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MUITO

Artesãos do sagrado

Peças de artesanato religioso da Bahia são reconhecidas internacionalmente

Por Renato Alban

17/12/2023 - 7:00 h
Artesão Rodrigo Guedes
Artesão Rodrigo Guedes -

As peças de artesanato religioso da Bahia têm importância econômica, turística e histórica. São reconhecidas e valorizadas por clientes e especialistas de outros estados e países e ainda carregam as histórias de artesãos que se aproximaram do ofício e da religiosidade na infância.

Nascido no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, o artesão Rodrigo Guedes conta que, desde criança, tem ligação com a religiosidade e com a santidade que dá nome ao local. “Quando pequeno, eu deixava de comprar um brinquedo para comprar santo”. Ainda criança, ele começou a montar um altar para Santo Antônio, em papel e papelão.

O altar ficou famoso no bairro e, depois, em toda a cidade. A casa onde está instalado, da avó de Rodrigo, tem mais de 20 imagens do santo e fica aberta para visitação aos fins de semana e feriados. A devoção a Santo Antônio também está na reza pública em ritmo de ijexá e nas peças que Rodrigo produz. “Eu empresto minhas mãos para o sagrado atuar”, afirma.

Para ele, o artesanato religioso é uma missão de vida: “O que eu não consigo dizer, expresso pela arte”. O artesão conta que a aproximação com o ofício também vem da infância. “Desde criança eu via minhas avós fazendo bordado e crochê, absorvi isso ornamentando as igrejas”. As avós marcam, inclusive, dois momentos importantes de conexão de Rodrigo com Santo Antônio.

“O primeiro momento foi quando minha avó paterna faleceu, em 2015, no dia de Santo Antônio, logo após uma reza”, lembra. Um ano antes, a avó materna se salvou de um acidente. “O telhado da casa dela desabou em cima da cama dela, dando tempo só de minha avó se levantar da cama”. Rodrigo atribui o livramento ao santo de devoção.

Neto de um babalorixá, o artesão Sandro Pereira de Oliveira também carrega ligações com a religiosidade e o artesanato religioso desde criança. “Sempre tive essa relação com o axé, esse é um dom ancestral”, diz. Com a arte, o contato surgiu na confecção de carrinhos de brinquedo com caixotes de madeira.

Depois, por meio do artesanato religioso, se conectou com o avô. “Tinha nove anos quando ele morreu. Daí, fui para o Pelourinho e me conectei com a minha ancestralidade”. Lá, Sandro montou o estúdio e a loja Sal da Terra, onde expõe e vende suas peças. “Contam que no mesmo espaço que hoje é a minha loja, antes era um terreiro de candomblé que era proibido de existir por causa da intolerância”, relata.

As peças partem de R$ 39, no caso das imagens das “baianinhas”, mas Sandro conta que já vendeu uma produção encomendada por R$ 100 mil. Na loja, há cerca de 10 mil peças, a maioria feita com madeira de demolição que o artesão coleta no interior do estado. A matéria-prima tem relação com o orixá Iroco. “Foi a primeira árvore plantada e pela qual todos os restantes orixás desceram à Terra”.

Sandro também comercializa o artesanato religioso pelo Instagram, onde reúne mais de 16 mil seguidores. Com as boas vendas, ele abriu um restaurante no Pelourinho, o Oxente Bistrô, decorado com artigos de religiões de matriz africana, e uma segunda loja da Sal da Terra, em Praia do Forte, em Mata de São João.

Assim como Rodrigo e Sandro, foi na infância que o artesão Rosalvo Santana começou a produzir peças de artesanato. “Quando tinha uns sete anos, as crianças iam com os pais para olarias e eu ficava brincando com isso”, lembra Rosalvo. “Minha mãe me levava para a igreja e eu ficava curioso em saber como as pessoas faziam aquelas obras de santos com tanta perfeição”.

Natural de Maragogipinho, distrito de Aratuípe, no Recôncavo Baiano, Rosalvo rememora duas situações em que percebeu o valor das peças que produzia. A primeira foi a vitória num concurso de presépios, no Pelourinho, há 25 anos. A segunda, quando levou uma imagem de santa modelada em barro para a Feira de Caxixis, evento tradicional da cidade de Nazaré, também no Recôncavo. “Causou muita surpresa porque ninguém tinha visto santo de barro, fez muito sucesso”.

No meio do tumulto, conta o artesão, a peça foi danificada: “Consegui consertar e uma professora quis comprar. Ela pagou o dobro do que eu cobrei”. A compra ajudou a deslanchar as vendas. Os clientes me diziam que aquilo era obra de arte e eu fui começando a dar valor às minhas peças”.

Segundo Rosalvo, a subprecificação vinha de uma desvalorização ao artesanato em Maragogipinho. “Por uma peça de um metro que valeria R$ 1 mil, os artesãos cobravam R$ 20. Barro tem valor, tem que agregar amor, é um objeto valioso”, defende Rosalvo, que chegou a trabalhar como contador antes de se dedicar exclusivamente ao artesanato.

