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A potencialidade do teatro baiano na Mostra Interior em Cena

Para fazer a inscrição, as peças participam do chamamento público e enviam os vídeos para a organização

Por Gilson Jorge

20/08/2023 - 7:00 h
Espetáculo 'Adelino' terá duas sessões especiais no próximo dia 26
Espetáculo 'Adelino' terá duas sessões especiais no próximo dia 26 -

Dono de um quiosque de lanches na Praça José Ramos, em Itinga, Lauro de Freitas, Rubenval Meneses costumava produzir, há mais de 30 anos, apresentações musicais no logradouro para movimentar o negócio. Mas o interesse pelo teatro foi crescendo e ele fez oficinas de interpretação com Hirton Fernandes Júnior, fundador do Grupo Tupã de Teatro e uma referência na cidade. Incentivado pelo professor, graduou-se em arte cênicas pela Ufba e resolveu mudar de vida. Alugou o quiosque a outra pessoa, vendeu o carro, comprou um terreno junto com a companheira, também atriz, e depois de oito anos construiu o Teatro Eliete Lima, com capacidade para 90 pessoas. Eliete é o nome de sua mulher, que também integrou o Grupo Tupã.

Este ano, Rubenval e Eliete estão por trás de um dos 33 espetáculos teatrais baianos feitos fora de Salvador que se inscreveram no Prêmio Braskem de Teatro. A Menina das Pedras, que se classificou entre os 12 finalistas, faz hoje a sua segunda apresentação ao público soteropolitano na Varanda do Sesi Casa Branca, no Caminho de Areia, às 18h. A primeira performance aconteceu no mesmo local ontem, Dia do Artista de Teatro. Um motivo a mais para a celebração desse casal, que pela quarta vez concorre ao prêmio.

A premiação este ano está mais inclusiva. Os espetáculos das outras cidades baianas concorrem em todas as categorias com as produções soteropolitanas, e não apenas como melhor peça do interior. Entre 2016 e 2020, essas peças eram avaliadas por uma comissão julgadora diferente da do Prêmio Braskem de Teatro, em etapas regionais, e concorriam no Festival de Teatro do Interior da Bahia.

Em 2023, na primeira edição pós-pandemia, o projeto virou a Mostra Interior em Cena e traz a Salvador os espetáculos de outras cidades com as despesas pagas pelo prêmio. As peças são avaliadas pela mesma comissão do Prêmio Braskem de Teatro. "Isso traz uma característica essencial do prêmio, a de ser equânime", avalia o curador da mostra Fernando Marinho.

A mudança no modelo foi impulsionada pelo período de isolamento social, no qual vigorou o Prêmio Braskem de Teatro Online, em que a comissão julgadora assistia todas as peças em casa, a partir de links. "Isso foi um grande passo para acabar com essa coisa diferenciada", admite Marinho. Os avaliadores mudam a cada edição. Este ano, integram a comissão o ator Diogo Lopes Filho, a atriz e dramaturga Deborah Moreira e o gestor e produtor cultural João Lelis.

Para fazer a inscrição, as peças do interior do estado e da Região Metropolitana participam do chamamento público e enviam os vídeos para a organização da Mostra. Após o fim das inscrições, uma comissão julgadora formada por três profissionais renomados da cena teatral assiste aos espetáculos e escolhem, seguindo critérios artísticos, as montagens que integram a programação.

O novo modelo permite ao público soteropolitano, incluindo a classe artística da capital, entrar em contato com o trabalho de atores e diretores que já têm uma estrada na carreira teatral, mas que era uma estrada desconectada do circuito de Salvador.

Rubenval Meneses, da vizinha Lauro de Freitas, é uma exceção. Ele já se apresentou em Salvador algumas vezes é fez parte do elenco de Yaba, do Grupo Tupã, que recebeu em 2001 o Prêmio Copene. Já tinha viajado ao Peru, à Bolívia, à Argentina e à Dinamarca com o grupo Tupã. Juntamente com Eliete, ele é uma referência em teatro de bonecos e já fez bonecos para o Unicef e para uma emissora de TV. E, mais uma vez, está concorrendo.

"O Prêmio Braskem é uma vitrine. Todo mundo que faz teatro na Bahia, do mais famoso ou menos conhecido, sonha em ganhá-lo", afirma Meneses, que em A Menina das Pedras atua como narrador e pai da protagonista, além de dirigir o espetáculo. Eliete assina a produção, que viajou para a Suécia e a Dinamarca em 2019. O Teatro Eliete Lima é o único particular de Lauro de Freitas e funciona também como escola, com aulas de teatro e dança. O município conta ainda com um teatro municipal e outro estadual.

O ator, diretor e dramaturgo feirense Fernando Souza concorre com dois espetáculos, o Velho Lobo do Mar e Encantos do Sertão. O primeiro aborda os conflitos de um pirata com o seu pai e a história de um amor mal resolvido. O segundo enfoca a viagem de três amigos pelo interior do Nordeste para ouvir e contar histórias.

