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22/09/2024 às 5:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

A obra continua: ações e serviços da Fundação Pierre Verger

Livro de Verger deve ser publicado no ano que vem pela Companhia das Letras

Exposição de Amanda Tropicana
Exposição de Amanda Tropicana -

Pouco antes da pandemia de Covid-19, enquanto relia o livro Orixás, de Pierre Verger, que passou por uma revisão de dados bibliográficos, a diretora da Fundação Pierre Verger, Angela Lühning, percebeu nas notas uma referência a um texto chamado Stories of Orixás, que constava como "no prelo", expressão do mercado editorial para indicar que um livro está perto de ser publicado. "Eu pensei: Nossa! Eu nunca vi esse texto nos livros efetivamente publicados por Verger", lembra Angela.

A diretora consultou, então, as várias versões do currículo de Verger que ele mesmo tinha elaborado e encontrou uma referência a uma editora que teria publicado o livro nos anos 1980. "Eu joguei o nome do texto no banco de dados e encontrei a pasta com o manuscrito desse livro, sobre os itans dos orixás, que fazem parte do corpo de conhecimentos transmitidos pelos babalaôs na Nigéria", afirma.

Fruto da pesquisa que Verger fez na Nigéria entre o final dos anos 1950 e a década de 70, o livro foi traduzido do iorubá para o português pelo professor nigeriano Felix Ayoh' Omidire, titular de estudos literários da Universidade de Obafemi Awolowo, na Nigéria, e professor visitante da Ufba e da Universidade Humboldt, em Berlim. Ele também é autor do livro Yorubaianidade.

O livro de Verger deve ser publicado no ano que vem pela Companhia das Letras. O título provisório é Itans, histórias dos orixás. Outra obra que deve ser publicada pela mesma editora é a nova edição de Ewé - O uso das plantas na sociedade Iorubá, que está esgotado. A publicação de livros é uma das áreas de atuação da fundação, além de ações socioeducativas e a divulgação do trabalho de Pierre Verger, cuja carreira como fotógrafo completa 90 anos agora em 2024.

Na fundação, situada no mesmo casarão no Engenho Velho de Brotas em que Verger morou até a sua morte, em 1996, a cada ano são atendidas 250 pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos, em oficinas de capoeira, dança, culinária e esportes com cidadania, entre outras.

Há dois anos, com o fim do confinamento social causado pela pandemia, a instituição começou também um trabalho de reforço escolar e alfabetização. "Esse projeto foi uma iniciativa para contribuir em algo que, aos meus olhos, parecia grave, mas não tinha muita atenção. Saía uma ou outra matéria em jornal", conta a diretora, ressaltando que o reforço é oferecido a alunos das oficinas, mas também a jovens de fora da instituição.

"Isso acontece muito com os meninos do esporte. As famílias só querem que eles sejam jogadores de futebol, mas a educação é uma questão lateral", declara a diretora, uma pesquisadora alemã que veio à Bahia estudar a perseguição ao Candomblé entre 1912 e 1940, conheceu o trabalho de Verger e acabou ficando por aqui. Angela também é professora da Ufba.

Ela destaca que na oficina de esporte e cidadania os jovens trabalham questões como racismo e respeito aos Direitos Humanos. E além disso, algumas crianças mais talentosas são enviadas para testes nas categorias de base de times profissionais. Neste momento, um menino de oito anos está fazendo testes no Bahia e, no ano passado, um da mesma idade foi para o Vitória.

Quanto à divulgação do trabalho de Verger, acontece até 9 de outubro no Museum Cobra em Amstelveen, Países Baixos, a exposição Pierre Fatumbi Verger – The one that I'm not. Com curadoria de Alex Baradel, responsável pelo acervo fotográfico do mestre franco-baiano, e produção da ONG portuguesa Terra Esplêndida, a mostra conta com 150 imagens de Verger e é considerada a maior exposição do artista em solo europeu ao longo dos últimos 20 anos.

