Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > MUITO
13/11/2018 às 8:50 • Atualizada em 13/11/2018 às 12:56 - há XX semanas | Autor: Bruna Castelo Branco | Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE

MUITO

Adriana Falcão: "Vamos fazer arte, é a melhor coisa do mundo"

Adriana Falcão escreveu para séries de TV como A Grande Família e Mister Brau
Adriana Falcão escreveu para séries de TV como A Grande Família e Mister Brau -

“Nunca fui ao Carnaval de Salvador”, anuncia, sem vergonha, a escritora e roteirista carioca Adriana Falcão. A pequena plateia da mesa-redonda Shakespeare Eternamente, no Teatro Gregório de Mattos, ri. A graça é que, mesmo sem conhecer a festa, a autora adaptou a peça Sonho de uma Noite de Verão, de William Shakespeare, para o Carnaval da cidade. Com estreia prevista para março de 2019, o espetáculo faz parte do edital Fábrica de Musicais, uma realização da Fundação Gregório de Mattos e do Coletivo 4. A direção é do encenador João Falcão, ex-marido de Adriana. Até dezembro deste ano, a Fábrica de Musicais realizará uma programação gratuita com oficinas, mesas-redondas e laboratórios para atores, dançarinos, técnicos de arte, produtores culturais e músicos. Dentre os tantos trabalhos de Adriana, têm destaque as séries A Grande Família e Mister Brau, da Rede Globo. Participou também das produções dos filmes Se eu fosse você 1 e 2, A Mulher Invisível e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, entre outros. Mas desde o começo, quando descobriu que dava para viver da palavra, viu na literatura um refúgio – escreve para crianças, para adultos, para ela mesma. Com 17 livros publicados, usa o riso e a leveza como solução para quase todos os problemas. Em A Gaiola, observa o fim do próprio casamento através dos olhos de uma menina. Em entrevista à Muito, lembra, mais de uma vez, da última pergunta da mesa-redonda que aconteceu logo antes. Veio de uma professora. “O dízimo é mais caro do que os ingressos do teatro. Por que as igrejas estão cheias e os teatros, vazios?”. Não soube bem o que responder, admite, mas sentiu vontade de chorar.

Humor e leveza são marcas do seu trabalho. A adaptação de Sonho de uma Noite de Verão é bem cômica. Qual é a importância do humor na sua vida?

Eu acho que o humor me salva, eu tenho essa impressão. Queria Ver Você Feliz é um livro em que eu conto a história dos meus pais, uma história muito trágica, e que eu conto com muita leveza e com muito humor. Eu acho que o humor é algo que herdei da minha mãe, das minhas tias, e que desenvolvi muito quando morei no Nordeste [Adriana passou parte da infância, adolescência e vida adulta em Recife (PE)], porque eu acho que esse povo aqui do Nordeste tem um humor muito sofisticado, sabe? E é o que me salva, o humor. Em geral, quando consigo começar a rir de mim mesma nas tragédias que acontecem comigo, é quando começo a sair do buraco. Sinceramente, ainda não consegui começar a rir da situação política do Brasil, continuo deprimida e agoniada. Mas acho que o humor me salva, assim como escrever me salva.

Qual é a principal diferença entre escrever para crianças e para adultos? Algo muda em você quando escreve para crianças?

Eu juro que não. Eu tenho uma coisa no meu trabalho, na minha escrita, e que tem em Mania de Explicação, tem em A Máquina, tem em Sonho de uma Noite de Verão, que é olhar com os olhos de criança. Eu sei muito bem o que é a porta vermelha de um camarim, eu sei demais, mas me deixa esquecer que eu sei e deixa eu ressignificar para mim mesma e para as pessoas. Eu faço isso para criança, porque me inspiro nelas quando faço isso, mas faço isso para adultos também, igualmente. Eu considero que tudo o que a gente precisa é educar o nosso povo, educar as crianças e educar os adultos, para não acontecer o que a professora acabou de dizer na mesa-redonda, “as igrejas cheias e os teatros vazios”. Então, eu me coloco a serviço de “vamos pensar?”. É a porta vermelha de um camarim. Mas vamos pensar juntos? Muitas vezes na televisão eu não consigo fazer isso, porque não sou dona do produto final. Mas quando é um livro, quando é uma brincadeira assim, eu sempre estou preocupada com isso.

Você já disse que se acha parecida com a dona Nenê, de A Grande Família. O que tem dela em você?

