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ABRE ASPAS

“A mentira nas redes sociais é usada como uma arma política”, diz jornalista

Confira a entrevista com a jornalista Juliana Dal Piva

Por Gilson Jorge

08/09/2024 - 5:00 h | Atualizada em 08/09/2024 - 12:59
Jornalista Juliana Dal Piva
Jornalista Juliana Dal Piva -

Aos 38 anos, a catarinense Juliana Dal Piva coloca-se no seleto grupo de jornalistas brasileiros que fizeram a diferença no trabalho investigativo na política nacional. A sua ampla apuração sobre a evolução patrimonial da Família Bolsonaro rendeu o elogiado livro O Negócio do Jair (Companhia das Letras, 2022). Ex-repórter de O Globo, ex-colunista do UOL e atualmente repórter do site ICL, Juliana participa em Salvador na próxima quinta, dia 12, durante o III Seminário Baiano de Jornalismo e Literatura, realizado pela Associação Bahiana de Imprensa, a Academia de Letras da Bahia (e o Gabinete Português de Leitura, que este ano tem como tema Verdade e Liberdade de Expressão. Ao lado do jornalista baiano Flávio Costa, ex-colaborador de A TARDE e atual colaborador do UOL, Juliana será homenageada em um evento com homenagem póstuma ao jornalista britânico Dom Phillips, assassinado na Amazônia em 2022. Nesta entrevista, Juliana comenta a suspensão da plataforma X e os desafios do jornalismo com a disseminação das fake news.

O antigo Twitter, atual X, era uma ferramenta fundamental para o jornalismo político. Como você está se virando sem essa rede social?

Desde que virou X, o Twitter para mim já tinha perdido um espaço muito grande de trabalho. Primeiro, porque passei a ter menos contato com fontes por lá, as pessoas foram automaticamente migrando para outros canais, valorizando mais o Instagram ou mandando mensagens pelo WhatsApp e Telegram. Eu não tenho TikTok, estou estudando essa possibilidade. É complicado fazer jornalismo investigativo e ainda administrar trocentas redes sociais. Eu queria um assessor pessoal, não tenho. Mas confesso que o impacto na minha vida do X é muito pequeno. Eu usava para divulgar minhas matérias, acompanhar eventos ao vivo e debates. Mas, desde a eleição de 2022, eu já tinha passado a usar muito menos, porque sempre considerei essa plataforma muito permissiva com discurso de ódio, abusos, ameaças. É um ambiente muito nocivo. Durante muito tempo me perguntei sobre a minha presença lá. À medida em que a minha conta foi crescendo, e ainda não era X, eu achava que existia uma divulgação importante. Depois que o Musk comprou, eu comecei a ver como as postagens de matérias tinham menos alcance. Ao mesmo tempo, começou uma loucura de perda de seguidores, que você não entende. Houve uma redução grande no momento em que eles tiraram o selo de verificado das pessoas. O Twitter tinha criado o selo dentro de um programa de prevenção de ataques a jornalistas, para que não criassem perfis falsos da gente. O Musk chegou e do nada tirou o selo. Uma despreocupação completa com esse ambiente nocivo das redes sociais e que aí vira território de ninguém. Vou ser sincera: em parte, eu acho que se eles não respeitam nada, ninguém e nem a lei brasileira, eles realmente não nos fazem falta. Para o meu trabalho, eu acho que a gente vai encontrar uma migração para as redes sociais e isso vai se assentar com o tempo. Sinceramente, o Twitter depois que virou X mais atrapalha do que ajuda.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal ratificou por unanimidade a suspensão do X no Brasil, imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news. No entanto, algumas manchetes dos meios de comunicação apontam para uma disputa quase pessoal entre Moraes e o empresário Elon Musk. Como você vê o tratamento que o jornalismo deu a essa questão?