"É uma exposição sobre a vida e a obra de Verger no seu tempo. A sua fotografia muitas vezes é considerada como um documento, porque ele escreveu muito sobre a temática antropológica. Mas, muitas de suas fotos foram feitas antes de ele concluir o segundo grau, como um viajante", diz Baradel.

Nascido em uma família burguesa, Verger rejeitou esse estilo de vida e saiu pelo mundo em busca de outras formas de existência. "A fotografia, de certa forma, mostra esse encontro com o outro. Não é um documento para apresentar a cultura japonesa à Europa, por exemplo, mas é uma forma de mostrar o que ele descobriu sobre essa cultura", assinala Baradel, que é formado em cinema, trabalhava para uma empresa de produção cultural em Paris, veio a Salvador em 2000 para digitalizar 3 mil fotos de Verger e acabou ficando por aqui mesmo.

Este ano, aliás, completam-se 90 anos do primeiro trabalho profissional de Verger como fotógrafo, quando ele viajou à Ásia pelo jornal Paris Soir, fundado em 1923 pelo militante anarquista Eugene Merle, morto em 1938, e que seria publicado até 1944, quando foi banido por ter colaborado com a ocupação nazista de Paris durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 2008, no ano em que se comemorou o centenário da imigração japonesa no Brasil, 134 fotos da ida do fotógrafo francês ao oriente foram reunidas no livro O Japão de Pierre Verger, publicado pela Fundação Pierre Verger, em parceria com a Companhia Editora Nacional, fundada em 1925 por Monteiro Lobato e que, desde 1980, integra o Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas.

Baradel considera que a transição de Verger para uma identidade não-ocidental, que começou com a viagem à Ásia, completa-se quando ele se inicia como sacerdote de Ifá e assume a identidade de Pierre Fatumbi Verger. "A exposição em Amstelveen mostra essa evolução do ocidental para a outra pessoa que ele queria ser. Mas Verger sempre foi Verger, manteve um lado ocidental. Ele dizia que você não foge de onde você vem", pontua.

Verger, por exemplo, apesar de ter sido iniciado como babalaô, não incorporava santos, como reconheceu em entrevista a Gilberto Gil no documentário Pierre Fatumbi Verger: mensageiro entre dois mundos, lançado em 1998 e que mostra as relações do fotógrafo e etnólogo com a Bahia e a África. "Apesar de conhecer o Candomblé como ninguém, ele não era muito religioso, era meio cartesiano, formatado com o espírito ocidental", afirma Baradel.

Galeria

Aqui em Salvador, na Galeria Pierre Verger, localizada em frente à Igreja da Misericórdia, no Centro Histórico, a fundação exibe até o fim de novembro a exposição Raízes, da fotógrafa Amanda Tropicana, vencedora do Prêmio Nacional Pierre Verger, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, na categoria Ancestralidade e Representação. A mostra integra o projeto 16 Ensaios Baianos, promovido pela Fundação Pierre Verger.

Galeria Pierre Verger
Galeria Pierre Verger | Foto: Shirley Stolze / Ag A TARDE

Amanda tem sua vida registrada em fotografia desde a gravidez. Uma decisão dos pais, que não têm lembranças fotográficas dos avós da jovem e passaram a clicar todos os momentos importantes em família. Mas ela mesma começou a fotografar por acaso. Carioca que se mudou para a Bahia ainda criança, ela recebeu a visita de uma tia do Rio quando tinha 15 anos, em 2005, e durante o passeio na Ladeira da Barra, no mágico fim de tarde soteropolitano, sua parente pediu que ela segurasse a sua máquina fotográfica enquanto ela ajeitava a sua roupa.

Exposição de Amanda Tropicana
Exposição de Amanda Tropicana | Foto: Shirley Stolze / Ag A TARDE

Justamente nesse momento, um homem correndo na contraluz, de costas para Amanda, chamou a atenção da jovem, que decidiu clicar a imagem. A adolescente não podia imaginar que 19 anos depois estaria expondo seus cliques em uma galeria, mas a partir daquele fim de tarde, nunca mais deixaria de lado a máquina.