Eu sou muito controladora, como ela, eu sou uma mãe muito amorosa e muito maternal. A minha filha mais velha está com 40 anos. Às vezes, ela fica horas me mandando mensagens e me ligando. Eu tenho uma relação muito gostosa com as minhas filhas e com a minha família. E eu priorizo a família a qualquer coisa, assim como a dona Nenê. Qualquer coisa ilusória, castelos, dinheiro, e não ilusória, como, sei lá, trabalho, que é uma coisa importante, eu sempre priorizo a família.

Escrever um livro é uma tarefa mais solitária, o escritor trabalha só. Escrever para a TV já é um trabalho mais em conjunto. Como é isso para você?

Quando você tem uma equipe legal trabalhando com você é maravilhoso. Por exemplo, eu fiz quatro temporadas de Mister Brau com uma equipe deliciosa de trabalhar, foi uma delícia e um grande prazer trabalhar com aquelas pessoas durante aquele tempo. Às vezes, acontece que não, a equipe não é tão boa, não está tão sintonizada, não rola uma química. E aí quando eu estou escrevendo sozinha, eu sou dona de mim. Sob essa ótica, é uma vantagem. Por outro lado, o livro é uma coisa que se escreve sozinho mesmo. Um roteiro, é muito difícil uma pessoa escrever um roteiro sozinha mesmo. Você tem que trocar ideia com alguém, com seu colega, com sua equipe. É um trabalho de equipe mesmo, necessariamente. E é muito legal. Em geral, eu me adapto muito bem às equipes com que trabalho. E não me lembro de ter sido infeliz em alguma equipe. Fiz muitos amigos.

Acho que o Carnaval da Bahia simboliza o Carnaval brasileiro muito mais do que desfiles das escolas de samba

Você é formada em arquitetura, mas não trabalha na área. Sente falta?

Nenhuma! (Risos). Nunca trabalhei em arquitetura, nunca peguei meu diploma, se eu for presa agora, se tiver uma ditadura e eu for presa, eu vou para a cela comum porque eu não tenho diploma.

Como começou a escrever?

Eu sempre amei escrever, mas nunca tinha pensado que escrever poderia ser uma coisa importante no meu caminho. Achava que escrever era uma brincadeira, eu brincava de escrever. Até que um dia, eu tinha um cunhado que conhecia um cara de publicidade lá em Recife, que disse: “Você é muito criativa, devia ir para a publicidade”. E aí me arranjou um estágio nessa agência. Foi muito bom, a minha carreira deu muito certo. Quando eu cheguei lá, como tinha feito arquitetura, era arquiteta, acharam que eu ia para a direção de arte. E aí começou aquele estágio assim, meio estranho, até que um dia eu resolvi escrever um texto de um anúncio que tinham pedido. E disse assim: “Eu não sei ser diretora de arte, vou tentar escrever esse texto”. E aí eu escrevi. E exatamente o Jairo Lima, da empresa, quando leu, disse: “Eita, tu escreve!”. Eu acho que por trás disso também tinha um: “Eita, tu não desenha!”. Mas no “eita, tu escreve”, me contrataram e eu virei redatora da agência. Foi como eu comecei, e eu ganhava dinheiro escrevendo. E eu achava aquilo uma loucura. É como se você ganhasse um dinheiro para tomar um copo d’água quando você está com sede. Tô com sede! “Ah, tome aqui um copo d’água e mais mil reais”. Mas quanta generosidade, me dar a oportunidade de escrever e ainda me pagar. Acho que foi ali que eu vislumbrei a possibilidade de a escrita virar uma coisa maior na minha vida.

Como nascem as suas histórias? O que você toma como inspiração?

É uma coisa que vai. Por exemplo, em Queria Ver Você Feliz, dos meus pais, minhas irmãs foram me visitar, e eu tenho uma caixa com as cartas dos meus pais, que eles trocavam, que estão no livro, e eu nunca tinha coragem de ler sozinha. E aí como as minhas irmãs estavam comigo, eu disse: “Vamos ler as cartas do papai e da mamãe?”. E a gente começou a ler e eu fui me emocionando e... “gente, isso dá um livro”. Foi ali, naquela noite, que decidi que queria escrever aquele livro. Mas eu estou escrevendo um livro que se chama Trança, que é sobre quatro gerações de mulheres, inspirado numa foto, não sei se você já viu, que é uma índia trançando o cabelo de uma geração mais nova. Tem uma criancinha, e tem a mãe da criancinha, aí tem a mãe da mãe e a bisavó, uma trançando o cabelo da outra. E eu tive essa ideia de falar sobre mulher, nesse momento em que está se falando tanto na literatura, não é um livro feminista, mas um livro feminino, e termina chegando a ser feminista, claro. Mas já faz três anos que eu tive essa ideia e não estou conseguindo andar com esse livro. Mas a ideia veio exatamente quando vi essa foto, achei a foto tão linda. E é tão bonito essa coisa de gerações de mulheres em que uma vai dando força para a outra, uma vai ajudando a outra. E depende muito: o Mania de explicação foi uma crônica para uma revista. Eu estava sem ideia e aí a minha filha mais nova, Isabel, sempre foi uma menina muito perguntadeira, e aí ela perguntou alguma coisa e veio a inspiração. É muito assim, mas às vezes não tem ideia nenhuma, né?

