MUITO
A intensa temporada de shows em Salvador no pós-pandemia
Cidade, poucas vezes, viu tantos artistas renomados em uma mesma temporada
Por Gilson Jorge
Em 1986, o cantor Fábio Jr. lançou a balada romântica Sem limites pra sonhar, que alcançaria sucesso internacional com a versão em inglês Reaching for the infinite heart. Ambas, em dueto com a cantora britânica Bonnie Tyler. A canção original é aquela que começa com o verso "Há uma chance de a gente se encontrar...".
Curiosamente, os dois fazem shows na Concha Acústica do TCA neste final de ano. Fábio Jr, no sábado, 22, e Bonnie Tyler, no dia 27 de novembro. Por um mês de diferença na agenda, porém, não há chances de eles se encontrarem em Salvador.
A cidade, por outro lado, poucas vezes viu tantos artistas renomados em uma mesma temporada. Depois de um intervalo de dois anos, em função da pandemia, os produtores baianos estão trabalhando muito para satisfazer a demanda represada.
Somente na Concha, nove atrações tiveram ingressos esgotados: Gilberto Gil, Marisa Monte (duas datas), Djavan, Jão, Nando Reis, Emicida, Whindersson Nunes, Ney Matogrosso e o Cine Concerto da Osba. Maria Bethânia, que teria apresentação única nesse mesmo local, em 7 de dezembro, precisou abrir nova sessão no dia seguinte, também já esgotada.
E que tal um samba, com Chico Buarque? Até o fechamento desta matéria, restavam poucos ingressos disponíveis para o terceiro dia da temporada do carioca na Concha, de 11 a 13 de novembro. Caetano Veloso canta uma semana antes, no dia 5.
Sócio da Palco Produções, com sua mulher Yeda, Adailto Almeida sorri ao ser perguntado se o mercado está agitado. "Demais até, demais até", exclama, antes de relatar uma conversa com o jornalista e produtor carioca Luiz Oscar Niemeyer, célebre por ter trazido ao Brasil nomes como Paul Simon, Paul McCartney, Stevie Wonder e Elton John. "Depois do show do Capital Inicial, no último domingo, na Concha, Luiz me ligou perguntando o que está acontecendo com a Bahia", conta.
Pelo menos dois shows planejados pela Palco não vieram a Salvador este ano por falta de pautas, como se chamam no meio artístico as datas em que os teatros e assemelhados oferecem aos produtores para a realização de seus eventos. Ficaram de fora o Encontro da Bossa Nova, com Roberto Menescal, Marcos Valle e Leila Pinheiro, além do cantor português de fado Antônio Zambujo. Adailto admite que tardou um pouco a retomar a busca por pautas no Teatro Castro Alves, local mais adequado para essas atrações, e não encontrou dias disponíveis.
Outro efeito colateral do aumento na oferta de shows é a intensificação da ação de cambistas. "Isso é uma vergonha nacional. O que aconteceu com Bethânia é uma estupidez", afirma o produtor, referindo-se ao fato de que os ingressos para a apresentação da cantora esgotaram-se em 40 minutos.
Cambistas
O trabalho dos produtores inclui atender a artistas ávidos pela volta aos palcos, pescar oportunidades de trazer atrações internacionais em turnê na região e encontrar locais adequados para cada artista. Uma atividade que envolve uma rede de relacionamentos com profissionais do setor e traz algumas boas recompensas. Depois de receber de Mazzola, um produtor amigo, a solicitação para levar Paul Simon em um passeio de barco, o casal acabou fornecendo ao americano mais informações sobre o Olodum, de quem ele já havia ouvido falar. "Fomos nós que colocamos ele no Olodum, através de Neguinho do Samba, que já conhecíamos", afirma Yeda Almeida.
A produtora destaca um fato que lhe chamou a atenção na retomada dos shows na Concha. A grande presença de adolescentes em shows de artistas que são da geração de seus pais. "No Capital Inicial tinha uns garotos de 11, 12 anos. Mas arte é vida. Melhor estar em um show musical do que em outras coisas por aí", diz Yeda, que ressalta o lado terapêutico da música. "As coisas vão ser diferentes, não só nos shows, mas no mundo. E a música ajuda a amenizar as atrocidades que estão acontecendo, até no nosso Brasil".
Cena alternativa
Um aspecto que levou os produtores a refletir durante a pandemia foi a busca de novos espaços. Quem trabalha na cena alternativa, por exemplo, perdeu palcos consagrados para a juventude soteropolitana, como o Portela Café e a boate Commons, ambos no Rio Vermelho, que fecharam as portas definitivamente durante o período de isolamento, forçando a exploração de outros caminhos.
"Quem produz um show para um artista que vai levar 500 pessoas não pode agendar um espaço para 2 mil pessoas", explica Érica Saraiva, que trouxe a Salvador nomes como Johnny Hooker e Liniker, ainda sob chancela da InspireMusic. A sociedade foi desfeita e, por enquanto, ela vai usando a marca Mídia Massa.
Em sua busca por lugares, Érica já visitou dois endereços, com resultados satisfatórios. Fez uma visita técnica ao Sesc Pelourinho e se reuniu com a direção do Goethe Institut, onde já havia produzido o Toca, e deve agendar nomes para essas duas casas. Shows com Filipe Catto, Rodrigo Assucena e Alarcón estão no radar.
