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11/12/2022 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

A função da academia é defender a cultura e combater o obscurantismo

Escritor Ordep Serra fala sobre seus 80 anos e sua reeleição para a Academia de Letras da Bahia

Imagem ilustrativa da imagem A função da academia é defender a cultura e combater o obscurantismo
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No próximo dia 6 de janeiro, o antropólogo e escritor Ordep Serra completa 80 anos, sem pensar em descansar. Cachoeirano, filho de casal interétnico e autoproclamado negro, é um homem que não gosta de se afastar do trabalho intelectual e continuou dando aulas na Universidade Federal da Bahia por sete anos após a sua aposentadoria.

Reeleito recentemente para a presidência da Academia de Letras da Bahia, Ordep está empolgado com as possibilidades de popularização do conteúdo produzido pelos acadêmicos baianos durante a pandemia, quando as lives demonstraram ser uma ferramenta definitiva, mesmo com o retorno da presencialidade.

Nesta entrevista, o escritor fala sobre o que foi feito no primeiro mandato, projeta uma maior internacionalização da academia e, em tempos de mudança de governo, defende que a instituição que representa se mantenha a postos, a favor da cultura e da inteligência e contra o obscurantismo.

A posse de Maria Bethânia como imortal estava prevista para essa semana...

Sim. Eu estava muito contente com essa solenidade que nós iríamos realizar, aprontamos tudo, mas depois eu consultei meus amigos. Eu fui professor do Instituto de Saúde Coletiva da Ufba, e também tenho uma relação muito próxima com Ceuci Nunes [infectologista]. Eu os consultei, como sempre faço. A gente esperava cerca de 400 convidados em uma área restrita, fechada. E eles me disseram que não fizesse isso, que seria perigoso diante de um novo surto de Covid e da baixa cobertura vacinal. A onda está crescendo. E eu sigo a ciência, não sou negacionista de jeito nenhum, muito pelo contrário.

E diante dessa recomendação eu decidi que não convinha fazer. A gente já estava até preparando distribuição de máscaras e colocação de álcool em gel. Mas eu recuei. Ela até me mandou recado na segunda-feira perguntando se eu ia ao show, mas eu não sou mais um adolescente, dá para ver (risos), e como há uma virose por aí estou ficando mais em casa.

A cerimônia está em suspenso, então...

A gente vai marcar um momento mais propício. Não é só Bethânia, tem Décio Torres, a professora Mirella Márcia e o embaixador Celso Amorim, que foi empossado, mas ficou de vir à Bahia para receber o colar acadêmico a que tem direito, essas coisas todas. Imagine você o grau de ocupação de Celso Amorim nesse momento. Eu conversei com ele também e adiei essas posses. A saúde coletiva está em primeiro lugar.

Não foi um capricho meu. Eu ouvi autoridades científicas e sanitárias. Fiquei triste, claro. Seria no Dia de Santa Bárbara. Eu abri até uma exceção. Sempre fazemos às quintas-feiras, mas Bethânia pediu e eu aceitei fazer então no domingo, dia 4. Ela é devota de Santa Bárbara, filha de Oyá, como todo mundo sabe. Eu sou ogã de Oyá. Mas Yansã entende. O quadro é muito sério. O governo federal teve uma negligência criminosa que levou ao morticínio. O que aconteceu no Brasil, para mim, foi uma chacina. Porque se deixou de fazer cobertura vacinal, tratou-se com desprezo, com descaso uma pandemia terrível, que está voltando, né? Mas a gente vai fazer essas posses. Vamos ter um governo novo, com outra cabeça, sem negacionistas.

Por falar em mudança de governo, o que mudou no cotidiano, em sua avaliação, no que diz respeito à intolerância? Tivemos agora o caso da estátua de Mãe Stella sendo incendiada. Como o senhor define esse período sob o ponto de vista da cultura do ódio?

Foi um período terrível. Enfrentamos uma pandemia sinistra e também uma pandemia de estupidez, com o gabinete do ódio, um fanatismo exacerbado, racismo, xenofobia, Lgbtfobia e é claro que a academia se sente atingida. A função da academia é defender a cultura e a inteligência e combater o obscurantismo. Então, nós sempre marcamos essa posição.

Somos absolutamente contra o racismo, contra todas essas coisas que prevaleceram no país nesse período. E a cultura foi muito maltratada. Você se lembra que as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc foram aprovadas pelo Congresso e vetadas [pela presidência]. Quando achávamos que já estava resolvido isso veio uma medida provisória que torna a tolher esse estímulo à cultura, que não é economia alguma. Porque é um dos menores gastos que você pode ter no orçamento.

Agora mesmo, se não fosse a decisão de um desembargador, seriam gastos bilhões com a compra de blindados. O país não está em guerra. O país virou isso. Comprar blindados quando faltam recursos para emitir passaporte, faltam recursos para a saúde, para a educação.

A Unifesp anunciou que está parando...