Valorização

Com imagens de santos e orixás, ele já participou de mais de 30 exposições e, atualmente, vende peças por até R$ 3 mil. Apesar da consolidação no mercado, Rosalvo ainda reclama do baixo reconhecimento do artesanato local. “Sempre me reúno com outros artistas nas exposições e todos eles sempre dizem que falta valorização”.

Segundo o aratuipense, governos de estados como Pernambuco e Piauí têm se saído melhor nesse trabalho do que o baiano. Sandro reclama pelo mesmo motivo: “Fazer um trabalho desse, no coração da Bahia, no Pelourinho, sem incentivo, isso me entristece. Mas em algum momento vai chegar esse incentivo, acredito”.

Coordenador de Fomento ao Artesanato da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia (Setre), Weslen Moreira destaca que há uma disputa do artesanato baiano com produtos vindos da Ásia. “São produtos que se utilizam de matérias-primas que não são classificadas como artesanato", diz Weslen.

A estratégia da Setre é a promoção do selo “Artesanato da Bahia”, que informa quais são as peças autênticas do ofício baiano. “Esse movimento de posicionamento da marca, garante mais competitividade aos artesãos”. Para se cadastrar, o profissional precisa ir na Casa do Artesanato da Bahia, no Porto da Barra, em Salvador, ou no site www.artesanatodabahia.com.br.

Weslen ressalta a importância da participação dos artesãos baianos nas feiras promovidas pelo governo. “Já realizamos 20 só esse ano”. Entre os eventos, os artesãos estiveram no Festival Liberatum e na Feira da Festa da Irmandade da Boa Morte. O coordenador afirma que o governo tem se esforçado também para fornecer oficinas de qualificação para confecção e venda das peças.

Segundo a Setre, a Bahia tem 17 mil artesãos no cadastro nacional do setor, sendo o segundo estado com maior número de inscritos. São esses profissionais cadastrados que podem ter acesso a ações de qualificação, convites para feiras e outras políticas públicas voltadas para a valorização do artesanato.

Turismo

Dono da Sal da Terra, Sandro diz que vende principalmente para pessoas de fora da Bahia e do Brasil. Segundo ele, cerca de oito em cada dez clientes não são baianos. Apesar disso, ele não considera que há uma desvalorização das pessoas do estado em relação ao artesanato: “Não posso reclamar da valorização do meu trabalho”.

Segundo Sandro, a venda para baianos na loja dele em Praia do Forte é boa, mas no Pelourinho, não muito. Para Sandro, os baianos têm medo de frequentar o local. “Na Praia do Forte, que não tem a mesma relação com a cultura do axé, os baianos compram minhas peças. Então, o que precisa mudar é o preconceito que existe contra o Centro Histórico”.

Já Rosalvo diz ter percebido uma valorização maior do artesanato no seu local de origem. “Em Maragogipinho, o projeto ‘Artesanato da Bahia’ está ajudando muito”, conta o artesão, que vende principalmente em Salvador, mas também costuma enviar obras para outros estados, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. “É difícil eu ter peça em estoque, porque sempre vendo tudo”.

Lojas revendedoras e designers de interiores também alavancam as vendas dos artesãos. Sandro, por exemplo, teve 20 peças na edição da CasaCor Bahia do ano passado. Para a designer de interiores Marcela Neri, as peças de artesanato religioso conferem diversidade e identidade à decoração de uma casa. Para além disso, Neri ressalta o significado por trás das obras.

“Para as pessoas que não gostam da ideia de altar, com concentração de itens, o ideal é que seja distribuído em alguns espaços, selecionando itens que sejam realmente significativos”, recomenda. Na casa da designer, ela mantém um minioratório feito com latas. “É visto como um item de decoração e, para mim, tem muito mais significado”.

Serviço:

Peças de artesanato

Sal da Terra: vendas pelo perfil do Instagram @saldaterrasalvador, pelos telefones (71) 98477-0108 e (71) 99215-8705 e pelas lojas físicas. Os endereços das unidades são: Rua das Portas do Carmo, 13, Pelourinho, Salvador, e Alameda do Sol, 436, Praia do Forte, Mata de São João.

Rodrigo Guedes: vendas pelo perfil do Instagram @rodrigoguedesartesao. As visitas ao altar para Santo Antônio confeccionado por Rodrigo são gratuitas e podem ser realizadas aos fins de semana e feriados, das 15h às 19h. O altar fica na casa nº 559, na Rua Direita do Santo Antônio, Santo Antônio Além do Carmo, Salvador. Mais detalhes no perfil @devocaodeantonio.

Rosalvo Santana: vendas pelo perfil do Instagram @santana_rosalvo e pelo telefone (75) 98805-3932.

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