Érica lamenta, entretanto, a diminuição da capacidade de público nas três praças mais conhecidas do Pelourinho – Tereza Batista, Pedro Arcanjo e Quincas Berro D'água – que comportavam entre mil e duas mil pessoas cada, antes da pandemia, e voltaram com suas capacidades oscilando entre 500 e 800 lugares. Nesse fim de ano, está mais difícil atrair shows no espectro em que Érica trabalha: "Tem a concorrência dos festivais, como o Radioca e o Sangue Novo”.
Alguns produtores aproveitaram a pausa obrigatória para pensar em novos conceitos de shows, a partir do perfil do público. Por exemplo, quem assistiu em pé, na década de 90, Leo Jaime cantar que nada mudou, hoje está com mais de 50 anos nas costas. E uma coisa que mudou, sim, foi a preferência pelo conforto. Quem for assistir ao roqueiro goiano na Pupileira, em Nazaré, no dia 11, vai poder curtir a atração sentado à mesa, com serviço de bar.
A Pupileira foi uma alternativa que a produtora Irá Carvalho encontrou quando tentava trazer Vanessa da Matta e o TCA não estava disponível. Surgiu ali um novo nicho. Foi nesse lugar, com 1.800 cadeiras, que Ritchie também se apresentou.
Irá, que trabalha há 39 anos com produção, orgulha-se de ter sido a pioneira na programação dos shows aos domingos na Concha. Quando a maioria das apresentações se concentrava nas noites de sexta e sábado, ela resolveu apostar na falta de opções de lazer no início das noites domingueiras. "É um dia em que as outras cidades não fazem shows e aqui em Salvador a sexta e o sábado eram o filé. Apostei e deu certo", afirma.
Os anos de isolamento
Os tempos difíceis estão indo embora. Mas desde a explosão da axé music, na virada dos anos 80 para os 90, quando era praticamente mandatório que uma atração nacional dividisse a noite com uma banda de Carnaval, os produtores não passavam por uma escassez de trabalho que pudesse remeter a esses dois anos de isolamento social. "Era muito difícil acordar e não ter o que produzir, de onde tirar trabalho. Por sorte tenho uma família que me ajudou a ficar bem", relata a produtora.
Irá declara que sempre se emociona com as apresentações que produz, mas na história de seus shows, um evento em particular ficou gravado na memória. No início da década de 90, Marisa Monte saiu em turnê para apresentar o seu terceiro disco, Verde Anil Amarelo Cor-de-rosa e Carvão, e o TCA estava fechado para reformas.
A viagem da cantora para Maceió já estava agendada e, nas datas possíveis para Salvador, não havia opções. Com pouco tempo para definir, Irá arriscou o extinto Teatro Yemanjá, no antigo Centro de Convenções da Bahia. Deu certo e Marisa cantou por seis noites.
Mesmo com a elevada procura por ingressos que custam pelo menos R$ 190 para se sentar no chão da Concha, a atração de cantores estrangeiros para Salvador ainda é difícil, porque os custos para uma apresentação internacional são muito mais elevados.
Na maioria das vezes, a inclusão da capital baiana no roteiro depende do desejo pessoal do artista em tocar aqui, como aconteceu com Paul McCartney, da existência de um patrocínio milionário ou de arranjos com a produção nacional da turnê, como aconteceu com Bonnie Tyler, que vem à América do Sul comemorar os seus 50 anos de carreira.
Salvador no roteiro
O show que será apresentado em Curitiba, Florianópolis, Tubarão (SC), Porto Alegre, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e Montevidéu (Uruguai), acabou incluindo a capital baiana no roteiro. É a primeira turnê internacional que chega a Salvador através da Carambola Produções.
"Eu tenho uma parceria com o produtor nacional da turnê e apareceu a oportunidade do show", explica Milena Leão, da Carambola, que também opina sobre a dificuldade de atrair grandes nomes internacionais a Salvador. "A grande questão é a viabilidade financeira. Os custos são altos e a gente precisa lucrar também", pontua.
Durante a pandemia, Milena, que não trabalha somente com música, mas também teatro e outras atividades culturais, teve que diversificar ainda mais sua atuação. Um dos projetos a que se dedicou foi o Cine ao Céu, no qual uma tela gigante em 3D é transportada para exibição de um filme em praça pública. No ano passado, o projeto foi contratado pelas prefeituras de Luís Eduardo Magalhães e Eunápolis, com a exibição do filme O Rei Leão.
Este ano, Milena voltou à carga com a produção de shows. "Nada substitui a experiência do ao vivo e o público estava ansioso", diz ela, que também é vice-presidente da Associação Baiana das Produtoras de Eventos (Abape). O primeiro ano pós-pandemia está sendo intenso e já há shows programados até para janeiro, como o de Adriana Calcanhotto, no TCA.
"Todo mundo tinha projetos que ficaram presos. E está havendo uma receptividade muito boa por parte do público", afirma. Se continuar na mesma batida, os produtores musicais baianos terão um 2023 sem limites pra sonhar.
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