O musical, especialmente no cinema, ainda é considerado um gênero inferior por parte dos críticos. Por que você acha que isso acontece?

O La La Land (Damien Chazelle, 2017) teve muita crítica, com certeza. Mas quando eu era criança, alguns musicais, eu era muito pequena quando teve A Noviça Rebelde, tinha também O Mágico de Oz. Eu acho que existem clássicos musicais maravilhosos, agora essa coisa do musical cinematográfico, teve Chicago, Moulin Rouge, eu acho esses filmes lindos, não consigo entender por que as pessoas não acham. O próprio La La Land é meio bobinho, assim, mas é uma brincadeira com o musical, eu acho tão lindo. Eu não consigo entender. Eu acho que essa crítica é um pouco assim, tudo tem que ser muito inteligente, muito genial, e pode juntar as duas coisas, pode ser inteligente, pode ser genial e agradar ao público. Eu acredito nisso.

A sua adaptação de Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare, se passa no Carnaval de Salvador. Pode falar mais um pouco sobre o espetáculo?

Eu escrevi em 2006. A editora Objetiva inventou isso aqui, essa coleção chamada Devorando Shakespeare. Convidou Jorge Furtado, o Luís Fernando Veríssimo e eu, para cada um escolher uma peça de Shakespeare para adaptar. E eu fiquei muito agoniada porque não sabia nada de Shakespeare, sou muito ignorante em Shakespeare. Mas ao mesmo tempo era uma honra estar ali com o Veríssimo e com o Jorge. E aí eu aceitei morrendo de medo. Quando fiz a primeira leitura da peça, que é uma história que se passa em três dias de muita loucura, muito amor, o amor está solto, aí eu disse: “Isso aí é o Carnaval, minha gente. É o Carnaval da Bahia”. Acho que o Carnaval da Bahia simboliza o Carnaval brasileiro, na minha concepção, muito mais do que os desfiles das escolas de samba. Eu morei em Recife, tinha o Carnaval de Olinda, mas acho que o Carnaval da Bahia é o Carnaval da Bahia. E aí eu escolhi essa peça e resolvi fazer essa transposição para cá, essa releitura. Mas foi uma encomenda, eu jamais teria essa ideia. Eu não entendo nada de Shakespeare, eu não me atreveria. Mas aí, 2006, faz 12 anos, né? Ontem à noite no avião, vindo para cá, eu li o livro. Eu nunca tinha lido esse livro. E eu achei divertido, eu disse: “Ai, que legal, ele é bem legal”.

Por que o Carnaval?

É porque a própria história se passa em três noites e quatro dias, e ela é muito mágica, muito lúdica, é muito cheia de erotismo e de poções mágicas que deixam as pessoas loucas. Ele quase dizia assim: “Carnaval!”.

Como foi trazer a adaptação de uma peça inserida em um contexto de um tempo e um espaço, um clássico inglês de Shakespeare, para um momento mais contemporâneo e para a capital baiana?

Quando eu li ontem pela primeira vez, percebi que é muito 2006. Era uma época que foi o auge da revista Caras, de celebridades, de pulseiras VIPs, de coisas assim. E eu acho que tem muito disso ali, esse cenário daquela atualidade de 2006. Mas não tem só isso, senão estaria datado e eu acho que não está. Porque isso permanece, né? Essa coisa de celebridades, esse culto. Quer dizer, agora não, de vez em quando algumas pessoas criticam os artistas nas redes sociais, as pessoas começaram um pouco a odiar os artistas. Mas, mesmo assim, acho que o culto à celebridade continua até hoje.

Fico muito feliz que o que eu faço se preste a musicais, porque acho uma coisa fantástica

Alguns de seus livros foram transformados em musicais, como A Gaiola, A Máquina, Mania de Explicação. Como a sua escrita se conecta à música?

