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Aos 74 anos, baiana é voz ativa pelos direitos de pessoas com deficiência

Daniel Oliveira | Fotos: Shirley Stolze | Ag. A TARDE

Por Daniel Oliveira | Fotos: Shirley Stolze | Ag. A TARDE

07/12/2018 - 9:00 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
Luiza Câmera foi diagnosticada com a doença de Still ainda jovem
Luiza Câmera foi diagnosticada com a doença de Still ainda jovem -

Quando Luiza Câmera estava saindo do seu trabalho no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, para voltar a Salvador depois de quatro anos, o médico Aloysio Campos da Paz, fundador da rede nacional de hospitais, disse para a bibliotecária: “O corpo não sustenta a sua cabeça”. A frase marcou a vida de Luiza, que repete-a com certa frequência, uma espécie de mantra que a ajuda a ter mais força. Alguns dias depois daquela conversa, em meados do ano de 1980, ela retornou à capital baiana para dar início ao ativismo à frente da Associação Baiana de Deficientes Físicos (Abadef), localizada no Passeio Público, no bairro do Campo Grande.

Luiza foi diagnosticada, ainda jovem, com a doença de Still – autoimune, que gera inflamações no corpo, desgastes progressivos nas articulações – e perdeu o movimento nas pernas. Atualmente com 74 anos, e pesando 38 quilos, orgulha-se de sua trajetória, do “exemplo de coragem” que pode compartilhar com outras pessoas. “Achavam que eu não conseguiria ter filhos e casei, tive duas meninas. Hoje só vou ao médico fazer checape uma vez por ano, tenho todas as taxas excelentes”.

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Durante o período no Sarah Kubitschek de Brasília, Luiza conviveu com muitas pessoas com deficiência, sobretudo crianças que faziam fisioterapia no hospital, e percebeu que algumas famílias tinham vergonha dos filhos. “Mesmo tendo condições financeiras, elas não estudavam, ficavam escondidas. Achava aquilo horrível e errado”. Segundo a bibliotecária, foi um dos motivos do seu engajamento há quase 40 anos.

“Decidi, naquela época (1980), entrar no movimento social pelos direitos das pessoas com deficiência em Salvador. A ONU tinha proclamado que 1981 seria o Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, diz, na sua sala na Abadef, onde exerce funções de presidente da instituição. “É como minha casa”, compara, explicando a configuração e o funcionamento do espaço, mostrando a sala de reunião e o auditório. Nos dias em que não vai à sede, participa de reuniões e faz palestras em faculdades.

Na sua mesa, vários cadernos com fotografias, textos e matérias de jornais estão organizados minuciosamente, de acordo com ela, uma prática legada dos tempos como estudante de biblioteconomia e documentação na Universidade Federal da Bahia (Ufba), nos anos 1960.

“Na adolescência, a minha paixão era museu e papel, já entrei na faculdade consciente disso. Mas a vida me levou a uma outra paixão, que é a luta. Quis mostrar que a deficiência não deve ser escondida, que não devemos ter vergonha. E a minha história é isso”, diz Luiza, que tem dois livros publicados, Não se cria filho com as pernas e Mulher da vida, predominantemente de memórias. O segundo foi publicado em 1995, com a capa feita pelo artista visual Calazans Neto.

A luta em várias dimensões acompanha a trajetória de Luiza. Nascida em Itabuna, no interior da Bahia, no período de auge do cacau, Luiza se mudou para Salvador junto com a mãe por conta dos estudos. Viveu, ainda na infância, um acontecimento digno dos romances de Jorge Amado contextualizados naquela região. Filha de fazendeiro e dona de casa e costureira, descobriu de maneira trágica que o seu pai tinha sido preso por assassinato. Abriu o jornal, na escola, e soube que a vítima era a esposa.

Imagem ilustrativa da imagem Aos 74 anos, baiana é voz ativa pelos direitos de pessoas com deficiência
| Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE
Luiza ao lado da atriz Regina Dourado no bloco Me Deixa à Vontade, em 1997

“Tinha apenas 10 anos. Ao mesmo tempo em que soube do crime de meu pai, falavam que eu era ‘a filha da outra’. Não sabia que a minha mãe era a outra, a clandestina, que era discriminada socialmente. Apenas quando entrei no movimento de mulheres fui ler as questões de gênero e entendi realmente o que aconteceu”, conta e, logo depois, acrescenta que nas semanas seguintes sentiu as primeiras febres que prenunciavam o mal de Still.