Eu não concordo com essa premissa de que isso tem sido tratado de maneira pessoal, inclusive porque a Primeira Turma respaldou. Pelo que eu tenho acompanhado dos colegas da imprensa, há uma compreensão bastante ampla de que é importante que empresas multinacionais e bilionários que vêm com suas empresas para o Brasil saibam que o país é uma democracia que tem Constituição e leis que precisam ser respeitadas, assim como a Constituição e as leis americanas precisam ser respeitadas também. Se eles crescem no Brasil e ganham dinheiro de publicidade no país, eles têm que respeitar as leis. Se eles não vão ter um representante legal aqui, como determina a legislação, o Brasil tem que cumprir a lei. De um modo geral, eu visso. Ao mesmo tempo, existem questões no STF que já estão colocadas há bastante tempo e há várias camadas de problemas que são discussões difíceis de serem travadas. Eu, particularmente, não gosto de entrar em um Fla x Flu ou preto no branco. Tem muito cinza em torno desse debate sobre como sofremos uma ameaça à nossa democracia. Sinceramente, houve um momento de questionamento bastante importante quando o Musk entrou como investigado no inquérito das milícias digitais. E foi uma decisão antes de a Procuradoria Geral da República (PGR) se manifestar. Ali, o ministro acabou se colocando numa posição da determinação das coisas, que não deveria ter feito. Há um rito. Há outros questionamentos, mas eu acho, de verdade, que o Brasil viveu um processo muito bruto, duro, de falta de institucionalidade nos últimos anos e isso fez com que as nossas instituições dessem uma balançada. Elas não caíram como um todo, mas o Ministério Público Federal e a PGR foram muito ausentes durante a pandemia. Então, o tanto que o Supremo passou a agir teve a ver com a ausência da PGR e do próprio Congresso Nacional, que ficou assistindo vários absurdos no Governo Bolsonaro. Esse processo veio andando numa velocidade desenfreada e termina agora. Fazer o X sair do ar é o menor dos nossos problemas.

Você mencionou o inquérito das milícias digitais e a disseminação de fake news nas últimas eleições. A desinformação continua. Como você vê no horizonte a situação da Família Bolsonaro? Vai haver punição pra alguém? A inelegibilidade de Bolsonaro pode ser revertida ou haverá uma saída acomodatória no meio do caminho?

Uma coisa muito ruim desse processo é a demora para a conclusão das investigações, que não terminam na velocidade que a gente quer, às vezes. Tem uma dinâmica própria. Mas estamos a dias da conclusão do inquérito sobre o Golpe de Estado, a expectativa é que seja esse mês ainda. Já houve a conclusão do inquérito da venda ilegal das joias e o da falsificação dos cartões de vacinação. Mas o inquérito do Golpe de Estado é o mais importante deles, o mais estruturante em termos de crimes do Bolsonaro e do Bolsonarismo. Eu não vejo nesse momento, com os elementos que existem, um cenário de impunidade para isso. Eu acho que eles irão responder, o processo não vai acabar. Está muito claro pelo que já foi descrito nas medidas cautelares, o próprio depoimento dos comandantes militares, que admitiram participar de reuniões em que foram pressionados a tomar a frente dentro de um Golpe de Estado quando o presidente Lula ganhou a eleição. Tem muito elemento, prova documental, mensagem, testemunho, para além da própria delação do Mauro Cid. Eu não vejo um cenário em que Bolsonaro não seja indiciado pela PGR e depois denunciado ao STF. Acho que até o final do ano a gente vai ver isso acontecer. Mas essa demora vai deixando um clima para eles (o bolsonarismo) reclamarem. Se a gente olhar mais para trás, o próprio Bolsonaro só se tornou presidente da República porque o Supremo não julgou a ação da deputada Maria do Rosário, quando Bolsonaro falou que não a estupraria porque ela não merecia e que era muito feia. E porque Bolsonaro foi absolvido pelo Supremo no processo de racismo, depois que ele teve uma fala racista na Hebraica (Sociedade Cultural, Esportiva e Recreativa Hebraica) no Rio de Janeiro, quando ele disse que o afrodescendente mais leve em um quilombo pesava sete arrobas. Bolsonaro atacou a democracia por 30 anos na tribuna do Congresso. Ao longo do tempo, a corda foi esticando. O mais grave não é Bolsonaro em si, mas a parcela da sociedade que se identifica com esses valores racistas, homofóbicos, xenofóbicos, fascistas mesmo. E que com o uso das redes sociais se encontrou, se organiza e pulveriza uma série de mensagens dessa ordem, canalizando ódio nas pessoas.