Com o tempo, vieram o trabalho como assistente de fotografia, a cobertura de eventos e a graduação não-concluída em fotografia, que lhe deu alguma base teórica, além de se aproximar do trabalho de grandes mestres. "Quando um professor me apresentou a obra de Verger, eu me identifiquei e queria muito fazer essas fotos na rua", declara a fotógrafa. Em 2019, Amanda foi convidada pela Cáritas a fotografar mulheres quilombolas em Caetité, o que lhe rendeu o ensaio premiado.

Galeria Pierre Verger
Galeria Pierre Verger | Foto: Shirley Stolze / Ag A TARDE

Bibliotecas

A fundação tem duas bibliotecas. A mais nova, batizada de Jorge Amado, conta com cerca de três mil livros de diferentes áreas, como psicologia e história, que podem ser emprestados, exceto os de Pierre Verger, que são para consulta no local. A biblioteca mais antiga, ainda sem nome, concentra aproximadamente cinco mil livros antigos e raros que eram usados por Verger. Estes são apenas para consulta. Segundo a fundação, aparecem em média dois pesquisadores por semana interessados no acervo.

Os meninos da oficina de esporte com cidadania costumam interromper o jogo quando Nancy Souza e Silva, 87 anos, se aproxima lentamente da quadra apoiada em uma muleta. Respeito pela idade, mas também pela história que Dona Cici (também conhecida como Vovó Cici) carrega consigo.

Carioca, ela aportou há três décadas na Bahia, onde tinha parentes, sonhando em morar no Rio Vermelho, que conhecia pelas reportagens sobre a Festa de Iemanjá. "A gente que é carioca tem essa noção daqui. Mas minha família morava no lado da Ribeira", conta.

Depois de um período em Lauro de Freitas, acabou indo morar há 16 anos no Engenho Velho de Brotas, onde trabalhou durante décadas como arquivista da Fundação Pierre Verger. Ela aparece inclusive no documentário, sendo entrevistada por Gilberto Gil.

Griote

Mesmo aposentada e com dificuldades para se locomover, todos os dias da semana ela cruza a Ladeira Vila América, com o auxílio de algum vizinho, para atuar como colaboradora na fundação, cortando alimentos para o preparo de refeições ou assumindo a função de griote (feminino de griô), contando aos mais jovens histórias repassadas oralmente pelos ancestrais, uma cultura que vem da África Ocidental.

A relação de Dona Cici com a contação de histórias remete à infância de seu pai, poucas décadas depois da abolição da escravatura. "Eu venho de uma família de negros médios, e minha avó tinha uma moça que tomava conta de seus filhos e de alguns sobrinhos. Meu pai era o mais pintão de todos. E era essa mulher que contava histórias para as crianças", conta a arquivista aposentada.

No final da década de 50 nascem dois irmãos seus, a irmã em setembro de 59 e o irmão em dezembro de 1960. Quando eles estavam mais crescidinhos, a mãe passa à jovem Nancy a tarefa de cuidar dos irmãos enquanto sua mãe cozinhava. Assim nasceu o seu costume de contar histórias.

"Eu cantava e depois eu contava histórias para eles dormirem, mas dizia que não ia repetir. Porque eu estava cansada da vida", explica Dona Ceci, recorrendo a uma expressão típica do Rio de Janeiro.

Mas os contos que aprendeu, oriundos da contadora de histórias que entretia o pai de Dona Cici, eram narrativas protagonizadas por animais que falavam e interagiam com humanos. "Aqui na Bahia eu conto mais histórias de orixás, que me levaram a entender o meu grupo", declara a arquivista aposentada, que ainda no Rio de Janeiro morou em uma roça de candomblé por 36 anos.

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