MUITO
Amantes da dança de salão voltam a frequentar espaços e eventos
Prática volta a ganhar espaço em Salvador após dois anos sem que praticantes pudessem estar juntos
Por Vinícius Marques

Há mais de 200 anos no Brasil, a dança de salão continua a ganhar adeptos por toda parte. A atividade, que nada mais é do que uma normatização da dança popular que se sofisticou, criou regras de etiqueta e de conduta no salão com passos coreografados, volta a ganhar espaço em Salvador depois de dois anos sem que os praticantes pudessem estar juntos.
O que começou no Rio de Janeiro, saindo dos salões nobres da Corte portuguesa, e que ganhou a adesão popular, resistiu ao tempo, se modernizou, ganhou novos estilos e até hoje encanta pessoas de todas as idades. É formada por estilos diversos, e entre os mais populares estão o samba de gafieira, forró, salsa, bolero, zouk, soltinho, tango, bachata e kizomba.
Em Salvador, muitas pessoas procuram escolas de dança que ofereçam esses cursos para, assim, se aventurarem em Bailes de Salão, espaços reservados inteiramente para valorizar os diversos ritmos que compõem a dança de salão. Um desses é o Baile do Meio Dia, criado pela professora de dança e doutoranda em dança na Universidade Federal da Bahia (Ufba), Jocélia Freire.
A história do Baile do Meio Dia remonta há 15 anos, quando Jocélia começou a dar aulas de dança de salão nos cursos livres noturnos da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), onde ainda hoje leciona. Ela também ofertava aulas de dança de salão para instituições privadas. Numa dessas, foi se formando um grupo de pessoas interessadas e, certo dia, por corte de custos, as aulas tiveram de ser suspensas.
Jocélia lembra que as pessoas que faziam as aulas queriam continuar aprendendo e uma das alunas sugeriu que ela procurasse um espaço chamado B23, no Boulevard 161, que fica no Itaigara, para tentar utilizar o amplo espaço no período da manhã, já que só funcionava durante a noite.

Certo dia, Jocélia percebeu que aquele espaço era bom para realizar um baile, porém muitos dos seus alunos não poderiam ir à noite porque seus companheiros não faziam aula de dança. Mas ela decidiu amadurecer a ideia porque percebia que eles só praticavam na aula durante o dia e acabava ficando por isso mesmo.
“Pensei: poxa, no Rio de Janeiro já existe um Baile do Meio Dia há muito tempo e em alguns estados também. Por que não trazer essa ideia para Salvador?”, lembra.
Para dar início ao projeto, ela se aliou ao DJ Carioca, que trabalha apenas com músicas de dança de salão. E, então, todas as sextas-feiras passaram a ser realizadas as edições do Baile do Meio Dia, emque os alunos de Jocélia poderiam praticar além da aula e com pessoas de outras escolas.
O ano de 2022 marca os 10 anos da primeira edição do Baile do Meio Dia e muita coisa mudou. De lá para cá, o público aumentou e eles precisaram mudar de espaço diversas vezes.
O sucesso foi tanto que chegaram a realizar dois bailes na mesma semana, nas sextas e nos domingos. “Mas ficou puxado porque não era nossa renda fixa, não era o que nos sustentava, eu precisava dar aulas e estudar e decidimos concentrar o baile no domingo”, explica.
Apesar disso, o Baile do Meio Dia nunca havia cancelado nenhuma de suas edições até março de 2020, quando a pandemia obrigou que todos ficassem reclusos. Naquele mês, aconteceria uma edição especial para as mulheres, lembra a organizadora.
Depois de mais de dois anos nessa reclusão, o baile voltou a acontecer neste mês, no último dia 10, na Casa da Felicidade, que fica no Rio Vermelho.
“O evento bombou, foi surreal. Não imaginava que seria um sucesso tão grande, tanto que a gente teve que dizer não para várias pessoas que queriam ingresso na hora”, conta Jocélia.
VIP
A organizadora estima que cerca de 150 pessoas estiveram no evento. Pagantes, foram exatos 132. “Havia também os profissionais, colegas de trabalho que levam seus alunos, e essas pessoas, por colaborarem para o evento acontecer, a gente considera como VIPs e que não devem pagar para estar ali porque elas movimentam o baile, ajudam-no a acontecer”.
E no Baile do Meio Dia toca de tudo, desde kizomba, bachata, bolero, tango, forró e outros estilos característicos. Apesar disso, toda a trilha sonora é comandada por DJs. Na última edição foram convidados cinco DJs para embalar a festa. Um deles foi o DJ Peu, que desde a pré-adolescência está envolvido com o universo dos bailes.
Ele frequentava os eventos com o primo e a tia, que cuidava dele. O DJ, que também é professor de dança de salão, lembra que enquanto a tia se divertia no baile, ele e o primo brincavam ao redor. “Assim fomos entrando no mundo da dança de salão, conhecendo as pessoas que dançavam, os estilos musicais”, comenta o professor e DJ.
Já adolescentes, os primos foram convidados pelo mestre em dança de salão, Jaime Neves, para tornarem-se monitores bolsistas dos bailes. Foi mestre Jaime quem ensinou o bê-á-bá da dança de salão para Peu e ele diz que, desde então, não quis mais parar: entrou nesse universo, começou a dar aulas, chegou a abrir uma escola de dança e hoje é parceiro de diversas unidades de ensino de dança em Salvador.
Apesar de hoje ser reconhecido como DJ, o lado professor surgiu primeiro e foi por perceber uma necessidade no mercado e uma forma de melhor auxiliar os alunos que Peu se tornou DJ. Ele conta que alguns bailes em Salvador são muito abertos a estilos de seresta, que difere do que é proposto na dança de salão. Muitos alunos perguntavam a Peu onde poderiam aplicar, de fato, o que aprendiam com ele e, então, o professor criou o baile A Prática.
Sem verba para contratar bandas para o baile, ele decidiu realizar alguns cursos de DJ para utilizar seu vasto repertório em músicas de dança de salão no A Prática. De acordo com ele, o baile, que existiu por três anos, tocava tudo que se dança a dois. A partir de então, passou a ser convidado para tocar em outros bailes.
“Gostaram do meu repertório, da forma como harmonizo as músicas, e as outras pessoas que realizam eventos de dança de salão, como Jocélia, que faz o Baile do Meio-Dia, gostam do meu trabalho, me convidam e hoje presto serviços para outros bailes como DJ”, afirma o professor.
Diferença
Peu explica que a diferença da seresta para os bailes de dança de salão é que as serestas tocam basicamente arrocha e alguns ritmos de dança de salão com um ritmo acelerado, que dificulta para os alunos que aprendem da forma tradicional, mais lento.
“Quando a gente sai para dançar um bolero, a gente gostaria de ouvir um bolero. E a gente não ouve bolero pelas bandas de Salvador, infelizmente. A gente ouve uma seresta, um arrocha, e fica colocando os passos de bolero, mas não ouvimos aquele bolerão que Tania Alves canta, que o saudoso Emílio Santiago canta. Músicas que sejam realmente boleros, que escutamos em sala de aula”, lamenta.
Como produtor de eventos, Peu espera retomar o baile A Prática em breve, mas tem tocado outros projetos. Ele foi um dos primeiros a retomar os bailes em Salvador, quando em outubro de 2021 realizou o Tango na Praça, e, em março de 2022, fez um baile na Casa D’Itália, onde dá aulas: “Logo quando as pessoas começaram a se vacinar, decidi realizar um evento a céu aberto, por conta da pandemia, um ambiente arvorado, com todo mundo de máscara”.
Na Casa D’Itália, Peu ensina três turmas de bolero, tango e samba de gafieira. Ele classifica as turmas como iniciantes, em que recebe novos alunos que geralmente passam de três a seis meses e, assim, migram para as outras turmas, que é a intermediária em dança de salão e uma específica para samba de gafieira. Para ele, esse estilo “é uma paixão que as pessoas que gostam de desafios sempre buscam, porque realmente é um desafio bem maior de dançar”.
Samba de gafieira
Uma dessas apaixonadas pelo samba de gafieira é dona Maria Santana da Cruz, uma senhora de 84 anos que começou a fazer aulas de dança quando enviuvou e foi diagnosticada com depressão. Há cerca de 10 anos, ela é uma figura conhecida nos bailes da cidade e conta que gosta de dançar todos os ritmos, mas destaca sua paixão pelo samba de gafieira. E com modéstia, afirma: “Mas faço só a base. Se eu pegar um bom dançarino, eu faço tudo certinho”.

