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MUITO

Além das belezas naturais, as artes florescem no Vale do Capão

Troca de saberes entre comunidades tradicionais da Chapada e moradores de fora faz cultura do vale florescer

Por Gilson Jorge

21/05/2022 - 18:07 h
Festival de jazz no Vale do Capão
Festival de jazz no Vale do Capão -

Em um carro de aplicativo a caminho do Teatro Castro Alves, onde receberia na última quarta-feira o troféu na categoria Revelação, do Prêmio Braskem de Teatro, pela atuação em O Salto, a atriz, aramista e performer Ninha Almeida baixava no celular o aplicativo Conecta SUS para emitir o comprovante de vacinação de sua mãe, Sebastiana Oliveira, obrigatório para o acesso à premiação.

Dona Sebastiana, da zona rural de Caeté-Açu, nome oficial do Vale do Capão, viu a filha em cena algumas vezes lá perto de sua casa, mas nunca tinha entrado em um teatro. E a estreia veio no dia do reconhecimento do talento de Ninha, encerrando uma jornada intensa. Depois de oito horas de viagem desde a Chapada Diamantina, a atriz acompanhou a mãe numa consulta médica no Hospital Ana Nery, foi para casa do irmão no Cabula, dirigiu-se ao Hospital Municipal de Salvador para visitar uma irmã internada, voltou para casa do irmão com o coração dividido entre a preocupação e o prêmio, e já dentro do carro rumo ao teatro lembrou que sua mãe estava sem o comprovante de vacinação.

Não foi uma emoção qualquer. A mais sapeca dos oito irmãos descobriu o gosto pelas artes ainda criança. Uma vizinha impressionada com sua expressividade recomendou que ela procurasse um casal circense que havia chegado ao lugar em busca de natureza e decidiu montar a lona por mais tempo, numa época em que o Vale do Capão ainda nem era conhecido por esse nome.

"Fico feliz pela escolha que fiz, como mulher da zona rural e que decidiu fazer arte. Minha mãe nunca reclamou diretamente da profissão, mas, às vezes, lembrava que eu tinha um emprego", diz Ninha, que trabalhou durante um ano como agente administrativa concursada numa escola de Palmeiras, mas não aguentou.

Foi preciso ter força para seguir. Parte da família nunca foi vê-la atuar, não por recriminação, mas porque a interpretação teatral não fazia sentido no universo de uma família da zona rural. "Meu pai, que morreu há quatro anos, não me viu atuar", declara.

Gente que foi chegando

Caeté-Açu, uma comunidade sem água encanada e sem eletricidade, começava a despertar o interesse de soteropolitanos, paulistas, mineiros, argentinos, japoneses, italianos, sérvios. Gente que foi chegando para conhecer e decidiu se instalar, adaptando receitas de seus lugares de origem, fazendo artesanato pátrio e transformando o Capão em um lugar, de certa forma, cosmopolita.

A cultura, vinda de diferentes partes do planeta, vai se tornando cada vez mais um atrativo extra para a região. Além do famoso Festival de Jazz do Capão que já levou à Chapada artistas como Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, Ivan Lins e Naná Vasconcelos, a arte e a gastronomia se tornam uma referência a quem decide se estabelecer no vale, mas precisa desenvolver uma atividade econômica.

Paulista que mora há 24 anos na Bahia, a jornalista e cineasta Hewellin Fernandes trocou Salvador pelo Capão em 2018 e se jogou de cabeça não apenas nos rios da região, mas na produção de documentários. O mais novo, Áurea, é um curta sobre a parteira Áurea Oliveira dos Santos, 95 anos, que durante quatro décadas ajudou a trazer ao mundo novos habitantes de uma região que conta com cerca de 3 mil pessoas, que muitas vezes não teriam acesso fácil a uma maternidade numa cidade vizinha, a tempo de realizar o parto. "O filme mostra o Brasil profundo, longe das grandes cidades", afirma Hewellin.

A troca de saberes entre as comunidades tradicionais da Chapada e os moradores que vão se chegando é o ingrediente que faz a cultura do vale florescer. O filme mostra, por exemplo, como técnicas ancestrais, tipo o uso de coentro amassado, sal e outros temperos na vagina da grávida ajudam a aumentar as contratações uterinas.

Morador do vale há 38 anos, o médico soteropolitano Áureo Azevedo é um dos personagens do filme. Ele largou a vida de médico urbano para aceitar os saberes das parteiras e ajudar nos nascimentos conforme manda a tradição local. O motivo da conversão de estilo de vida do médico é o mesmo apresentado por quase todo mundo que foi de férias ao Capão e resolveu ficar. "Olha essa natureza. É um lugar doido, bonito demais", diz o médico que, coincidentemente, fez o parto que trouxe ao mundo César Fernandes, marido de Hewellin e sócio na produtora.

Palmito de jaca

De uma forma ou de outra, os novos moradores vão se adaptando. Quem resolve investir em gastronomia, a partir dos pratos de seus lugares de origem, muitas vezes precisa adequar o cardápio aos ingredientes da região

Por exemplo, o palmito de jaca, estrela das receitas de Bela Gil, é amplamente utilizado pelos 40 restaurantes inscritos no Vale dos Sabores - Festival Gastronômico do Capão, que acontece pela primeira vez este ano, de 26 a 31 de julho, na sede do município de Palmeiras.

A comunidade italiana do Capão usa o palmito de jaca para fazer lasanhas, e outros estabelecimentos aproveitam o ingrediente como recheio de coxinhas e pastéis e até em hambúrgueres. "Mas quando pensamos em pratos locais, um dos destaques é o Godó de banana", afirma a coordenadora do festival, Melissa Zon Zon, uma baiana de origem martinicana que fez mestrado em desenvolvimento de projetos na França e depois voltou diretamente para o Capão.

Mas, se viver de arte em Salvador já é para poucos, ser artista no Capão é realmente de se tirar o chapéu. Ele, o chapéu, sendo passado em busca de notas e moedas é parte muito importante da receita dos trabalhadores culturais, junto com a bilheteria. "Gera uma renda, mas não paga as contas", descreve a soteropolitana Ive Farias, vocalista e percussionista do Yayá Massemba, grupo de samba formado por mulheres, que se apresenta nas cidades vizinhas e já tocou em São Paulo. "A gente faz outras coisas, uma é professora de música, outra dá aulas de inglês", explica Ive, que também atua como produtora cultural.

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