levantar alguma coisa do nada. Esse pó todo aí que está a humanidade.

Há uma grande discussão sobre as torres eólicas. Os homens de governo falam que elas são uma oportunidade para desenvolver o Nordeste com energia limpa e com o pagamento de royalties aos pequenos fazendeiros que alugam suas terras para as torres. Mas ambientalistas falam das mortes de aves provocadas pelas hélices e do barulho constante que afeta a sanidade mental das pessoas...

Rapaz, a energia é limpa para quem? À custa de quê essa energia? Não há legislação. Não estão seguindo a legislação, como tem que ser, mantendo uma distância entre as torres e as casas. Comprando terras por ninharia ou quando não compram levantam a torre pertinho da casa do morador, daquela comunidade. E haja poeira e haja barulho. E haja matar passarinho, confundir as abelhas, desorientar os morcegos. Vamos fazer energia limpa, mas vamos seguir uma legislação decente e pagar direito às pessoas que estão ali naquela terra. Há tempos que estou muito indignado com isso. Eu atravessei com um carro de Juazeiro do Norte a Pernambuco, entrando ali por Exu, pelo Crato, e é torre eólica pra tudo que é lado. O Rio Grande do Norte tomado por torres eólicas. Estão colocando torres eólicas nos mares... você olha a paisagem e vê o que mais? Vê montanhas? Não vê mais a serra, aquela vegetação. Você vê torres eólicas. Eu falei que todo livro é uma entrega espiritual. Esse eu estou entregando para Iansã, para que ela faça justiça.

A Balada vai ter também o documentário Waldick, sempre no meu coração, de Patrícia Pillar sobre Waldick Soriano...

É, Patrícia Pillar, maravilhosa, que fez esse documentário tão bonito sobre Waldick Soriano. Ela está muito feliz com essa exibição em Salvador. Ela foi muito gentil quando soube, muito solícita, muito atenciosa com a produção. Ela disse "poxa, eu adoraria estar com vocês, mas não vou conseguir". Mas está contente que o documentário vai ser exibido no Pelourinho, com uma boa conversa, com uma boa cerveja. A literatura tem que estar mais próxima da cerveja. E dos tira-gostos. Qual é o tira-gosto famoso aí?

Hum... o arrumadinho?

Pronto. A literatura tem que ficar mais perto do arrumadinho. Mas ela não precisa ser arrumadinha (risos).

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