Tango, bachata, forró, salsa, ela gosta de tudo. Já foi até num cruzeiro só para dançar. Mas no começo pensou em desistir por achar que seria difícil. Algum tempo depois, com persistência, estava apaixonada pela dança e hoje não pensa em parar. Por conta da pandemia, não estava tendo aulas ou frequentando bailes, mas este mês já retornou a frequentar os bailes e está ansiosa para se rematricular nas aulas. “Preciso levar meu atestado médico, porque lá só se matricula assim”, conta.
Outra frequentadora assídua dos bailes soteropolitanos é a costureira Lícia Araújo. Junto com o marido, Emanuel Portela e a neta Stefanie, eles saem em busca do bolero e do samba de gafieira. “As pessoas de dança são fora de série, vão sempre com o objetivo de se divertir, brincar, com muita alegria, espontaneidade. Amo os dançarinos. Quando me arrumo, saio de casa e vou para um baile, esqueço de tudo. Aquilo ali é uma renovação para a gente em cada baile que vamos”, resume Lícia.

Aluna do DJ Peu, ela diz que desde os 13 anos se interessou pela dança, mas nunca teve oportunidade até há pouco tempo, quando ela e o marido decidiram se matricular e nunca mais pararam.
Outro espaço em Salvador dedicado aos que querem aprender a dança de salão é a Academia Bahiana de Dança de Salão (ABDS). Dirigida por Pedro França, graduado na Escola de Dança da Ufba, e por sua esposa, Luísa Canda, o espaço oferece aulas de diferentes modalidades de dança há mais de 20 anos.
Pedro, gestor e professor do espaço, conta que a dança de salão teve um período de alta até 2014 e 2015, mas que de lá para cá os espaços para dançar foram se fechando na cidade e, consequentemente, a procura para fazer aula também reduziu nesse tempo. “Agora, com a pandemia, deu uma piorada grande, mas a partir desse ano de 2022 as pessoas estão voltando a criar coragem de fazer as aulas e estamos retomando as atividades com mais intensidade, mas bem distante do que foi entre 2010 e 2015”, revela o gestor.
A ABDS também promove um baile mensal para os alunos matriculados e os convidados dos alunos. No baile, tocam todos os ritmos. Ele conta que a festa não é aberta para todos porque já possuem um bom número de frequentadores e não possuem capacidade para abrigar muitas pessoas.
A edição de abril do Baile ABDS acontece no próximo dia 30, na sede da escola, que fica no Costa Azul e espera receber 80 pessoas, entre alunos e conhecidos dos alunos, para dançar num espaço de 120m². “Oferecemos uma estrutura muito boa para o baile, uma sala grande, com cadeira e mesa para todo mundo e uma boa pista de dança”, afirma Pedro.
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