Além da divulgação de fake news...

Sim. As redes sociais vivem de um algoritmo que junta os iguais e força essa mensagem, sobretudo as mensagens de ódio. E você mistura no meio disso mensagens falsas. Uma fake news que varreu o sábado véspera do segundo turno foi a de que Lula ia acabar com o MEI. Eles editaram uma fala de Lula e saíram espalhando isso como um rastilho de pólvora. Eu lembro de entrar um táxi e o motorista tava dizendo que Lula ia acabar com o MEI. A mentira nas redes sociais, dentro desse processo que a gente está vivendo, é usada como uma arma política, uma arma muito poderosa. E como eles não estão preocupados com a verdade, a gente, jornalista, fica enxugando gelo, faz matéria para dizer que é mentira. A gente pega pela mão os amigos, conhecidos e parentes tentando explicar que 2+2 é 4, que a terra é redonda. Mas é enxugar gelo. Há estudos que mostram que as pessoas tendem a acreditar nas falas que reforçam as coisas em que elas já acreditam. Se chega uma informação diferente, leva um tempo para elas minimante aceitarem entrar em contato. A fake news é muito poderosa dentro desse cenário político. Essas pessoas não têm compromisso com a verdade. Daí a importância de se cobrar criminalmente pelas mentiras. A gente demorou muito de fazer isso. Nesse processo de começar a cobrar, eles começaram a chiar. E aí a gente viveu um processo que também teve atropelos. O Supremo não tem que abrir inquéritos. E pessoas que não têm prerrogativa de função não têm que ser investigadas pelo Supremo. O perigo de impunidade nesse momento talvez não exista, porque a coisa está andando. Mas daqui a alguns anos, confesso que não tenho como garantir, porque realmente pessoas que não têm foro privilegiado estão sendo investigadas pelo STF. E onde isso é mais complicado é no inquérito das joias mesmo. Bolsonaro não tem mais foro. Essa discussão daqui a alguns anos pode ficar muito mais complexa. Pode até gerar nulidade no futuro. Mas eu acho que no caso do Golpe de Estado, até pelo nível dos ataques, muita gente não vai ficar impune.

Você mencionou que o Ministério Público e a PGR ficaram ausentes na pandemia. E a mídia? Você falou que o jornalismo fica enxugando gelo. Sem entrar no Fla x Flu, mas não fez falta dar nome aos bois? A Folha de S.Paulo, por exemplo, nunca disse que o candidato Bolsonaro era de extrema-direita. O Jornal Nacional, que entrevistou o mesmo candidato, não explicou que o livro apresentado por ele na entrevista não era um kit gay, mas o livro didático francês Aparelho Sexual e Cia, de Hélène Bruller...

Eu acho que isso foi um processo. O problema disso está mais claro no início. Na campanha de 2018 e no início do governo, havia um certo pudor de dizer que Bolsonaro mentia. Ele claramente mentia sobre diferentes coisas. Houve um momento em que ele atacou Fernando Santa Cruz, pai do então presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Fernando foi assassinado pela ditadura militar e é um desaparecido político até hoje. Em uma das entrevistas do cercadinho, Bolsonaro falou mentiras sobre isso. E esse episódio pareceu uma coisa planejada, que ele se preparou para fazer aquele ataque. Houve o ataque à jornalista Patrícia Campos Mello, que também pareceu uma coisa planejada, para ser um ataque que ele também reforçou em entrevista. Ao longo desse tempo, por vários momentos, as matérias falavam sobre Bolsonaro errar, não diziam que ele estava mentindo. Isso acabou no período da pandemia, quando as mentiras atingiram outro nível. E aí começaram os títulos dizendo que o governo estava mentindo. Mudou o tom.

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Tags:

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