A Unifesp e outras estão totalmente comprometidas. Houve uma guerra à inteligência e à cultura no plano federal. No plano estadual, tivemos um suporte e acho que isso vai se fortalecer ainda mais. O governador eleito, Jerônimo Rodrigues, participou da minha posse quando eu assumi a presidência. Nós criamos um laço com a secretaria de educação, iniciamos uma série de documentários, muitas mesas redondas, palestras, simpósios, cursos gratuitos que foram filmados e estamos colocando à disposição da Secretaria de Educação para que isso seja difundido entre as universidades estaduais, as escolas e colégios.

Fizemos um acordo com a secretaria através da Fundação Pedro Calmon. A academia tem um papel educativo. Ela é uma educadora. À medida em que você discute cultura e faz publicações de vários temas você ajuda a educação. Nós fizemos o primeiro seminário sobre arte e pensamento indígena, sobre arte e pensamento quilombola, fizemos uma discussão sobre fome no Brasil do ponto de vista da cultura.

Tivemos uma conferência sobre Glauber Rocha, com a participação de professores de Cambridge e de universidades argentinas. Criamos um material formidável, modéstia à parte, muito significativo, com gente da Bahia, do país inteiro e de fora do Brasil. Discutimos, por exemplo, literatura argentina. Temos correspondentes no Japão, correspondentes árabes. Estou muito preocupado em ampliar a internacionalização da academia. Criar laços com instituições culturais do mundo todo.

Agora, por exemplo, estamos preparando um acordo com a Associação Civil Goethe, que tem sede na Alemanha, mas atua no mundo todo. A gente já tem um diálogo com o Instituto Goethe, com a Aliança Francesa, com a Acbeu e o Instituto Cervantes.

Como é o perfil atual dos membros da Academia de Letras da Bahia?

A academia nossa é do modelo francês. Não tem só escritores, temos juristas de peso, como Fredie Didier e Edvaldo Brito, a dançarina Lia Robatto, que eu considero o maior nome da dança no Brasil, temos o Juarez Paraíso, que é artista plástico, um plantel bem variado. Nós criamos a Tribuna das Mulheres, que todo ano se reúne, sob o nome de Edith Gama Abreu, a primeira acadêmica e que era uma feminista. Eu consultei pessoas de peso no movimento feminista e elas inclusive me instruíram.

Eu queria sempre colocar uma pessoa na tribuna falando, e elas disseram que as feministas não fazem isso. É um grupo, colocamos três. Tivemos uma reunião com a conselheira Lívia Vaz, que reuniu nove juristas negras, falando pela academia. Nós estamos fazendo um programa de abertura cada vez maior. Procurar mais contato com a sociedade civil. Criamos também com a ajuda da minha querida deputada Alice Portugal, através de uma emenda dela, um link com a Universidade Federal da Bahia, e com isso temos hoje 20 estudantes bolsistas, três professores também com bolsas, trabalhando com nossos arquivos, com nossa biblioteca e outros projetos. E eu quero ampliar isso, quero a juventude lá dentro, quero os negros lá dentro, as mulheres.

Temos uma aliança muito forte com a ABI. Fizemos um simpósio sobre imprensa e literatura, duas vezes, é algo que a gente quer fazer constantemente, assim como os seminários de arte e pensamento indígena, e arte e pensamento quilombola. Que continuem sempre. Também um seminário sobre arte e pensamento LGBT. Como eu lhe disse, a função da academia é combater o obscurantismo. É diálogo, é cultivo da inteligência. Outra iniciativa que está em curso é que pedimos o tombamento do Palacete Góis Calmon. É um palácio importante, já foi residência de um governador (Francisco Marques de Góis Calmon), foi sede do Museu de Arte da Bahia e abrigou a academia mais antiga do Brasil. Na verdade, ela nasce como Academia Brasílica dos Esquecidos (1724), depois muda para Academia dos Renascidos e aí, em 1917, ela muda para Academia de Letras da Bahia.

Então, nós surgimos primeiro. A academia tem um acervo preciosíssimo. Por lá passaram grandes escritores, como você sabe, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro, um número enorme de pessoas de vulto, no direito, na literatura, nas artes. Temos uma biblioteca que talvez seja a maior de literatura baiana e é muito procurada por pesquisadores. Temos, por exemplo, uma carta escrita por Charles Chaplin para um cinéfilo daqui da Bahia, o Walter da Silveira.

Temos objetos preciosíssimos que agora estão sendo objeto da atenção desses estudantes e professores que lá estão. Nós criamos o Sábado das Artes, que acontece uma vez por mês, sob a liderança de Lia Robatto. Uma coisa que quero fazer é propor ao secretário da educação que seja concedida meia dúzia de bolsas a alunos, de preferência negros e indígenas, e que eles possam frequentar a academia com tutores. Eu mesmo posso ser um tutor.

Quem o senhor destacaria entre os novos escritores baianos.

Temos grandes escritores surgindo na Bahia, isso é uma coisa encantadora. Tem o Itamar Vieira Júnior, tem Franklin Carvalho e tem Tom Correia, que eu considero dos mais brilhantes escritores brasileiros.

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