Gente, a coisa que eu mais gosto na minha vida é música. Se dissesse assim, só pode existir uma arte agora, todas as outras não vai ter mais, eu diria: “Música!”. Eu acho impossível viver sem música. Nasci em 1960 e fui criada na época da ditadura, na época da Música Popular Brasileira. Tinha os festivais da canção, me lembro até do festival de 1968. E depois começou a censura, e aí Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, eles tinham que se manifestar de formas mais escondidas. Logo em seguida foram exilados, e aí começou um momento de músicas americanas, porque os nossos artistas estavam exilados. Mas os novos artistas foram aparecendo e me apaixonaram também. Raul Seixas, o pessoal do Ceará um pouco depois, Belchior, Ednardo. A música é importantíssima na minha vida, na minha trajetória, em tudo meu. Sem música, não rola.

Quando você escreve literatura já pensa que o texto daria um bom musical?

Não, eu jamais imaginei que isso daqui [Sonho de uma Noite de Verão] fosse virar um musical, em 2006. Quando escrevo um livro eu não penso que ele pode dar em outra coisa. Nunca me passa isso pela cabeça porque sou muito apaixonada por livro, pela palavra escrita e lida. Mas fico muito feliz que o que eu faço se preste a musicais, porque acho uma coisa fantástica.

Como o teatro pode ser uma ferramenta de resistência em tempos de rejeição a artistas, intelectuais e performances teatrais?

Acho que o teatro talvez seja a maior ferramenta, a literatura também é, mas a literatura é algo que se faz individualmente, você lê um livro sozinho. O teatro junta uma plateia e é muito mais barato de fazer do que o cinema. Então, quando se vislumbra aí um mundo em que a arte vai ser deixada em segundo plano, o Ministério da Cultura pode deixar de existir e tudo o mais, é a hora de falar: vamos lá, minha gente, vamos fazer arte, é a melhor coisa do mundo. A pergunta da professora, “por que os teatros estão vazios e as igrejas estão cheias”, eu quase chorei na hora. Porque, realmente, eu tenho muito medo de quem pede dinheiro para Deus, e a quantidade de pessoas que estão ali adorando essas pessoas que estão pedindo um dinheiro que a gente sabe que, né… E o artista é o bandido e o bandido é o mocinho e não estou entendendo mais nada.

Em 2016, você adaptou o seu livro A Gaiola para o teatro como um musical. Como é adaptar a própria obra? É muito diferente de adaptar o texto de outro autor?

Ainda bem que eu e o Duda Rios adaptamos juntos, porque ele sempre vinha com novidades. Isso é muito bom para mim, senão eu ia ficar naquele universo e não ia sair dele. Foi muito bom porque o Duda vinha com provocações e eu ia também.

É mais difícil adaptar o próprio texto do que o texto de outro autor, como William Shakespeare?

Eu acho muito difícil adaptar. Eu acho mais fácil partir do zero e criar uma obra nova do que adaptar. É claro que essa brincadeira aqui do Coletivo, Sonho de uma noite de verão, Carnaval, Bahia, tem tudo a ver. Mas às vezes eu penso: ao invés de adaptar, por que não faz um novo? Às vezes, me passa isso pela cabeça. Não é o caso disso aqui e não é o caso de muita coisa. Eu tenho dificuldade com adaptação mesmo, porque a gente fica com um dilema entre ser fiel e leal ao autor e ao mesmo tempo se colocar naquele trabalho, né? Não é fácil, não.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Cidadão Repórter

Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro

ACESSAR

Publicações Relacionadas

A tarde play
Adriana Falcão escreveu para séries de TV como A Grande Família e Mister Brau
Play

Filme sobre o artista visual e cineasta Chico Liberato estreia

Adriana Falcão escreveu para séries de TV como A Grande Família e Mister Brau
Play

A vitrine dos festivais de música para artistas baianos

Adriana Falcão escreveu para séries de TV como A Grande Família e Mister Brau
Play

Estreia do A TARDE Talks dinamiza produções do A TARDE Play

Adriana Falcão escreveu para séries de TV como A Grande Família e Mister Brau
Play

Rir ou não rir: como a pandemia afeta artistas que trabalham com o humor

x

Assine nossa newsletter e receba conteúdos especiais sobre a Bahia

Selecione abaixo temas de sua preferência e receba notificações personalizadas

BAHIA BBB 2024 CULTURA ECONOMIA ENTRETENIMENTO ESPORTES MUNICÍPIOS MÚSICA O CARRASCO POLÍTICA