"É uma homenagem à cultura da região, aos nossos avós, aos griôs, às rendeiras", explica Souza, que começou a escrever para teatro na adolescência, quando lançou a peça Sexo com X ou CH?. "Era uma tentativa de abordar mitos sobre a sexualidade", afirma Souza, que enaltece o Interior em Cena. "Eu acho fantástico ter a possibilidade de encenar em Salvador. O Braskem está de parabéns", declara o feirense.

O Velho Lobo do Mar está em cartaz hoje no Centro Cultural Sesi Casa Branca, às 19h, na sequência de A Menina das Pedras. Encantos do Sertão estará em cartaz no próximo dia 26, no Teatro do Goethe Institut, no Corredor da Vitória, às 11h e às 16h.

Também de Feira de Santana, Lion Guimarães traz Os Rinocerontes, versão que escreveu para o texto O Rinoceronte, do romeno Eugene Ionesco, de 1959, sobre a histeria coletiva. O original versava sobre o comportamento das massas em movimentos fascistas. Guimarães também elogia a iniciativa de trazer espetáculos do interior à capital. "Há uma riqueza cultural imensa em outras cidades e as pessoas em Salvador talvez não tenham ideia disso", afirma Guimarães. Os Rinocerontes estará em cartaz no Centro Cultural Sesi Casa Branca, Caminho de Areia, no dia 27 de agosto em dois horários, às 16h e às 19h.

De Vitória da Conquista, o público soteropolitano pode ver Adelino, o último espetáculo da trilogia do grupo Operakata, iniciada com O Circo de Soleinildo (indicado ao Braskem 2015), e continuada com Pariré (vencedor do Braskem 2017). A trilogia é o resultado de pesquisa cênica do teatro mudo, da commedia dell arte, de elementos do clown, que envolve construção cenográfica e elementos do audiovisual.

Adelino trata da solidão, contando a história de um homem que ao se mudar para uma nova casa descobre que nem todos os antigos moradores partiram. Adelino estará em cartaz no Centro Cultural Sesi Casa Branca no próximo dia 26, às 16h e às 19h.

Terceiro maior município baiano, com cerca de 370 mil habitantes, Vitória da Conquista enfrenta logicamente maiores dificuldades para ver florescer uma cena teatral do que Feira de Santana, segundo maior município, com quase o dobro da população, maior economia e quatro teatros ou assemelhados, como o Centro Universitário de Cultura e Artes da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).

Vitória da Conquista conta nesse momento apenas com o Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima. O teatro de arena Carlos Jehovah, com capacidade para 100 pessoas está fechado há três meses e não há previsão de reabertura. "Sabemos que fazer teatro no Brasil, de forma geral, não é fácil, por uma série de motivos, de forma especial, pela fragilidade das políticas públicas de cultura", afirma a produtora executiva Kétia Damasceno, responsável pelo espetáculo Adelino.

Sobre Vitória da Conquista, especificamente, a produtora lamenta que a cidade de Glauber Rocha e Elomar não disponha de políticas públicas continuadas e efetivas. "Seguindo a regra da maioria dos municípios brasileiros, a cidade dispõe de política de eventos, mas não de fomento à cultura local", declara a produtora.

Kétia afirma notar, no pós-pandemia, uma demanda da população por frequentar o teatro. "Percebemos pela procura de oficinas e pela frequência de público nos eventos que estão sendo realizados no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima", afirma a produtora, que se queixa da falta de apoio do setor privado.

Por isso, ela enaltece a existência do Prêmio Braskem e a mudança na sistemática do evento este ano. "Quem faz teatro na Bahia tem o Prêmio Braskem como uma grande referência, que se tornava distante para os grupos de interior tendo em vista a dificuldade de se apresentar em Salvador e cumprir todas as etapas exigidas para concorrer ao prêmio. O custo é muito alto", afirma a produtora.

Ela define a mostra Interior em Cena como uma porta que se abre para o interior mostrar seu potencial. "É um reconhecimento de que existe teatro no interior da Bahia, a despeito de todas as dificuldades, incluindo a falta de espaços, para produzir", afirma Kétia. Todos os espetáculos do projeto têm ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia), que podem ser adquiridos na bilheteria dos teatros ou através do www.sympla.com.br

As peças da capital podem se inscrever até 5 de setembro. Em outubro e novembro, se apresentam, também com preços populares, 15 indicados nas categorias Espetáculo Adulto, Espetáculo infanto-juvenil e Performance, que podem ser da capital ou do interior. Ainda não há data e local para a cerimônia de premiação, que tradicionalmente acontece no Teatro Castro Alves, mas está fechado desde o início deste ano.

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Tags:

Arte baiana musicais região metropolitana Teatro

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