Na Abadef, a ativista e bibliotecária participou de diferentes momentos da militância por direitos das pessoas com deficiência e viu a ampliação das conquistas no Brasil. Não enxerga o cenário atual como ideal, mas considera melhor do que aquele que existia quando começou a sua atuação no movimento.

“Graças ao movimento unido, chegamos ao atual momento. Depois de centenas de passeatas, protestos, idas à Assembleia Legislativa, à Câmara de Vereadores, dos deputados, tivemos conquistas. As manifestações e a conquista do passe livre em ônibus, por exemplo, foi importante. Mas hoje é preciso de mais fiscalização para a aplicação da lei da acessibilidade, que muitos tentam driblar”.

A própria localização do prédio da associação não é acessível. Porém Luiza explica que há dois anos tem reivindicado do Ipac, responsável pelo Passeio Público, uma resolução. Além disso, pretende levar aos conselhos municipais e estaduais voltados para área e dos quais faz parte esta demanda. “Precisamos da reforma. Não conseguimos mudar, já fizemos um projeto e nada. Não é um absurdo o próprio prédio da associação não ser acessível?”, questiona.

O ativismo de Luiza levou-a a uma homenagem do Senado. Ela recebeu, em 2015, a Comenda Dorina Nowill, dada a personalidades com contribuições na luta por direitos da pessoa com deficiência. Foi uma das muitas vezes que foi a Brasília para participar de eventos relacionados à militância. “Já fui recebida no gabinete de dois ex-presidentes e fui para muitas sessões na Câmara e no Senado. Aqui na Bahia, se não me receberem, arrombo a porta”.

Também na política, ela chegou a se candidatar quatro vezes para o cargo de vereadora de Salvador, mas não foi eleita. Diz que, na primeira, “tinha certeza de que ganharia”, mas entendeu que tal processo não é tão simples como imaginava. “Achei que somente por ser dinâmica, participativa, militante, já seria suficiente. Porém, nem na TV colocaram a minha imagem”.

Nas quase quatro décadas de militância, uma das iniciativas das quais Luiza mais nutre carinho é o bloco de Carnaval Me Deixe à Vontade, em 1993. Após muitos anos sem “brincar Carnaval”, e com saudade dos tempos em que a mãe fazia fantasias para assistir ao festejo na Avenida Sete, propôs a criação do bloco aos membros da Abadef. “Estava bolando o nome e ouvi o hit do Ilê. Era uma expressão que ouvia muito na época de faculdade. A gente ia para praia e uma dizia: ‘Aqui estou bem à vontade”, lembra, com bom humor. De lá para cá, o bloco é assíduo na avenida.

Como faz questão de ressaltar, duas amizades que marcaram a sua vida foram construídas a partir da agremiação, com o precursor do trio elétrico Osmar Macedo e a atriz Regina Dourado. O primeiro tornou-se padrinho do bloco em 1995. Já Regina Dourado assistiu a um desfile no bloco na televisão e entrou em contato para apoiar.

“Ela ligou para a associação e pediu para falar comigo. Na época, estava fazendo uma personagem importante (Lucineide), esposa de Salgadinho, na novela Explode Coração, da Rede Globo, em 1995. Atendi, falei ‘trote tem hora’ e desliguei o telefone. Aí ela ligou novamente e disse: ‘Ô, sua ousada, já vi que você é igual a mim’. Ela queria ajudar e veio aqui. Ficamos muito amigas”.

A atriz também se tornou madrinha do Me Deixe à Vontade e até os últimos anos da sua vida, já com câncer de mama, ainda participava. “Todo ano eu fazia carta para Boni (diretor da Globo) para pedir a liberação dela”, relata.

Em 2018, a cantora do bloco foi Sarajane, que vai continuar no ano que vem. Para Luiza, o bloco, com mais de mil associados, assim como outras iniciativas da Abadef, visa a uma melhor qualidade de vida para as pessoas com deficiência, principalmente em relação à autoestima.

“As pessoas já têm saído e precisam sair mais de dentro de casa por conta do mercado de trabalho, das universidades. E precisam se expor. Nos primeiros anos do bloco, algumas mães ligavam e diziam: ‘Minha filha está namorando, a senhora colocou ela a perder’. E eu pensava: ‘Estou fazendo o certo’. É importante ter coragem e lutar pelo direito ao trabalho, à alegria. A vida não é só lamento e sofrimento”.

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